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Gimme Danger: a história dos The Stooges segundo Jim Jarmusch

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Kurt Cobain dizia ser Raw Power (1973) o melhor disco de todos os tempos. Já a capa do álbum The Stooges (1969) foi parodiada por bandas como Fugees, Belle & Sebastian e por Di Melo. The Stooges, é ao lado do grupo MC5, o responsável direto por apontar os caminhos que o estilo musical punk seguiria uma década depois da formação da banda em 1967, na cidade de Detroit, nos Estados Unidos. O documentário Gimme Danger (2016) foi a proposta do cineasta Jim Jarmusch para explorar a história de Iggy Pop e The Stooges nas suas influências, gênese e legado. 

O documentário começa com um prólogo sobre Iggy Pop mostrando o seu início de carreira musical como o baterista dos grupos The Iguanas e The Prime Movers, até que em 1967 decide criar o The Stooges junto com os irmãos Ron e Scott Asheton. Ouve-se os versos “Gimme danger, little stranger/And i'll feel you bleed/Gimme danger, little stranger/And i'll feel your disease”. Nos próximos 108 minutos, Jim e Iggy mostram para o espectador através de imagens, fotos da época, depoimentos a importância do The Stooges para a música dos anos seguinte. 

Jim Jarmusch é um dos expoentes do grupo de cineastas do “cinema independente” estadunidense surgido na década de 1980. Dirigiu filmes como Estranhos no paraíso (1984), Dead Man (1995), Sobre café e cigarros (2003), com a participação de Iggy Pop, Flores partidas (2005), Amantes Eternos (2014) e Paterson (2016). Gimme Danger foi a primeira tentativa do diretor de trabalhar o gênero documental. 

O diretor foca a narrativa nos anos de 1969 a 1973, durante o período de gravação dos três primeiros discos do The Stooges. The Stooges (1969) foi produzido por John Cale (músico da banda The Velvet Underground), com destaque para as músicas I wanna be your dog e No fun, caracterizado por uma sonoridade mais simples, distorcida, experimentalista. No segundo disco, a banda o grava em Los Angeles, eis que surge Fun House (1970) com as canções T.V eye, Dirt e Fun House. Uma produção marcada por experimentações e por uma nova sonoridade influenciada pelo blues, jazz, adaptada àquilo que será conhecido como “som punk”. 

Em 1972, David Bowie deseja conhecer Iggy Pop, do encontro surge o convite para a ida a Londres, onde o músico inglês, no auge do seu prestigio com o disco The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972), produz o álbum Raw Power (1973). Bowie estava produzindo ao mesmo tempo a obra-prima de Lou Reed: Transformer (1972). Do disco Raw Power surgi a canção título do documentário  Gimme Danger, com destaque ainda para as composições Search and Destroy e Penetration

Jarmusch elenca as influências do The Stooges a partir de nomes como The Velvet Underground, Mother of Invention e MC5. No entanto, o destaque fica por conta do legado, em como os músicos de Detroit criaram uma sonoridade, um estilo, uma musicalidade proto-punk com canções com versos simples, com temas grotescos, e riffs poderosos, com uma guitarra repleta de distorção. Bandas como Sex Pistols, Damed, Ramones, Sonic Youth, The Cramps, White Stripes foram influenciadas pelas composições de Iggy e dos irmãos Asheton. 

Gimme Danger termina com a história do convite do festival de Coachela para a reunião de Iggy Pop e os músicos do The Stooges para uma apresentação em 2003, e a inclusão do grupo no Hall da Fama do rock em uma cerimônia em 2010. Jarmusch faz um documentário simples, sem inovações, destacando a música, as estórias de Iggy Pop e dos demais integrantes do The Stooges, além de histórias relacionadas ao campo da música pop, principalmente punk, nas décadas de 1960 e 1970, com os músicos de Detroit como agentes. 

There's nothing in my dreams
 Just some ugly memories 
Kiss me like the ocean breeze

Trailer do filme

Metá Metá e o ‘MM3’

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A música é sagrada, o som e o sentido contidos nos ritmos, dissonâncias, assonâncias do universo, no interior da existência. A percussão, os metais, a guitarra e, acima de tudo, a voz de Juçara Marçal colocam o grupo Metá Metá como arauto, e principal expoente, da nova cena musical brasileira deste iniciante século XXI. Do primeiro disco “Metá Metá” (2011), passando pelo segundo “MetaL MetaL” (2012), ou ainda no “EP” (2015) e culminando na última criação “MM3” (2016), os músicos Juçara Marçal, Kiko Dinucci e Thiago França apontam as possibilidades, os caminhos para a criação da música independente no Brasil. 

A música pode ser um ritual coletivo, compartilhada, ouvida, dançada, sentida em grupo. A música popular, voltada para o consumo em massa, é um produto simples, palatável, repetitivo, sem criatividade. Do outro lado há a Arte, a linguagem artística usada como expressão, visão das possibilidades, reflexo do tempo. O álbum “MM3” do grupo Metá Metá expõe que a música é a sinestesia, a introspecção, o fazer artístico, a criação sublime em cada nota, ritmo, melodia. 

A música criada pelo Metá Metá exige um ouvinte ativo, com ouvidos pensantes, interessado nas provocações, experimentações, nas possibilidades da música, que não se estranhe com o novo, pelo contrário, que se deixe fascinar, adentrar nos labirintos das composições, muitas vezes, sem o fio de Ariadne. No álbum “MM3” (2016), há a riqueza das composições, a beleza das melodias, os diálogos estabelecidos com outros ritmos, fundidos em camadas com texturas de sons com destaque para as faixas “Três Amigos”, “Imagem do Amor”, “Ossanyn” e “Obá Kossô”. 

Juçara Marçal, Kiko Dinucci e Thiago França são músicos, artistas, que estão na vanguarda, pois se utilizam da tradição, não como submissão, ou peso, mas como forma de diálogo com o Jazz, o Art Rock, a Bossa Nova, com diversos ritmos brasileiros, ou mesmo de outros cantos com a característica de serem baseados na sua essência, gênese, em ritmos africanos. 

O que se tem com o álbum “MM3” é a poesia das composições elevada pelo lirismo da voz de Juçara Marçal, a música enquanto ritual sagrado, não de um transe coletivo, mas para uma oração entre indivíduo e o som para que lhe mostre o sentido.

Tracklist “MM3”
 1) Três Amigos (Rodrigo Campos/ Thiago França / Sergio Machado)
2) Angoulême (Juçara Marçal / Thiago França / Kiko Dinucci)
3) Imagem do Amor (Kiko Dinucci / Rodrigo Campos)
4) Mano Légua (Juçara Marçal / Kiko Dinucci)
5) Angolana (Juçara Marçal / Thiago França / Kiko Dinucci)
6) Corpo Vão (Juçara Marçal / Thiago França / Kiko Dinucci)
7) Ossanyn (Kiko Dinucci)
8) Toque Certeiro (Siba / Kiko Dinucci)
9) Obá Kossô (domínio público)

Metá Metá - MM3 (Álbum Completo) 2016

As Dialéticas do Clube da Esquina

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Minas são os estados gerais da alma, um campo geral onde o escritor Guimarães Rosa vislumbrou o seu “sertão-mundo”, local no qual o poeta Carlos Drummond de Andrade percebeu as condições da vida gauche nas casas, na vida interiorana de Itabira com a sua grande quantidade de ferro nas calçadas e nas almas. Das Geraes, um grupo de músicos, conhecidos pela alcunha de Clube da Esquina, surgiu das confluências, cruzamentos e da criatividade artística para se consolidar como uma das mais significativas expressões da música brasileira. 

O Clube é o grupo, uma agremiação, uma reunião de músicos inicialmente nas esquinas de Belo Horizonte, principalmente no cruzamento da rua Divinópolis com a Paraisópolis no bairro de Santa Teresa, com afinidades musicais, “mineirísticas”, que compuseram letras, criaram melodias, gravaram músicas e lançaram discos. A colaboração entre os músicos é a marca dos trabalhos, na qual o individual e o coletivo se mesclam. O termo fechado designado pela palavra “clube” se contrasta com o espaço coletivo, aberto, plural do adjunto “esquina”. 

O Clube da Esquina não é um grupo homogêneo, com uma proposta predeterminada de uma estética musical, pelo contrário, é um movimento de músicos que se reuniram por afinidades no catalisador convívio mineiro. Milton Nascimento, o Bituca, é o expoente, a figura mais conhecida do clube que foi assimilando músicos ao longo do final da década de 1960 e durante a década seguinte com nomes como Flávio Venturini, Tavinho Moura, Toninho Horta, Lô Borges, Márcio Borges, Fernando Brant, Beto Gudes e Wagner Tiso

O clube no entorno de Milton Nascimento é a gênese do movimento, pois criaram o disco “Travessia” (1967), viram que era bom; no ano seguinte gravaram nos Estados Unidos o álbum “Courage” (1968), contendo uma versão da música “Travessia” com trechos em inglês; mas décadas depois a artista islandesa Björk a cantaria em português declarando o seu fascínio pela música mineira. Em 1969, surgiu o disco “Milton Nascimento” e no ano seguinte é lançado “Milton” (1970) no qual aparece as composições “Clube da esquina”, junto com “Para Lennon e McCartney” e a poética “Alunar”. 

O Clube da Esquina se consolida em 1972 com o lançamento do disco duplo homônimo com as suas vinte e uma canções, sedimentado, dando forma para uma produção coletiva. Lô Borges se destaca como compositor, Milton como interprete, com destaque para as canções “Tudo Que Você Podia Ser”, “Trem Azul”, “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo” e “Nada Será como Antes”. Em 1978, lançariam ainda com uma identidade coletiva o disco “Clube da Esquina 2” com a participação de Elis Regina, Gonzaguinha, Chico Buarque, ampliando, assim, o som para outras esquinas. 

O Clube no entorno de Lô Borges ocorre após o lançamento do “Clube da Esquina” (1972), o artista então com dezenove anos lança o famoso disco do “tênis’ na capa com composições como “Canção Postal”, “O Caçador” e “Faça Seu Jogo”, em parceria com o seu irmão Márcio Borges. Já Milton Nascimento, entre o “Clube da Esquina” (1972) e “Clube da Esquina 2” (1978), lança duas odes a Minas Gerais com os discos “Minas” (1975) e “Geraes” (1976). As ‘mineirices” são o mote para as canções influenciadas por ladainhas, fazendas, horizontes, pessoas simples, morros e veredas. 

Minas é isso, uma vereda no norte do Jequitinhonha, a Zona da Mata, as chapadas, as veredas, o quadrilátero. A vista é bela; a travessia, filosófica; a vida, artística. A música do movimento Clube da Esquina é mineira na base, na essência, na poética, na melodia fundida com ritmos, estilos como Bossa Nova, Jazz (fussion, smooth e rock), com o Rock e o seu Art-Rock, o Progressivo, o Folk. O mineiro tem o “causo” no narrativo, a poética na vida, a música como cotidiano sagrado. A esquina é a apenas o símbolo da confluência da existência, da troca de possibilidades. 

As letras das composições mineiras dos músicos expoentes do Clube da Esquina são o particular-universal expressando de maneira poética a existência humana na sua travessia de campos gerais da vida. O amor não precisa de lágrimas, pois é só poesia e os cabelos são da cor de girassóis; o alunar é catacrese, é preciso ter os pés na terra, aterrar a vida na calmaria do sagrado cotidiano. A identidade mineira é cantada para Lennon e McCartney, assim como amor que vale a pena de Paula e Bebeto. 

Minas Gerais não é apenas uma terra fértil para a literatura com os seus escritores locais de sensibilidade universal ou mesmo poetas de um mundo ora com um Eu maior do que o mundo, ora menor na sua condição de gauches, deslocados. Nada foi como antes dentro da música brasileira, a influência das esquinas, da música mineira do clube de Milton Nascimento, Flávio Venturini, Tavinho Moura, Toninho Horta, Lô Borges, Márcio Borges, Fernando Brant, Beto Gudes e Wagner Tiso mostrou tudo o que a música pode ser, seja partindo do particular para o universal, ou mesmo caminhando entre uma produção individual e coletiva. Para os músicos do Clube da Esquina, Minas é a vida condensada em um horizonte geral de possibilidades artísticas, musicais.

Discos

Milton Nascimento - "Milton" (1970)

"Clube da Esquina" (1972)

Lô Borges - "Lô Borges" (1972)


Milton Nascimento - "Minas" (1975)



Músicas

Bjork - "Travessia"


Milton Nascimento - "Alunar"

Clube da Esquina - "Um girassol da cor do seu cabelo"


Invasão Caipira

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Araraquara é uma cidade média do interior de São Paulo com cerca de duzentos mil habitantes, está a 280 km da capital. É rodeada por plantações de cana de açúcar e pés de laranja. Seus habitantes respiram o ar cítrico sem sentir o cheiro em suas narinas tão fatigadas. O cinturão da cana é um espaço demarcado, linguisticamente reconhecido seja pelo “r” retroflexo, ou mesmo pela interjeição “acha”, ou ainda com a preposição “de” na expressão “passo de lá”, como também pelas ruas com nomes, mas indicadas por números. 

A cidade é ainda um estado central da música, capaz de criar festivais, grupos, cantores, músicos de extrema qualidade, movimentar excursões para shows na capital criando uma invasão caipira. Os grandes concertos de rock, espetáculos, festivais fazem com que um contingente de fãs da cidade se desloque para São Paulo percorrendo 280 km para ver, ouvir, sentir a música em uma viagem de um dia. 

Ônibus fretados saem rumo à capital a partir do Bar do Zinho que fica em frente a uma praça na rua mais bonita da cidade. O bar é um local de formação, educação, comunhão musical, onde músicos independentes do interior, da cidade tocam, bebem, conversam, dialogam há mais de meio século. A saída é perto da hora do almoço, quando começa a chegar uma leva de adoradores da música com roupas pretas, camisas de bandas, carregando coolers, sacolinhas com os mantimentos, acessórios para a viagem. 

A música cria uma peregrinação de araraquarenses até São Paulo, criando uma invasão caipira da capital. Uma viagem (“excursão”) como chamada no interior, de um dia, um “bate-volta” fazendo o percurso ser interessante, de modo que alguns preferem se embriagar levemente ou apenas dormir na esperança da viagem ser encurtada. Há os que são enciclopédias, repletos de história no ramo, que estiveram em concertos históricos. 

O concerto, o espetáculo musical é o fim, o objetivo final, mas a travessia do interior à capital é interessante: há o casal (Zé e Glaucia) que voltou de São Paulo apenas para ir no ônibus com os amigos, ou ainda a tímida, a bonita moça (Andréia) de Taquaritinga que viaja um pouco mais. No corredor do ônibus cenas inusitadas: alguns como Paulo Afonso, Igor e Plex conversam sobre física, filosofia, cinema e fotografia; outros, como o Matheus, preferem contar histórias; um estudante tenta fazer o trabalho da faculdade para a manhã seguinte. 

Araraquara é reconhecida não somente pela visita do filósofo francês que quis responder a uma questão, mas pela adoração à música. Não somos reconhecidos apenas pela cana, pela laranja ou pelo “r” “puxado” ou mesmo “arrastado”, a cidade é música, frequências altas, baixas, locais de batidas, ritmos, a música é a nossa melhor amiga. Se não temos boas narinas, compensamos com ouvidos apurados, exigentes, que buscam sons e sentidos na música sendo capaz de criar peregrinações até São Paulo.

Os Rolling Stones no Cinema

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O cinema nasce “mudo”, a música nasce sem a imagem. A união entre música e cinema é uma das mais produtivas dentro da indústria cultural. Músicos e bandas passaram a atuar em filmes para divulgar as suas canções e sedimentar suas imagens para um púbico cada vez mais amplo, como ocorreu, por exemplo, com cantores como Elvis Presley (1935-1977) ou mesmo David Bowie (1947-2016), e bandas como The Beatles, The Who, além dos Rolling Stones. A banda inglesa formada por Mick Jagger e Keith Richards trabalhou com importantes cineastas como Jean-Luc Godard, os irmãos Albert e David Maysle, Michael Lindsay-Hogg e Martin Scorsese, produzindo documentários ou mesmo registros de shows do grupo. 

Jean-Luc Godard, o maior nome, ao lado de François Truffaut, do movimento cinematográfico francês da Nouvelle Vague (nova onda), vai a Londres em 1968 para fazer um documentário sobre os Rolling Stones. Godard entende a natureza do jogo, faz um filme que documenta o processo de gravação da canção ‘Sympathy for the Devil” entre os dias 04 a 10 de junho. No entanto, faz um filme experimental, político com alusão ao marxismo, aos Panteras Negras e à vários conceitos filosóficos e literários. O documentário recebeu o título de ‘Sympathy For The Devil - One Plus One’, sendo um importante documento histórico das agitações políticas e culturais pós maio de 1968. 

No final de 1968, os Rolling Stones tiveram a ideia de filmar, em um circo, uma apresentação ao vivo das músicas do recente disco lançado “Beggar's Banquet”. O picadeiro foi montado, incluíram a participação de outros músicos e bandas como Jethro Tull (com o guitarrista Tommy Iommi), The Who, Taj Mahal, Marianne Faithfull, e a banda mais inusitada e efêmera The Dirty Mac, formada por John Lennon, Eric Clapton, Keith Richards e Mitch Mitchell. A direção foi feita pelo cineasta nova-iorquino Michael Lindsay-Hogg, que ainda dirigiria o documentário “Let it be”, dos Beatles, em 1969; além de diversos “vídeos promocionais” (uma espécie de “proto-videoclipe”) das duas maiores bandas inglesas de rock. 

Em 1969, os Rolling Stones fazem uma grande turnê pelos Estados Unidos, queriam encerrá-la de forma grandiosa, com uma apresentação gratuita em um espaço aberto, como ocorrera meses antes na famosa apresentação da banda no Hyde Park, em Londres. O local escolhido para o show foi o Golden Gate Park, em San Francisco, mas a apresentação foi transferida para Altamont. O show é filmado pelos cineastas Albert e David Maysles seguindo a proposta do “cinema direto”, mostrando inclusive um jovem negro sendo assassinado pelo grupo de motociclistas Hell's Angels. O filme foi lançado como o nome de “Gimme Shelter”, sendo exibido no Festival de Cinema de Cannes em 1971. 

Martin Scorsese é um dos maiores diretores de cinema dos Estados Unidos, dirigiu os filmes “Alice não mora mais aqui” (1974), “Taxi driver” (1976) e “Touro indomável” (1980); além dos documentários “No direction home: Bob Dylan” (2005) e “George Harrison: Living in the material world” (2011). Em 2008, dirigiu o documentário “Shine a Light” sobre a apresentação da turnê “A Bigger Bang Tour” (2005-2007) dos Rolling Stones. Scorsese filmou duas apresentações da banda no Beacon Theater, em Nova York, em 2006, com todo um aparato de filmagem para obter não apenas um mero registro de uma apresentação ao vivo, mas, sim, um produto final com qualidade cinematográfica. 

Pareceria “lorota” de caipira, mas não, Mick Jagger e Keith Richards visitaram Araraquara e se hospedaram por cerca de quinze dias em uma fazenda, então propriedade do banqueiro Walther Moreira Salles, na cidade de Matão, no interior de São Paulo, em janeiro de 1969. A passagem dos dois integrantes dos Rolling Stones foi tema do documentário "Aliens 69 - Quando os Rolling Stones Invadiram Matão" (2013), um bom trabalho de conclusão do curso de Jornalismo feito por alunos da UNIARA (Centro Universitário de Araraquara). Depoimentos de pessoas que tiveram contato com a dupla, como um sanfoneiro, o caseiro, a vizinha, relatam a experiência e histórias. 

No documentário “The Stones in the Park” (1969), sobre o famoso show ao ar livre no Hyde Park, em Londres, Mick Jagger afirma que “os Beatles gostam de compor e gravar discos enquanto os Rolling Stones preferem fazer shows”. Não é a única diferença entre as bandas, enquanto o quarteto de Liverpool realizou filmes ficcionais-musicais como “A Hard Day's Night” (1964), “Help” (1965) e “Magical Mystery Tour” (1967), os Stones preferiam documentários e registros das apresentações ao vivo da banda, trabalhando com grandes cineastas como Jean-Luc Godard, os irmãos Albert e David Maysle, Michael Lindsay-Hogg e Martin Scorsese. Isso é apenas rock’n’roll, mas o cinema adora.

Trailer Godard-Stones 'Sympathy For The Devil'


“Simpatia pelo Diabo” e por Godard

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Uma música mereceria um filme? Algumas poucas dentro da história da música popular massiva da segunda metade do século XX, sim, tais como ‘Like A Rolling Stone’ (1965) do Bob Dylan, ou mesmo ‘A Day in The Life’ (1967) dos Beatles, ou ainda ‘Johnny B. Goode’ (1955) do Chuck Berry, como também ‘White Light/White Heat’ (1968) do Velvet Underground. A música ‘Sympathy For The Devil’ (1968), da banda inglesa The Rolling Stones, teve o seu processo de gravação em estúdio filmado pelo cineasta francês Jean-Luc Godard (1930-), sendo lançado com o título de ‘Sympathy For The Devil - One Plus One’ (Inglaterra, 1968) em um filme cheio de referências ao contexto musical, histórico, cultural e político de 1968. 

Por gentileza, permita-me que apresente ‘‘Sympathy For The Devil’, uma música de fortuna e requinte gravada em junho e lançada como abertura do lado A no disco ‘Beggars Banquet’ em 06 de dezembro de 1968 pelos Rolling Stones. A canção foi composta por Mick Jagger tendo como inspiração para a letra o romance ‘O Mestre e Margarida’ (1940) do escritor soviético Mikhail Bulgakov e uma tradição ocultista que remete às ‘Litanias de Satã’ do poeta francês Charles Baudelaire, ou ainda às ‘fáusticas histórias’ do escritor alemão Goethe. Os arranjos são de Keith Richards e Brian Jones. O ritmo foi influenciado pela música modal africana a partir do Candomblé, que os músicos entraram em contato em uma visita à Bahia meses antes. 

Prazer em lhe conhecer, quando o cineasta Jean-Luc Godard vai a Londres, em junho de 1968, para realizar um filme com produtores britânicos, sua ideia inicial é modificada, sendo sugerido que faça uma produção com/sobre os Beatles ou mesmo os Rolling Stones. Os primeiros recusam por questões contratuais, já os segundos aceitam a proposta de realizar um filme com o grande nome da nouvelle vague francesa. Da parceria surge o filme ‘Sympathy For The Devil - One Plus One’. 

O filme se inicia com o ensaio da música, Brian Jones e Mick Jagger estão com instrumentos de cordas decorando os primeiros versos da canção. Em seguida, chega Keith Richards e, a partir de uma panorâmica horizontal, têm-se os outros músicos como o baterista Charlie Watts e o baixista Bill Wyman; Jagger entoa o refrão “Pleased to meet you/Hope you guess my name”. A câmera é documental, mostra o processo de gravação no estúdio Olympic em Londres. 

Godard entende a natureza do jogo, faz um filme que documenta o processo de gravação de ‘Sympathy For The Devil” entre os dias 04 a 10 de junho de 1968, mas, não apenas. Poucos dias antes, o cineasta estava no Festival de Cinema de Cannes na França, sendo um dos arautos (juntamente com os cineastas Carlos Saura, François Truffaut, Louis Malle, Terence Young e Roman Polanski) para o seu cancelamento em solidariedade às manifestações que estavam ocorrendo em Paris, em “Maio de 68”. 

Mas, o que intriga é o filme de Godard. O cineasta já havia abandonado as propostas estéticas da nouvelle vague para fazer filmes de caráter político através do grupo cinematográfico Dziga Vertov, que fundara no início de 1968. No filme, o cineasta vai além da música, coloca a sua nova diretriz política marxista segundo várias esquetes narrativas, discutindo o contexto social e político da época, dando vozes para os Panteras Negras, com a discussão racial; para as formas de manifestações sociais e a posição do intelectual; ou ainda a Guerra do Vietnã. As esquetes são surrealistas, quebram com o efeito de realidade e com o discurso cinematográfico padrão. 

Paris era o centro das manifestações políticas a partir de maio de 1968, Londres era a capital cultural. O termo “Swinging London” foi usado para descrever a efervescência cultural da cidade que estava na vanguarda da música com a “invasão britânica’, das artes e do cinema com os diretores Tony Richardson, Richard Lester e Lindsay Anderson. Assim, vários cineastas de outras nacionalidades foram filmar na cidade, tais como o francês François Truffaut com ‘Fahrenheit 451’ (1966), ou mesmo o italiano Michelangelo Antonioni com o filme ‘Blow-up’ (1967), e também Jean-Luc Godard com ‘Sympathy For The Devil - One Plus One’ (1968). 

Com o filme ‘Sympathy For The Devil - One Plus One’, Godard cria uma polifonia, um conjunto de vozes, de discursos: do musical com o processo de gravação da canção ‘Sympathy For The Devil’ centrado em uma banda de rock, os Rolling Stones; como também político com os Panteras Negras; ou ainda histórico, com a discussão sobre a Guerra do Vietnã. As vozes são musicais, trechos de obras literárias, sociológicas ou mesmo filosóficas. Há a voz em off, que destoa da imagem, pichações em muros, carros com os dizeres: “Cinemarxism”, “Freudemocracy”, “sovietcongs”. Jean-Luc Godard cria uma obra que presenciará muitos acontecimentos.

Trailer do filme:

‘Quadrophenia’ Musical e Cinematográfica

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Quadrophenia’ (Inglaterra, 1979) é um filme dirigido por Franc Roddam, é baseado na “Ópera Rock” homônima lançada em 1973 da banda inglesa The Who, formada pelos músicos Roger Daltrey (1944-), Pete Townshend (1945-), John Entwistle (1944-2002) e pelo lendário baterista Keith Moon (1946-1978). O filme é um retrato do cenário musical e cultural londrino nos primeiros anos da década de 1960, com a oposição entre os dois principais grupos conhecidos como Mods e Rockers, como também a arquetipal dualidade entre o velho e o novo em uma sociedade em constantes transformações.

No filme, tem-se a história do jovem Jimmy, um mod que vive no subúrbio de Londres. Sua vida é influenciada pelo seu contexto social e cultural, sofre com o vazio da sua geração, sem perspectiva de futuro, a não ser em um emprego burocrático e alienante. O seu cotidiano é modificado quando se encontra com outros indivíduos adeptos do estilo mod, identificados pelos seus ternos e pelo consumo de anfetaminas, além de todos possuírem uma Lambreta decorada e cheia de espelhos. 

Os mods cultuavam a Lambreta não apenas como meio de transporte, mas como também estilo de vida e de diferenciador social. Eram adeptos da música pesada e moderna produzida por bandas inglesas como The Who, Small Faces, The Kinks e pelo importante grupo The Yardbirds, de onde saíram músicos como Eric Clapton, Jeff Beck, Jimi Page, sendo o embrião de bandas como Cream, The Jeff Beck Group e Led Zeppelin.

No contexto social britânico, os mods tinham como inimigos o rockers, que possuíam motos e se caracterizavam pelo uso de jaquetas de couros e um estilo mais despojado, se identificando com o estilo musical dos anos de 1950 conhecido como Rockabilly, com músicos como Gene Vincent, Jerry Lee Lewis, Carl Perkins, Buddy Holly, Bill Halley e Eddie Cochran, ou seja, a maioria músicos da gravadora Sun Records, fundada por Sam Phillips em 1952 em Memphis, Tennessee, nos Estados Unidos. 

Em ‘Quadrophenia’, Jimmy é um mod que sempre está em confronto com os rockers, o que representa um embate não apenas musical, mas também de ocupação do espaço urbano, tomada por jovens que se auto-afirmam a partir da identificação com um grupo de indivíduos com as mesmas características e se diferencia em relação a outros grupos sociais, o que gera conflitos. Em Londres, os mods não convivem nos mesmos espaços que os rockers e ao irem para o feriado na região litorânea de Brighton, na Inglaterra entram em conflito, causando transtorno com as constantes brigas generalizadas.

O filme mostra o conflito entre os mods e os rockes, como também o conflito entre gerações na sociedade inglesa. O conflito entre o velho e o novo representado pelo embate da música Rockabilly da década de 1950 e do R&B britânico da década de 1960. Ao tomar banho, Jimmy ouve alguém cantando ‘Be Bop a Lula’, de Gene Vincent, logo responde cantando em tom alto a música ‘You Really Got Me’, da banda The Kinks. “Os velhos valores” da sociedade e da cultura inglesa são representados pelos pais e pelo mercado de trabalho, que condicionam e limitam as possibilidades de desenvolvimento do indivíduo fora destas esferas, o que gera o conflito de gerações. 

O interessante do filme é a sua estreita relação com a música, sendo baseado em um disco da banda inglesa The Who, e produzido pelos integrantes dela. O filme coloca em destaque as músicas do disco homônimo. O que se tem no filme e no contexto social da segunda metade do século XX, é a musica popular massiva como identidade etnografia urbana entre grupos, aqueles que ouvem a música de um determinado gênero e se vestem como seus representantes possuindo uma identidade individual projetada em uma identidade coletiva. Como grupo, perdem a sua fraqueza individual e sentem a força coletiva, é o que acontece com Jimmy e seus amigos. 

Com ‘Quadrophenia’ do The Who, o gênero musical Rock se expande, o disco ganha uma pretensa unidade e as músicas uma narratividade, opondo-se, assim, ao Rock and roll, que surgiu como produto para adolescentes liberarem a sua libido através da música e da dança com a sua estrutura melódica simples. Quando o gênero Rock and roll evoluiu, tornando-se Rock, eleva-se a música popular massiva artisticamente, ganhando relevância cultural, ampliando os seus temas, a sua estrutura melódica, as harmonias, e as faixas etárias. 

Quando perguntado, no aeroporto JFK de Nova Iorque no dia 07 de fevereiro de 1964, logo no desembarque da “Invasão Britânica”, se os Beatles eram mods ou rockers (“Are you a mod or a rocker?”), o baterista Ringo responde serem “mockers” (“I'm a mocker”). O conflito real existiu, mods e rockers dividiram os jovens britânicos, mas os inimigos eram outros, que se somam com os dias dos anos. Do conflito surgiu o disco e o filme, de modo que sempre o atrito gera algo, sempre “Talkin' bout' my generation”.

Trailer do filme:


The Who - My Generation

A Música Pop Segundo os Beatles

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No princípio era o caos, o espectro dos Beatles pairava sobre a face das águas turvas do rio Mersey e disse John: “Haja o The Quarrymen”, e houve a banda. Viu que era bom. John chamou Paul, fez a separação da velha banda. E disse Paul: “haja uma expansão”, George foi chamado. Chamaram a nova criação de The Beatles, viram que eram bons, chamaram Ringo. No sétimo dia do mês de fevereiro de 1964, foram os Beatles para o local da gênese do gênero musical, desembarcam na cidade de Nova Iorque para a primeira visita aos Estados Unidos. A visita foi documentada através de fotos, escritos e do documentário “The Beatles: a primeira visita aos EUA” (The Beatles: First U.S. Visit). 

O documentário “The Beatles: a primeira visita aos EUA”, sendo dirigido pelos irmãos Albert (1926-) e David Maysles (1932-1987) em 16 mm, retrata os quatorze dias que a banda permaneceu em solo estadunidense. São mostradas as duas apresentações ao vivo no programa do apresentador de televisão Ed Sullivan (1901-1974). A primeira apresentação ocorreu nos estúdios da CBS, em Nova Iorque, no dia nove de fevereiro para um público televisivo de mais de 73 milhões. Tocaram as músicas “All my loving”, “Till there was you”, “She loves you”, terminando com “I saw her standing there” e “I wanna hold your hand”. 

Entre a primeira aparição e a segunda no programa do apresentador Ed Sullivan acompanhamos as imagens do quarteto de Liverpool no quarto de hotel e o diálogo com o DJ Murray The K (1922-1982). Há uma proximidade, a câmera sempre se encontra próxima aos músicos, mostrando as ações espontâneas do grupo e o seu deslumbramento com a cidade de Nova Iorque. A histéria das fãs é mostrada. Em uma cena, tem-se um fato curioso: John Lennon está com um instrumento de sopro e começa a tirar algumas notas musicais, que se assemelham às usadas três anos depois na música  Strawberry fields forever”.

De Nova Iorque, os Beatles vão para Washington D.C. no dia 11 de fevereiro onde fazem uma apresentação no Washington Coliseun, que depois foi lançada em DVD com o nome de “Live in Washington D.C.”. Tocaram as músicas “Roll over Beethoven”, “From me to you”, “I saw her standing there”, “I wanna be your man”, “Please please me”, “Till there was you”, “She loves you” e “I want to hold your hand”. No documentário colocaram apenas as performances de “I saw her standing there”, “I wanna be your man” e “I want to hold your hand”. 

Em seguida, no dia 13, acompanhamos os fab four em Miami Beach, Flórida, onde tem-se a famosa sessão de fotos tiradas pelo fotógrafo Dezo Hoffmann (1918-1986) para a revista Life, como também a última apresentação no programa do Ed Sullivan, no dia 16, entrando para o documentário as músicas “From me to you”, “This Boys” e “All my loving”. No dia 18, conhecem ainda o maior boxeador de todos os tempos Cassius Clay (1942-), que depois mudaria o seu nome para Muhammad Ali

O documentário foi possível graças à evolução tecnológica das câmeras de filmagem, que se tornaram mais compactas. Ele foi filmado em 16 mm com a  proposta de documentar todos os passos dos Beatles nos Estados Unidos para ser, depois, transmitido em um especial para a televisão. Os irmãos Maysles fariam ainda o documentário “The Rolling Stones: Gimme Shelter” (1970) sobre a turnê da banda pelos Estados Unidos divulgando o disco “Let it bleed” (1969). Os Maysles foram uma grande influência para o cineasta e documentarista D. A. Pennebaker (1925-), que filmou a turnê do bardo Bob Dylan pela Inglaterra, em 1966, dando origem ao documentário “Don’t look back”. Pennebaker filmou ainda “Ziggy Stardust and the Spiders from Mars” do músico britânico David Bowie (1947-), em 1973. 

A importância dos Beatles para a música popular da segunda metade do século XX é um fato concreto. Sua influência se estende por diversos campos indo além do musical e entrando na esfera da cultura popular. A primeira visita dos Beatles aos Estados Unidos é significativa, pois o país é o centro de irradiação da cultura pop e local de gênese do rock através da árvore genealógica de parentes distantes como o Blues e o Fiddle. Com a invasão britânica, há a inversão dos pólos de influência, antes os Estados Unidos eram os produtores e exportadores, naquele momento tornaram-se receptores e consumidores. No princípio era a música, e a música estava com os Beatles, e a música era os Beatles. Tudo foi feito por eles; e nada do que tem sido feito depois, foi feito sem eles. Quem tiver ouvidos, ouça.

Abbey Road: o último e o penúltimo disco dos Beatles

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Muito se escreveu, e tem-se escrito, sobre os Beatles. A banda inglesa revolucionou a Música Serial Pop, elevando-a a um patamar artístico dentro da musica pop mundial. A sua discografia representa todo um percurso de ascensão criativa, desde o primeiro álbum de estúdio Please, Please Me (U.K., 1962), passando por álbuns como Help (U.K., 1964); Revolver (U.K., 1966); Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (U.K., 1967); White Album (U.K., 1968) e, o seu último álbum de estúdio, Abbey Road (U.K., 1969), que a consolidou como a principal banda de rock da segunda metade do século XX. 

O Álbum Branco havia sido lançado em 30 de novembro de 1968, podendo ser considerado como parte do grupo de obras em termos artísticos mais elevadas já criadas ao lado da “Capela Sistina”, da “Nona Sinfonia”, de “Os Irmãos Karamazov”, de ‘O Sétimo Selo”, da “Balada do Mar Salgado”. Nele, os Beatles conseguiram atingir o seu ápice criativo. No início de 1969, John, Paul, George e Ringo se reuniram para gravar um novo e audacioso projeto, que se mostrou conturbado e caótico, sem falar de traumático. Queriam um álbum mais sintético e puro, sem o avant-gard de Sgt. Pepper ou de White Album, executaram Let It Be, que posteriormente resultou em um filme e em um álbum homônimo lançado em 1970. Após abandonar este projeto, o Fab Four entra novamente no estúdio Abbey Road, em Londres, para gravar o seu último álbum de estúdio, intitulado Abbey Road

Abbey Road é o disco mais popular e o mais vendido de todos os outros treze da discografia oficial dos Beatles. São, ao todo, dezessete músicas, se bem que na contra capa aparecem apenas o nome de dezesseis; Paul havia “escondido” uma faixa surpresa “Her Majesty” no Lado B. A álbum possui uma estrutura interessante, dual, mas sintética. O Lado A, com as suas seis faixas, estaria relacionado com a proposta das músicas do White Album-, músicas mais “rockeiras”. O Lado B, com a exceção de “Here Comes The Sun”, pode ser considerado a primeira tentativa de se compor uma “Ópera Rock”. Todas as nove canções se encaixam em uma estrutura coesa, começando com a sombria “Because”, indo até o término com a frenética e depois calma “The End”, terminando como se fosse uma voyage, no sentido baudelairiano do termo; mas depois da pausa, tem-se o presente para ela. Alguns anos depois os Sexs Pistols fariam uma canção afirmando o contrário. 

Se utilizássemos a teoria do crítico estadunidense Harold Bloom sobre a “Angústia da influência”, diríamos que os Beatles se encontram no centro do cânone da música pop serial. Basta vermos o impacto que as composições e os álbuns causam nos procedentes. “Come Together” é a faixa que abre o álbum, com um dos riffs e um dos refrões mais populares de todos os tempos: “Come together / right now / over me”. O vocal de John é “arrastado”, a sua prosódia está em um meio termo entre o falado e o cantado-, modelo este que seria a base do Rap. 

A segunda composição “Something” é a segunda música mais regravada do Beatles, perdendo apenas para “Yesterday”. Contrariando Frank Sinatra, que dizia ser “Something” a sua composição predileta da dupla Lennon-McCartney. A autoria é de George Harrison, que a compôs em homenagem a sua esposa Pattie Boyd, que ainda ganharia “Layla” de Eric Clapton. Além da letra e da melodia, tem-se o espetacular baixo de Paul, o que resultou em uma das mais famosas lendas sobre os Beatles: a de que Paul queria “sacanear” o George, criando uma composição para baixo fenomenal.

A faixa seguinte é uma típica composição Lennon-McCartney “Maxwell’s Silver Hammer”, um rock experimental com as marteladas de Mal Evans-, o que contrasta com faixa seguinte “Oh! Darling”: uma típica composição, chorosa, de Paul, com uma levada que caminha entre o vocal de Blues e de Soul. Em seguida, há a “faixa Ringo” de cada álbum: “Octopus Garden”-, uma boa composição do baterista. O Lado A termina com a pesada “I Want You (She’s so Heavy)”; uma verdadeira precursora do Hard Rock e do Heavy Metal. Uma típica canção Lennon, que se assemelhando às outras como “Yer Blues”; “Happiness Is A Harm Gun”; “Tomorow Never Knows”. A melodia é lenta, com destaque para os solos de guitarra de George e para a bateria de Ringo, que dão um tom pesado (heavy) para a música. A faixa é uma composição pesada e sombria. 

Here Comes The Sun” abre o Lado B, sendo outra famosa composição de George Harrison, que se mostra um excelente compositor. Em seguida, têm-se quase dezessete minutos ininterruptos de música, todas as outras nove composições se encaixam como se fossem uma única faixa. Começa-se com “Because”, com um vocal de John, passando por “You Never Give Me Your Money”, cantada apor Paul; por “Sun King”, com trechos em vários idiomas; “Mean Mr. Mustard” e “Polytheme Pam”, tendo um crescendo com “She Came In Trhough The Bathroom Window”-, chegando à calma “Golden Slumber” (inspirada em uma música de acalanto), que se segue por “Carry That Weight” e termina com “The End”, neste ponto tem-se o melhor solo de bateria jamais tocado por Ringo. 

O fim da opereta é anunciado, o álbum é lançado-, os quatro atravessam as faixas da rua Abbey Road. Há a teoria da conspiração: “Paul is Dead”, seus olhos estão fechados-, está descalço. Deixando de lado a teoria de lado, o A e o B são ambos diferentes; mas com uma grande qualidade a sua maneira; o que originou um álbum sintético, com características de todos os álbuns anteriores concebidos pelo Fab Four. O disco começa com “Come Together”; “The End” não é niilista como a de Morrison. Ouçam o disco em estéreo ou mono (se possível em um conjunto Marantz), acabou o Lado A-, a agulha subiu após “I Want You (She’s so Heavy)”, levante-se e vire-o: “Here Comes The Sun”.