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Da Sétima Arte à Linguagem Cinematográfica

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No início, o homem não percebia a realidade, era apenas um animal irracional movido por estímulos e guiado pelos seus instintos. Veio a linguagem verbal, um sistema semiótico de significação, com ela a compreensão e a apreensão do real. Mas isto não era o bastante, o homem vez Arte, inicialmente nas paredes das cavernas, em pequenas narrativas de caráter mítico de explicação; viu que era bom. Viver não era o bastante, era preciso recriar e criar novas realidades: surge a vontade e a necessidade artística, o seu consequente desenvolvimento e multiplicação. As Artes são, comumente, divididas em: Artes espaciais e Artes temporais. Por seu turno, segundo uma perspectiva estruturalista, elas seriam linguagens. Assim, a Literatura, a Música, a Pintura e o Cinema são linguagens artísticas. 

Dentro da divisão clássica das Artes, há as Artes espaciais e as Artes temporais. As espaciais são aquelas que se desenvolvem no espaço, seja bidimensional, como a Pintura, ou as tridimensionais como a Escultura e a Arquitetura. Não implicam em uma movimentação temporal, possuindo uma posição de atemporalidade, na medida em que, o tempo, quando trabalhado direta ou indiretamente, é estático. As artes temporais são aquelas que possuem o tempo como sua matéria principal, podendo trabalhar elementos como frequência, duração, amplitude, característicos da Música e da Literatura, que são artes temporais por excelência. Nesta concepção, há ainda as Artes modernas, que são consideradas “Artes mistas” por serem a junção dos dois outros grupos, como o Cinema e a História em Quadrinhos, por exemplo. 

Na grande efervescência epistemológica da primeira metade do século XX, diversas teorias, tais como a fenomenologia, o existencialismo e a arquetipologia, surgiram em um contexto que propiciou a reorganização e, até mesmo, a criação de novas sistematizações a partir de um ramo do conhecimento. Com as contribuições do “Curso de Linguística Geral”, de Ferdinand Saussure, a Lingüística passou a ser considerada uma ciência de dados a posteriori. Surge, então, o estruturalismo lingüístico, que veio a influenciar diversas áreas do conhecimento, como a pedagogia com Jean Piaget, a antropologia com Claude Lévi-Strauss, a filosofia com Martin Heidegger, e também a Filosofia da Arte, que passou a estudar as manifestações artísticas como “sistema estrutural de significação” ou linguagens artísticas. 

No contexto linguístico, o Cinema é uma linguagem, por possuir elementos estruturais que produzem significado, podendo ser segmentado, dos elementos mais simples aos mais complexos, que no caso da linguagem cinematográfica vão da unidade mínima, o plano, a mais complexa, o filme. Assim, o filme é formado pela unidade mínima do plano, filmado de um determinado ângulo, que se associa com outros planos para formar sequências, que juntas formam cenas, que associadas constituem o filme. Há ainda recursos técnicos como a movimentação de câmera em zoom-in e zoom-out, além das panorâmicas: horizontais e verticais. 

Aos analisarmos os elementos estruturais da linguagem cinematográfica, tem-se a descrição do sistema e como ele pode produzir significado, como a escolha do ângulo: que pode ser feito a partir de uma câmera alta ou baixa, no qual no filme se eu escolher a primeira para a composição de um plano, a personagem será filmada de cima para baixo, o que daria o significado de inferioridade, a segunda funciona de forma oposta sugerindo uma superioridade, tanto que nos vídeos de propaganda política sempre é utilizada a câmera baixa, filmando o político de baixo para cima. 

Em relação ao plano, que é a distância das personagens e dos objetos da câmera, tem-se o Plano geral no qual se mostra uma paisagem ou um cenário completo; o Plano de conjunto onde há um grupo de personagens; Plano médio: tem-se um trecho de um ambiente, em geral com pelo menos um personagem em quadro; no Plano americano mostra-se um único personagem enquadrado não de corpo inteiro (da cabeça até a cintura, ou até o joelho); já no Primeiro plano há um único personagem em enquadramento mais fechado que o Plano americano (em muitas situações, o Primeiro plano é considerado sinônimo de close-up); no Plano próximo, grande plano ou close-up (ou apenas close) filma-se o rosto de um personagem; por fim, no Plano detalhe mostra-se uma parte do corpo de um personagem ou apenas um objeto. 
Assim, dependendo da terminologia adotada por teóricos, críticos e cineastas, há a filiação a uma concepção de Arte, da clássica, que divide as Artes em Artes espaciais e Artes temporais, numerando-as em: a 1ª Música; 2ª Dança; 3ª Pintura; 4ª Escultura; 5ª Teatro; 6ª Literatura e a 7ª, o Cinema. Já na perspectiva estruturalista, as Artes são linguagens que possuem um sistema estrutural de produção de significado, sendo linguagens. Portanto, se em algum texto estiver escrito Sétima Arte ou Linguagem cinematográfica sabe-se a postura e o posicionamento do autor perante o Cinema.

Dois Conceitos de Montagem Cinematográfica

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Quando vamos ao cinema para assistir a um determinado filme, vemos uma obra coesa e temos a impressão de vê-la em sua globalidade, em sua síntese. Contudo, a obra cinematográfica, já no seu processo de criação, é constituída por partes segmentadas. O filme é dividido em partes separadas, que se dividem em seqüências, cada seqüência se divide em cenas e, por fim, as cenas são construídas a partir de séries de planos filmados de diversos ângulos. Um dos grandes teóricos, e também diretor de cinema, a tratar da questão da montagem cinematográfica foi o russo Vsevolod Pudovkin (1893-1953), que junto com Sergei Eisenstein (1898-1948) são os maiores expoentes da Teoria Clássica Soviética do Cinema, que teve o seu auge na década de vinte do século passado. 

Pudovkin afirma que a ação de filmar diversos ângulos gera planos, que, em série, formam seqüências, que geram cenas. A relação sintética entre estes elementos estruturais é sustentada pela montagem. Ou seja, o diretor monta o filme a partir do elemento estrutural mínimo, que é o plano, até chegar às seqüências e às cenas. Ele ressalta que o objetivo da montagem é mostrar o desenvolvimento da cena como se fosse em relevo, conduzindo a atenção do espectador. 

A técnica cinematográfica permite filmar cenas em pedaços separados que, ao final, são montados para a exibição. A montagem constrói as cenas a partir de planos separados, no qual cada plano concentra a atenção do espectador apenas para os elementos relevantes para a ação. Pudovkin salienta que a seqüência desses planos não deve ser aleatória, mas sim deve corresponder à transparência natural de um, segundo a sua terminologia, “observador imaginário”. Ele nos dá um exemplo que, quando um determinado personagem vira a cabeça para olhar algo, deve-se mostrar o que ele vê. Deste modo, primeiro, mostra-se, em um plano, a sua cabeça se virando para olhar algo, em seguida, no plano seguinte, mostra-se o seu rosto para, por fim, no terceiro plano da sequência, mostrar a direção do olhar. 

O Cinema possui como uma de suas principais características a capacidade de dirigir a atenção do espectador para os diferentes elementos que se sucedem no desenvolvimento de uma ação segundo os diferentes tipos de planos (plano-médio, plano-americano, plano geral, primeiro-plano, plano de conjunto). É necessário compreender que a montagem significa a direção deliberada e compulsória dos pensamentos e associações do espectador. Para Pudovkin, a arte do diretor consiste na sua faculdade de criar a partir de planos separados e, depois, reuni-los de acordo com as técnicas de montagem, criando, desta forma, a obra cinematográfica. A montagem, deste modo, combina elementos segmentados numa síntese significativa, num todo artístico, coeso e expressivo. Podemos notar que a concepção de montagem de Pudovkin era semelhante a de Eisenstein. No entanto, Pudovkin dava mais ênfase à ligação mental entre planos, ao passo que Eisenstein frisava o impacto mental entre eles, ou seja, a capacidade que A + B têm de criar um significado C. 

Para Eisenstein, assim como para o também teórico Lev Kuleshov (1899-1970), o que caracterizava e particularizava a linguagem cinematográfica em relações às outras artes é justamente a montagem e a capacidade que ela tem de gerar significados a partir da justaposição de imagens em uma relação horizontal de planos. Tal preposição foi feita segundo bases empíricas e ficou conhecida como “Efeito Kuleshov”, no qual se pegarmos uma imagem em primeiro-plano de uma mulher e justapormos a uma imagem de um velório, e voltarmos para o plano inicial da mulher, o espectador achará que a ela está triste. Mas, se pegarmos o mesmo plano com a imagem da mulher e justapormos a um plano com a imagem de uma mesa de comida e depois voltarmos para o plano inicial, o espectador acreditará que a mulher está com fome.

Para Pudovkin, a montagem era responsável por criar a síntese mental da ação na cabeça do espectador. A representação de uma ação, ao longo de um conjunto de planos, deveria respeitar uma continuidade de ação, para que, assim, o realismo dos fatos e das ações fosse natural para o espectador. Nesta perspectiva, uma ação de dois homens (um de frente para o outro) se cumprimentando, que se inicia no plano-médio A, ao ser cortada, em um plano B, para o aperto de mãos, tendo um plano-detalhe (close), ela não deve dar a impressão de descontinuidade, de modo que onde termina a ação no plano A deve ser o início da mesma no plano B, mesmo tendo a passagem de um plano-médio para um primeiro-plano. Assim, a montagem reforça a ligação entre os planos. 

O filme, no seu processo de criação, é segmentado em partes que, ao final do processo, devido à montagem, possui uma forma coesa e sintética. O diretor parte da seleção dos ângulos para formar os planos, que, por sua vez, constituem as seqüências, para criar as cenas e, ao final, conceber a obra cinematográfica. A teoria da montagem estrutural de Pudovkin, juntamente com a de Eisenstein, criou uma nova técnica cinematográfica a partir da segmentação dos elementos estruturais fílmicos e posterior montagem destes mesmos elementos. Tal técnica deu uma enorme contribuição para a teoria do cinema e, conseqüentemente, para a evolução artística da Sétima Arte. 

Para ver: Acossado (Direção: Jean-Luc Godard, França, 1960) 
Para ler: Reflexões sobre a montagem cinematográfica. (Eduardo Leone, Editora da UFMG, 2005)