A doumentary about the brazilian’ high school students against the state.
In the end of 2015, high school students mobilized against the government’s proposal to reformulate the education system the state of São Paulo in Brazil. The students didn’t agree with the vertical imposition of the project, they considered the project arbitrary besides not beneficial to the student class. As a consequence, the students started street demonstration and then they occupied schools as a form of struggle, strategy influenced by Chilean secondary students who had done the same in 2006. The documentary The peace is over (Acabou a paz: isto aqui vai virar o Chile) was directed by Carlos Pronzato in 2016 and shows the process of the students’ struggle in São Paulo in parallel with the struggle of the Chilean students highlighted in the documentary The Penguin Revolution (A revolução dos pinguins).
In October of 2015, the state secretary of education Herman Voorwald released the government’s proposal of the state of São Paulo regarding the reformulation of the public school system, based on a "reorganization" since the closure of ninety-four school units, distributed throughout the state. The schools would be divided into cycles, so that each unit would only have one cycle of education. The affected students, about 311,000, would be forced to be transferred to other school units, often overcrowded and far from home. But the "reorganization" was based on the two billion reais cut in education made by the state government.
The documentary The peace is over shows the process of struggle of secondary students against the "reorganization" of the education system proposed by the state government of São Paulo. The demonstrations began on October 6th, 2015 with marches in the main points of the city of São Paulo, extending for a month. The students’ strategy change occurred in November with the influence of the Chilean students' fighting practices in 2006, based on school occupations. So on November 9th a group of students occupied a state school in the region of Diadema and the next morning, another group occupied the Fernão Dias State School in the city of São Paulo initiating a mobilization process that would occupy more than two hundred schools throughout the state in a short period of time.
In the first images of the documentary The peace is over, there is an assembly of students, they are reading a letter, a manifesto, they use the jogral strategy: one student reads a document aloud, others repeat even the circular information for all. Then images of street manifestation alternate with testimonials from students, teachers, parents and journalists who accompanied and sympathized with the students' struggle. The goal of director Carlos Pronzato is to understand and demonstrate the dynamics of the movement, how it came about and, mainly, how it shapes itself in its organization and struggle strategies.
The struggle strategy of the students of São Paulo is interesting from the point of view not only organizational but also political because they managed to mobilize a large number of high school students and have the support of a significant part of society in a short period of time. The clash against the repressive and controlling apparatus of the state occurred with the use of a dynamic with organizational practices that the "political authorities" were not prepared to deal with. There were no leaders of the movement, built autonomously and horizontally. The students used the tools of social media to communicate, organize and produce their own dissemination content.
The greatest merit of the documentary filmmaker Carlos Pronzato is to highlight and maintain the protagonism of students in the process of occupying schools. The students organized themselves efficiently and autonomously without the direct influence of other sectors of society. Obviously, they received support from various segments and social organizations. What is interesting is that the school occupations created similar "TAZ" (Temporary Autonomous Zone) where groups of individuals come together for a common purpose from straightforward non-hierarchical relationships, with complete freedom, with new relationships and social practices being intensified.
To paraphrase some verses by the Brazilian poet Carlos Drummond de Andrade, the high school students of São Paulo State who participated in the process of struggle against the "reorganization" of the state system of education proposed by the state government owned “several hands” and “world feeling”. They won the victory over arbitrary and non-consultative impositions of a state controlled by private and economic interests. For them, the classroom will be transformed into something small, because by transforming the school environment, the world changes. Finally, the song verses sung by the students in the documentary The peace is over still echo: “All the schools/ fight schools/ stay ready/ If any closed we occupy” (Todas as escolas/escolas de luta/fica preparado/se fechar alguma a gente ocupa).
Kurt Cobain dizia ser Raw Power (1973) o melhor disco de todos os tempos. Já a capa do álbum The Stooges (1969) foi parodiada por bandas como Fugees, Belle & Sebastian e por Di Melo. The Stooges, é ao lado do grupo MC5, o responsável direto por apontar os caminhos que o estilo musical punk seguiria uma década depois da formação da banda em 1967, na cidade de Detroit, nos Estados Unidos. O documentário Gimme Danger (2016) foi a proposta do cineasta Jim Jarmusch para explorar a história de Iggy Pop e The Stooges nas suas influências, gênese e legado.
O documentário começa com um prólogo sobre Iggy Pop mostrando o seu início de carreira musical como o baterista dos grupos The Iguanas e The Prime Movers, até que em 1967 decide criar o The Stooges junto com os irmãos Ron e Scott Asheton. Ouve-se os versos “Gimme danger, little stranger/And i'll feel you bleed/Gimme danger, little stranger/And i'll feel your disease”. Nos próximos 108 minutos, Jim e Iggy mostram para o espectador através de imagens, fotos da época, depoimentos a importância do The Stooges para a música dos anos seguinte.
Jim Jarmusch é um dos expoentes do grupo de cineastas do “cinema independente” estadunidense surgido na década de 1980. Dirigiu filmes como Estranhos no paraíso (1984), Dead Man (1995), Sobre café e cigarros (2003), com a participação de Iggy Pop, Flores partidas (2005), Amantes Eternos (2014) e Paterson (2016). Gimme Danger foi a primeira tentativa do diretor de trabalhar o gênero documental.
O diretor foca a narrativa nos anos de 1969 a 1973, durante o período de gravação dos três primeiros discos do The Stooges. The Stooges (1969) foi produzido por John Cale (músico da banda The Velvet Underground), com destaque para as músicas I wanna be your dog e No fun, caracterizado por uma sonoridade mais simples, distorcida, experimentalista. No segundo disco, a banda o grava em Los Angeles, eis que surge Fun House (1970) com as canções T.V eye, Dirt e Fun House. Uma produção marcada por experimentações e por uma nova sonoridade influenciada pelo blues, jazz, adaptada àquilo que será conhecido como “som punk”.
Em 1972, David Bowie deseja conhecer Iggy Pop, do encontro surge o convite para a ida a Londres, onde o músico inglês, no auge do seu prestigio com o disco The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972), produz o álbum Raw Power (1973). Bowie estava produzindo ao mesmo tempo a obra-prima de Lou Reed: Transformer (1972). Do disco Raw Power surgi a canção título do documentário Gimme Danger, com destaque ainda para as composições Search and Destroy e Penetration.
Jarmusch elenca as influências do The Stooges a partir de nomes como The Velvet Underground, Mother of Invention e MC5. No entanto, o destaque fica por conta do legado, em como os músicos de Detroit criaram uma sonoridade, um estilo, uma musicalidade proto-punk com canções com versos simples, com temas grotescos, e riffs poderosos, com uma guitarra repleta de distorção. Bandas como Sex Pistols, Damed, Ramones, Sonic Youth, The Cramps, White Stripes foram influenciadas pelas composições de Iggy e dos irmãos Asheton.
Gimme Danger termina com a história do convite do festival de Coachela para a reunião de Iggy Pop e os músicos do The Stooges para uma apresentação em 2003, e a inclusão do grupo no Hall da Fama do rock em uma cerimônia em 2010. Jarmusch faz um documentário simples, sem inovações, destacando a música, as estórias de Iggy Pop e dos demais integrantes do The Stooges, além de histórias relacionadas ao campo da música pop, principalmente punk, nas décadas de 1960 e 1970, com os músicos de Detroit como agentes.
Eu sou ela, você é ela, Shirley é a expressão da solidão moderna, em uma sociedade que possibilita os indivíduos estarem tão perto, tão longe. No filme “Shirley: visões da realidade” (2013), o diretor austríaco Gustav Deutsch cria uma obra que transpõe a estética do pintor estadunidense Edward Hopper para o cinema. Temas como relacionamento, a melancolia, o tempo, a solidão são trabalhados a partir de uma estreita relação entre pintura e cinema.
Shirley entra no vagão do trem, há apenas ela e mais três passageiros: dois homens e uma mulher. Escolhe uma poltrona, se senta, abre o livro de Emily Dickinson com o desenho de um quadro de Edward Hopper na capa. Todos estão solitários, viajam sozinhos, não se interagem, o espaço é apenas um lugar para se estar, transitório, passageiro para o corpo, para as relações, para o superficial contato.
O filme de Gustav Deutsch narra a trajetória de Shirley através de treze quadros, no sentido específico da pintura, sobre os dias e noites do dia 28 de agosto de 1931 passando por anos importantes até 1963, com os principais acontecimentos do período, como a grande depressão nos Estados Unidos, o início da Segunda Guerra Mundial (1939), a Revolução Cubana (1959), entre outros.
A proposta do diretor é estreitar a relação entre pintura e cinema, é transpor, traduzir os quadros de Edward Hopper para uma linguagem cinematográfica, mas que privilegie a referência, a base pictórica na fotografia do filme. O pintor estadunidense se destacou na pintura, na arte do século XX, por retratar cenas da sociedade moderna, com os seus locais grandes com o homem estático, confinado em espaços pequenos. Em seus quadros há uma paisagem urbana desolada, deserta, melancólica.
O início da percepção das transformações da sociedade moderna ocorreu com um lírico no auge do capitalismo. O poeta francês Charles Baudelaire foi o primeiro a retratar, em seus poemas, em seus quadros parisienses, a vida, os temas de uma nova sociedade que se configurava. As “flores do mal”, que germinam no espaço urbano, criam sentimentos de tédio, a revolta, a morte, a necessidade da embriaguez pelo vinho. O homem está sozinho em meio à multidão, caminha, flana pelo espaço lotado urbano. Percebe a transitoriedade de passantes, acaricia gatos, admira a beleza transitória.
Em “Shirley: visões da realidade”, assim como nos quadros de Hopper, há uma dialética entre espaço interior versus espaço exterior. O corpo é a referência do conflito com o espaço, assim como a mente, os pensamentos são o exemplo da dissociação entre o eu e o mundo. Estar no mundo, não é necessariamente fazer parte dele, Shirley está solitária em um quarto, olha para fora, contempla algo que não podemos ver enquanto espectadores, mas que sabemos o que é, enquanto humanos, seres ora menores do que o mundo, ora maiores, de forma que o sentimento no mundo é a melancolia, a solitária existência.
No filme “Acossado” (1960), do diretor francês Jean-Luc Godard, a personagem Patrícia Franchini (Jean Seberg) pergunta para o seu companheiro, Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo), quem seria mais bonita, ela ou pintura de um quadro pendurado na parede? A relação entre pintura e cinema é uma relação próxima entre imagem e percepção. O crítico André Bazin, no seu estudo sobre a ontologia da imagem, destaca que a representação através da imagem é a própria luta contra a morte, a preservação do corpo.
No filme “Shirley”, pintura e cinema se relacionam de forma estreita, direta, o quadro cinematográfico busca reproduzir o quadro da pintura nas texturas, nas cores, na luz, na representação, no significado. A mesma proposta ocorre em filmes como “Silvestre” (1981) do português João César Monteiro; “A Inglesa e o Duque” (2001) do francês Eric Rohmer; e a sequência “Corvos” do filme “Sonhos” (1990) do diretor japonês Akira Kurosawa.
Por fim, o concreto da vida moderna é a solidão, o espaço exterior é a cidade, servida apenas para se estar. O ser contempla, divaga, volta-se para devaneios da realidade, o presente é tão grande, não pode se afastar, resta-lhe apenas estar, sentir a melancolia. Shirley tenta se afastar um pouco, está só na noite, no quarto, pode ser. Os problemas do ser na solitária modernidade são representados pelos quadros de Baudelaire, de Hopper e de Deutsch.
Um espectro ronda a Europa e a América Latina - o espectro do conservadorismo da ultradireita partidária e social. Vários países unem-se em uma aliança para apoiá-lo: a França e a Alemanha, François Hollande e Angela Merkel, os neonazistas da Áustria, os neoliberais da Argentina e os adeptos do trumpismo nos Estados Unidos. No Brasil, políticos misóginos, reacionários estão no poder repetindo práticas e políticas conservadoras.
No filme alemão ‘Ele está de volta’ (Er ist wieder da, 2015), o diretor David Wnendt adapta o romance homônimo de Timur Vermes no qual o ditador nazista Adolf Hitler acorda no dia 23 de outubro de 2014 em um terreno baldio em Berlim. Desnorteado, começa a caminhar por alguns pontos da cidade, vai ao Portão de Brandemburgo, onde turistas tiram selfies acreditando estar na presença de algum ator fantasiado e não na do próprio ditador.
Se durante a II Guerra Mundial (1939-1945) Hitler movia as suas tropas da Wehrmacht, Luftwaffe e a Schutzstaffel, no filme, carrega estantes de jornais tentando entender a dinâmica da sociedade atual moldada pela era da informação e pela internet. Um jornalista resolve fazer um reality show mostrando a viagem do ditador pela Alemanha atual, passando por diversas regiões e cidades, conversando com cidadãos sobre temas polêmicos, como imigração, crise econômica, etc.
O filme ‘Ele está de volta’ é uma comédia, uma sátira da sociedade atual influenciável pelo espetáculo midiático e pelas rápidas narrativas das redes sociais viralizadas, compartilhadas, reproduzidas. Os vídeos de Hitler no youtube recebem milhares de acessos, vloguers postam vídeos no canal expressando as suas “mêmicas” opiniões sobre a sociedade, exaltando o ditador que se torna uma “celebridade da internet” com milhares de novos seguidores nas redes sociais.
O filme é construído através do recurso do “mise en abyme”, ou em uma tradução “narrativa em abismo”, no qual a obra está dentro da própria obra. Um filme sobre o fato de Hitler acordar no século XXI está sendo feito dentro do filme que o espectador acompanha, mostrando que aquilo é uma obra ficcional, mas que pode ser um reflexo do que ocorre atualmente.
No Brasil, o filme ‘Ele está de volta’ pode ser visto à luz dos recentes acontecimentos políticos e sociais, nos quais uma parcela da sociedade fantasiada com camisas de futebol da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) adoram políticos- personagens conservadores com hashtag: “bolsomito”, “vaipracuba”, “naovoupagaropato” ou “fora alguém”. Aqui, eles nunca precisaram voltar, pois sempre estiveram nos rondando para proteger a ruína da “casa grande”.
O termo “clássico” é controverso dentro dos estudos literários e da história da arte. Pode ser atribuído a um período literário considerado o mais elevado e importante dentro de uma dada história literária, como é o caso do Classicismo português do século XVI, que se confunde com a arte renascentista, ou mesmo o período barroco da literatura espanhola, ou ainda do romantismo alemão. A terminologia ainda pode ser atribuída a obras importantes, referenciais, como é o caso de algumas que são consideradas “clássicos da literatura universal”, como “Ilíada”, “Divina Comédia”, “Dom Quixote”, “Cem anos de solidão”, etc. No caso do cinema, há filmes clássicos que são importantes para movimentos e escolas cinematográficas, mas também há os filmes cults.
O termo “cult” é originário da língua inglesa podendo ser traduzido, de forma literal, como “culto”. Os “Filmes cults”, ou “Cult movies” em inglês, são filmes cultuados por determinados grupos sociais. Não possuem necessariamente o status de “clássico”, mas têm determinadas qualidades ligadas ao roteiro, trilha sonora, tema ou mesmo personagens, fazendo com que surjam cultos. Um filme cult pode não ter qualidades excepcionais, ou mesmo experimentações dentro da linguagem cinematográfica, sendo apenas uma obra que teve uma excelente recepção por parte de um determinado público que se mantém fiel à obra por um certo tempo.
O filme cult é caracterizado pela sua associação com determinados grupos sociais, de onde surge o culto. O cinema pode ser considerado um culto moderno que propicia a comunhão entre espectadores, tendo o filme como elemento sagrado, como fonte de inspiração, de pensamento e de conduta. Espectadores se identificam, criam empatia por narrativas, personagens, trilhas sonoras, tentam reproduzi-las no seu cotidiano com condutas, roupas, gírias e demais obras de culto, como livros, bonecos, pôsteres, etc. Os filmes cultuados acabam influenciando o comportamento social com um impacto muitas vezes maior do que os filmes clássicos.
‘Quadrophenia’ (Inglaterra, 1979) é um filme dirigido por Franc Roddam, é baseado na “Ópera Rock” homônima lançada em 1973 pela banda inglesa The Who. O filme é um retrato do cenário musical, cultural e social londrino nos primeiros anos da década de 1960, com a oposição entre os dois principais grupos conhecidos como Mods e Rockers, como também a arquetipal dualidade entre o velho e o novo em uma sociedade em constantes transformações. O filme se tornou cultuado por ser uma representação de duas formas de conduta e identificação dos jovens ingleses no início da década de 1960, além de expressar dois estilos de vida: o mod e o rocker.
Na produção “Warriors – Os selvagens da noite” (1979), nove indivíduos de uma gangue de rua da cidade de Nova Iorque resolvem atender ao chamado do líder carismático Cyrus para comparecerem ao bairro do Bronx em uma reunião com representantes de todas as demais gangues da cidade. Cyrus é assassinado e os Warriors são acusados injustamente. Perseguidos pela polícia e pelas demais gangues tentam retornar à distante região de Coney Island. O filme foi cultuado por representar grupos sociais através de gangues que se diferenciavam por roupas, condutas e localidades. Assim, a reprodução do figurino, do sotaque e das expressões mantiveram o aspecto sagrado do filme e o seu culto por parte dos seus adoradores.
Poucas animações possuem o status de cult, dentre elas a mais impactante é a produção japonesa “Akira” (1988). A animação, dirigida por Katsuhiro Ôtomo, conta a história de Kaneda líder de uma gangue de motoqueiros, no ano de 2019, em Tóquio, chamada de Neo-Tokyo que foi construída após a original ser destruída na terceira guerra mundial. A fonte de culto sobre “Akira” está na sua trilha sonora composta por Geinō Yamashirogumi com influências da música punk, eletrônica e rock. O principal público cultuador do filme são os chamados otakus, ou seja, fã de animes e mangás japoneses que tentam dar vida aos seus personagens prediletos através dos cosplays.
Cultuar um filme é se tornar fiel, crente e reprodutor daquilo que é expresso na obra cinematográfica. Os cultuadores se identificam com o que veem, projetam no que vivem, criam uma empatia pelos seus iguais que o ajudam a se reconhecer e ao mesmo tempo se diferenciar dos demais grupos sociais. Filmes cults ditam formas de comportamento e de pensamento. Segui-los é estar em comunhão com algo sagrado, superior. Mas, é se projetar, se ver e tentar ser igual à obra, seja usando roupas, reproduzindo gírias, ou mesmo consumindo objetos de culto como livros, pôsteres, bonecos e demais itens. Aquilo o que é cultuado é sagrado.
Três IPhones 5s na mão e uma ideia na cabeça. A proposta do diretor de cinema Sean S. Baker era aparentemente simples, mas difícil, realizar um longa-metragem com um baixo orçamento e inteiramente filmado por celulares. O resultado da empreitada foi o filme ‘Tangerine’ (EUA, 2015), premiado no importante festival de cinema independente de Sundance, nos Estados Unidos, devido a sua proposta de produção bem como as suas qualidades artísticas. O diretor realiza uma comédia dramática sobre uma dupla de transexuais que devem lidar com situações de liberdade, amizade, traições amorosas, anseios artísticos e afetivos no submundo da prostituição de Los Angeles, longe do glamour de Hollywood.
Sin-Dee Rella (Kitana Kiki Rodriguez) é uma transexual que se prostitui nas ruas de Los Angeles, acaba de sair da prisão, onde esteve por vinte e oito dias. Ela está sentada com a amiga Alexandra (Mya Taylor) em uma loja de donuts. É véspera de natal, possui apenas dois dólares, restou um para comprar um donuts que divide. Sin-Dee descobre que o seu cafetão, e também namorado chamado Chester, a traiu com outra pessoa durante os dias de reclusão na cadeia, sabe apenas que o nome da mulher começa com a letra “D”. O filme prossegue com a busca de Sin-Dee por Chester e pela misteriosa mulher que o nome se inicia com a letra d. Caminha pelos principais pontos da região de Los Angeles na sua empreitada.
O filme trabalha o tema da vingança. Sin-Dee quer se vingar da mulher que teve relações com o seu cafetão-noivo, seus sentimentos estão feridos, quer procurar a prostituta cujo nome começa com a letra “D” para tirar satisfações. A obra do diretor Sean S. Baker pode ser considerada um “conto de natal” às avessas, pois representa uma história que não seria a narrativa padrão e contada na véspera de natal, seja devido às personagens que estão à margem da sociedade, como é o caso das transexuais Sin-Dee e Alexandra, ou mesmo do imigrante taxista arménio Razmik que deixa as comemorações da ceia de natal com a esposa e filho para procurar Alexandra pelas ruas de Los Angeles. As personagens são movidas por paixões, desejos e sonhos.
‘Tangerine’ é considerado, para os padrões hollywoodianos, um filme de baixo orçamento. Foi produzido com apenas cem mil dólares, filmado inteiramente com três celulares Iphone 5s com alguns captadores analógicos na lente conhecidos como Moondog Labs, utilizaram ainda um aplicativo chamado FiLMIC Pro para criar as imagens no formato widescreen. Na produção, os profissionais exerciam mais de uma função como, por exemplo, Shih-Ching Tsou, que interpreta a atendente da loja de donuts, é também a produtora e continuísta do filme. Os atores não eram profissionais, foram selecionados a partir da escolha do diretor de representar de forma fiel personagens da cultura transgênero de Los Angeles.
A produção de ‘Tangerine’ foi feita pelos irmãos Mark Duplass (1976-) e Jay Duplass (1973-), dois representantes do cinema independente dos Estados Unidos conhecido como Mumblecore. Os irmãos dirigiram o filme ‘Baghead’ (EUA, 2008) com a musa do movimento Greta Gerwig. O Mumblecore tem como representantes os cineastas Joe Swanberg, Mary Bronstein e, o principal, Noah Baumbach, responsável por dirigir filmes como ‘Greenberg’ (2010), ‘Frances Ha’ (2012) e ‘Mistress America’ (2015). ‘Tangerine’ pode ser considerado um filme indie, mas foge, ao representar personagens que estão à margem da sociedade ou no caso transgêneros, do perfil das histórias predominantes nas narrativas das obras do Mumblecore, que representam personagens de classe média em crise existencial.
‘Tangerine’ pode ser considerado uma comédia dramática porque mostra os dramas de duas personagens transexuais ora de forma cômica ora de forma humanizada, o que gera a empatia e o reconhecimento dos desejos e dos conflitos vivenciados por Sin-Dee e Alexandra. A primeira quer apenas um “amor fiel” que a proteja; enquanto a segunda possui pretensões artísticas. Acompanhamos também a história do imigrante e taxista Razmik com os seus desejos sexuais que confrontariam a sua cultura, o seu matrimônio e a sua família.
Contrariando a premissa de que uma produção cinematográfica necessita de um grande orçamento, equipamentos de filmagem de última tecnologia, caros; o filme ‘Tangerine’ (EUA, 2015), do diretor Sean S. Baker, é filmado com celulares, um baixo orçamento e muita criatividade, com qualidade no roteiro, na proposta estética. O resultado é um filme independente, marginal na produção, no enredo, nas personagens. O diretor mostrou que com uma ideia na cabeça e apenas três Iphones 5s era possível realizar um filme de longa-metragem. Em ‘Tangerine’, as transexuais Kitana Kiki Rodriguez e Mya Taylor dão vida as personagens Sin-Dee e Alexandra com típicas histórias que estão à margem, da sociedade, do cinema.
A Arte é a maior criação humana, maior do que os deuses que criamos, pois os superamos. Predominantemente, há duas formas de se absorver as obras artísticas: a primeira de forma sinestésica, catártica, na qual a obra agiria sobre os sentimentos e emoções do espectador; a outra de forma racional, racionalizando os processos criativos, criando estruturas e modelos para explicá-la. O filme ‘O quarto de Jack’ (Room, EUA, 2015), dirigido por Lenny Abrahamson, suscita diversos sentimentos no espectador, compactuando com a história narrada de mãe e filho que estão presos em um cativeiro, inicialmente, sem contato com o mundo exterior.
O filme se inicia com o famoso trecho “Era uma vez”, proclamado pelo personagem Jack, que continua “(...) ante de eu chegar”. O menino tenta dar uma explicação mágica para a sua origem, pois teria chegado ao “quarto” através da claraboia. É o seu aniversário de cinco anos, acorda, dá bom dia para os móveis, para tudo o que há a sua volta, são poucas coisas dispostas no minúsculo espaço de aproximadamente cinco metros quadrados, onde vive há cinco anos. Sua mãe acorda, passou os últimos sete anos cativa, fora raptada pelo “Velho Nick” quando tinha dezesseis, seu filho nasceu no cativeiro. A rotina é mostrada, assim como a relação entre mãe e filho. Fazem exercícios, tomam banho, dizem que eles mesmos prepararão um bolo de aniversário.
‘O quarto de Jack’ trabalha com a temática da relação entre mãe e filho a partir de traumas psicológicos criados em situações de cativeiro. O mundo dos dois é limitado a um espaço fechado, todas as relações ocorrem de forma limitada pela espacialidade representada pelo “quarto”, não há contato com o mundo exterior, exceto pela televisão, colocada como algo mágico, e com o “Velho Nick”, raptor da jovem Joy, que sofre violência e abuso sexual. A mãe tenta criar uma situação de convívio que poupe o filho da visão agressiva do rotineiro abuso sexual e da vida limitada, de modo que o mundo de Jack se resume ao “quarto”, nunca conhecera o mundo exterior, acredita que para além das paredes há apenas o espaço sideral.
O filme é dividido em duas partes: na primeira o enredo se passa dentro do espaço fechado do “quarto”; enquanto na segunda mãe e filho são libertados do cativeiro, tendo que se adaptarem ao convívio em sociedade. Há uma dialética do espaço interior versus o exterior. Os únicos contatos que possuem com o mundo fora do “quarto” é feito através da televisão e do “Velho Nick”. Na primeira parte, as relações se restringem a de mãe e filho, na construção do seu convívio cotidiano, rotineiro, limitado. No entanto, o espaço passa a ser pequeno para Jack, tem cinco anos, começa a compreender o mundo a sua volta, com isso, acaba ampliando-o. Ao serem libertos, devem lidar com um espaço mais amplo, com mais estímulos, relações, há problemas de adaptação.
O interessante do filme é que o personagem Jack começa a questionar o que é real e o que não. Para ele, a realidade, inicialmente, seria apenas o que seus olhos podem ver ao longo do minúsculo recinto onde nasceu e foi criado, não conhece outro mundo. A claraboia mostra apenas o céu, que ele acredita ser apenas o espaço sideral. Tudo o que não está no “quarto” e é mostrado pela televisão, ou mesmo nos livros que lê, é algo mágico, que não tem existência concreta, real. Suas experiências são limitadas, ao ver um rato pela primeira vez se encanta com o novo, com uma existência que outrora desconhecia. A mãe tenta explicar para o filho que há um mundo do lado fora, um mundo grande, cheio de possibilidades.
No filme ‘O Enigma de Kaspar Hauser’ (Jeder für sich und Gott gegen alle, Alemanha, 1974), do diretor alemão Werner Herzog, há a história do jovem Kaspar Hauser que permaneceu parte de sua vida em um porão sem contato com o mundo exterior. O enredo se passa em uma pequena vila próxima à cidade de Nuremberg, no início do século XIX. O jovem é libertado do cativeiro, acompanhamos o seu convívio em sociedade e o desenvolvimento de suas habilidades sociais e cognitivas. Aprende a língua em convívio social, se depara com questões filosóficas da consciência sobre a existência, ou mesmo de lógica e metafísica. Kaspar Hauser deve compreender, se adaptar a sua nova realidade para além da vida que tivera no porão.
O filósofo grego Platão apresenta a condição humana, segundo a sua concepção filosófica através da “Alegoria da Caverna” no livro ‘A República, no qual homens nasceram e viveram neste espaço. Permanecem de costas para a entrada de uma caverna, com a face rente à parede, veem apenas as sombras projetadas julgando ser as únicas coisas reais existentes. No filme ‘O quarto de Jack’, inicialmente, mãe e filho estão presos, são cativos, prisioneiros de um mundo que acreditam ser o único real e possível. Se libertam, saem, o “quarto” é menor que o mundo, agora o mundo é grande, cheio de possibilidades, de aprendizado.
No final de 2015, estudantes secundaristas se mobilizaram contra a proposta do governo paulista de reformulação da rede estadual de ensino de São Paulo. Não concordavam com a imposição vertical do projeto, considerando-o arbitrário, além de não benéfico para a classe estudantil. Em resposta, iniciaram manifestações de rua, culminando com a ocupação de escolas estaduais como uma forma de luta, estratégia influenciada pelos estudantes secundaristas chilenos que fizeram o mesmo em 2006. O documentário ‘Acabou a paz: isto aqui vai virar o Chile’, dirigido pelo experiente diretor Carlos Pronzato, mostra o processo da luta estudantil paulista em paralelo com a luta dos estudantes chilenos, destacada no seu documentário ‘A revolução dos pinguins’.
Em outubro de 2015, o secretário estadual da educação Herman Voorwald divulgou a proposta do governo do estado de São Paulo em relação à reformulação da rede pública de ensino, baseando-se em uma “reorganização” a partir do fechamento de noventa e quatro unidades escolares, distribuídas em todo o estado. As escolas seriam divididas em ciclos, de modo que cada unidade ficaria apenas com um ciclo de ensino. Os alunos afetados, cerca de 311 mil, seriam obrigados a ser transferidos para outras unidades escolares, muitas vezes, já superlotadas e distantes do domicílio. A “reorganização” partiu do corte de verba de dois bilhões de reais da educação feito pelo governo estadual.
O documentário ‘Acabou a paz: isto aqui vai virar o Chile’ mostra o processo de luta dos estudantes secundaristas contra a “reorganização” da rede de ensino proposta pelo governo estadual. As manifestações começaram no dia 06 de outubro de 2015 com passeatas nos principais pontos da cidade de São Paulo, estendendo-se por um mês. A mudança de estratégia dos alunos ocorreu em novembro a partir da influência das práticas de luta dos estudantes chilenos ocorridas em 2006, baseada em ocupações de escolas. Deste modo, no dia 09 de novembro um grupo de alunos ocupou a Escola Estadual Diadema e, na manhã seguinte, outro grupo ocupou a Escola Estadual Fernão Dias, iniciando, assim, um processo de mobilização que ocuparia mais de duzentas escolas em todo o estado em um curto período de tempo.
Nas primeiras imagens do documentário ‘Acabou a paz’, há uma assembleia de alunos, estão lendo uma carta, um manifesto, usam a estratégia do “jogral”: um aluno lê um documento em voz alta, outros repetem até a informação circular por todos. Em seguida, imagens das manifestações de rua se alternam com depoimentos de alunos, professores, pais e jornalistas que acompanharam e se solidarizam com a luta dos estudantes. O objetivo do diretor Carlos Pronzato é compreender e demonstrar a dinâmica do movimento, como ele surgiu e, principalmente, como ele se configura na sua organização e estratégias de luta.
A estratégia de luta dos alunos paulistas se mostrou interessante do ponto de vista não apenas organizacional, mas também político, pois conseguiram mobilizar uma grande quantidade de estudantes secundaristas e ter o apoio de parcela significativa da sociedade em um curto período de tempo. O embate contra o aparato repressor e controlador do estado ocorreu com a utilização de uma dinâmica com práticas organizacionais que as “autoridades políticas” não estavam preparadas para lidar. Não havia líderes do movimento, sendo construído de forma autônoma e horizontal. Utilizavam as ferramentas das mídias sociais para se comunicarem, organizarem e produzirem conteúdos próprios de divulgação.
O maior mérito do documentário de Carlos Pronzato é destacar e manter o protagonismo dos alunos no processo de ocupação das escolas. Os estudantes se organizaram de forma eficiente e autônoma, sem a influência direta de outros setores da sociedade. Obviamente, que acabaram recebendo apoio de diversos segmentos e organizações sociais. O interessante é que as ocupações das escolas criaram espaços de convívio similares a um “T.A.Z.” (Zonas Autônomas Temporárias), onde grupos de indivíduos se reúnem para um objetivo em comum a partir de relações diretas não hierarquizadas, com total liberdade, com novas relações e práticas sociais sendo intensificadas.
Parafraseando alguns versos do poeta Carlos Drummond de Andrade, os estudantes secundaristas paulistas que participaram do processo de luta contra a “reorganização” da rede estadual de ensino proposta pelo governo estadual possuíam “diversas mãos” e o “sentimento do mundo”. Obtiveram a vitória contra as imposições arbitrárias e não consultivas de um estado controlado por interesse particulares e econômicos. Para eles, a sala de aula se transformará em algo pequeno, pois transformando o ambiente escolar, muda-se o mundo. Por fim, os versos de uma música entoada pelos estudantes no documentário ‘Acabou a paz’ ainda ecoam: “Todas as escolas/escolas de luta/fica preparado/se fechar alguma a gente ocupa”.
Documentário "Acabou a paz: isto aqui vai virar o Chile"