Mostrando postagens com marcador Música. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Música. Mostrar todas as postagens

Metá Metá e o ‘MM3’

0
A música é sagrada, o som e o sentido contidos nos ritmos, dissonâncias, assonâncias do universo, no interior da existência. A percussão, os metais, a guitarra e, acima de tudo, a voz de Juçara Marçal colocam o grupo Metá Metá como arauto, e principal expoente, da nova cena musical brasileira deste iniciante século XXI. Do primeiro disco “Metá Metá” (2011), passando pelo segundo “MetaL MetaL” (2012), ou ainda no “EP” (2015) e culminando na última criação “MM3” (2016), os músicos Juçara Marçal, Kiko Dinucci e Thiago França apontam as possibilidades, os caminhos para a criação da música independente no Brasil. 

A música pode ser um ritual coletivo, compartilhada, ouvida, dançada, sentida em grupo. A música popular, voltada para o consumo em massa, é um produto simples, palatável, repetitivo, sem criatividade. Do outro lado há a Arte, a linguagem artística usada como expressão, visão das possibilidades, reflexo do tempo. O álbum “MM3” do grupo Metá Metá expõe que a música é a sinestesia, a introspecção, o fazer artístico, a criação sublime em cada nota, ritmo, melodia. 

A música criada pelo Metá Metá exige um ouvinte ativo, com ouvidos pensantes, interessado nas provocações, experimentações, nas possibilidades da música, que não se estranhe com o novo, pelo contrário, que se deixe fascinar, adentrar nos labirintos das composições, muitas vezes, sem o fio de Ariadne. No álbum “MM3” (2016), há a riqueza das composições, a beleza das melodias, os diálogos estabelecidos com outros ritmos, fundidos em camadas com texturas de sons com destaque para as faixas “Três Amigos”, “Imagem do Amor”, “Ossanyn” e “Obá Kossô”. 

Juçara Marçal, Kiko Dinucci e Thiago França são músicos, artistas, que estão na vanguarda, pois se utilizam da tradição, não como submissão, ou peso, mas como forma de diálogo com o Jazz, o Art Rock, a Bossa Nova, com diversos ritmos brasileiros, ou mesmo de outros cantos com a característica de serem baseados na sua essência, gênese, em ritmos africanos. 

O que se tem com o álbum “MM3” é a poesia das composições elevada pelo lirismo da voz de Juçara Marçal, a música enquanto ritual sagrado, não de um transe coletivo, mas para uma oração entre indivíduo e o som para que lhe mostre o sentido.

Tracklist “MM3”
 1) Três Amigos (Rodrigo Campos/ Thiago França / Sergio Machado)
2) Angoulême (Juçara Marçal / Thiago França / Kiko Dinucci)
3) Imagem do Amor (Kiko Dinucci / Rodrigo Campos)
4) Mano Légua (Juçara Marçal / Kiko Dinucci)
5) Angolana (Juçara Marçal / Thiago França / Kiko Dinucci)
6) Corpo Vão (Juçara Marçal / Thiago França / Kiko Dinucci)
7) Ossanyn (Kiko Dinucci)
8) Toque Certeiro (Siba / Kiko Dinucci)
9) Obá Kossô (domínio público)

Metá Metá - MM3 (Álbum Completo) 2016

As Dialéticas do Clube da Esquina

1
Minas são os estados gerais da alma, um campo geral onde o escritor Guimarães Rosa vislumbrou o seu “sertão-mundo”, local no qual o poeta Carlos Drummond de Andrade percebeu as condições da vida gauche nas casas, na vida interiorana de Itabira com a sua grande quantidade de ferro nas calçadas e nas almas. Das Geraes, um grupo de músicos, conhecidos pela alcunha de Clube da Esquina, surgiu das confluências, cruzamentos e da criatividade artística para se consolidar como uma das mais significativas expressões da música brasileira. 

O Clube é o grupo, uma agremiação, uma reunião de músicos inicialmente nas esquinas de Belo Horizonte, principalmente no cruzamento da rua Divinópolis com a Paraisópolis no bairro de Santa Teresa, com afinidades musicais, “mineirísticas”, que compuseram letras, criaram melodias, gravaram músicas e lançaram discos. A colaboração entre os músicos é a marca dos trabalhos, na qual o individual e o coletivo se mesclam. O termo fechado designado pela palavra “clube” se contrasta com o espaço coletivo, aberto, plural do adjunto “esquina”. 

O Clube da Esquina não é um grupo homogêneo, com uma proposta predeterminada de uma estética musical, pelo contrário, é um movimento de músicos que se reuniram por afinidades no catalisador convívio mineiro. Milton Nascimento, o Bituca, é o expoente, a figura mais conhecida do clube que foi assimilando músicos ao longo do final da década de 1960 e durante a década seguinte com nomes como Flávio Venturini, Tavinho Moura, Toninho Horta, Lô Borges, Márcio Borges, Fernando Brant, Beto Gudes e Wagner Tiso

O clube no entorno de Milton Nascimento é a gênese do movimento, pois criaram o disco “Travessia” (1967), viram que era bom; no ano seguinte gravaram nos Estados Unidos o álbum “Courage” (1968), contendo uma versão da música “Travessia” com trechos em inglês; mas décadas depois a artista islandesa Björk a cantaria em português declarando o seu fascínio pela música mineira. Em 1969, surgiu o disco “Milton Nascimento” e no ano seguinte é lançado “Milton” (1970) no qual aparece as composições “Clube da esquina”, junto com “Para Lennon e McCartney” e a poética “Alunar”. 

O Clube da Esquina se consolida em 1972 com o lançamento do disco duplo homônimo com as suas vinte e uma canções, sedimentado, dando forma para uma produção coletiva. Lô Borges se destaca como compositor, Milton como interprete, com destaque para as canções “Tudo Que Você Podia Ser”, “Trem Azul”, “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo” e “Nada Será como Antes”. Em 1978, lançariam ainda com uma identidade coletiva o disco “Clube da Esquina 2” com a participação de Elis Regina, Gonzaguinha, Chico Buarque, ampliando, assim, o som para outras esquinas. 

O Clube no entorno de Lô Borges ocorre após o lançamento do “Clube da Esquina” (1972), o artista então com dezenove anos lança o famoso disco do “tênis’ na capa com composições como “Canção Postal”, “O Caçador” e “Faça Seu Jogo”, em parceria com o seu irmão Márcio Borges. Já Milton Nascimento, entre o “Clube da Esquina” (1972) e “Clube da Esquina 2” (1978), lança duas odes a Minas Gerais com os discos “Minas” (1975) e “Geraes” (1976). As ‘mineirices” são o mote para as canções influenciadas por ladainhas, fazendas, horizontes, pessoas simples, morros e veredas. 

Minas é isso, uma vereda no norte do Jequitinhonha, a Zona da Mata, as chapadas, as veredas, o quadrilátero. A vista é bela; a travessia, filosófica; a vida, artística. A música do movimento Clube da Esquina é mineira na base, na essência, na poética, na melodia fundida com ritmos, estilos como Bossa Nova, Jazz (fussion, smooth e rock), com o Rock e o seu Art-Rock, o Progressivo, o Folk. O mineiro tem o “causo” no narrativo, a poética na vida, a música como cotidiano sagrado. A esquina é a apenas o símbolo da confluência da existência, da troca de possibilidades. 

As letras das composições mineiras dos músicos expoentes do Clube da Esquina são o particular-universal expressando de maneira poética a existência humana na sua travessia de campos gerais da vida. O amor não precisa de lágrimas, pois é só poesia e os cabelos são da cor de girassóis; o alunar é catacrese, é preciso ter os pés na terra, aterrar a vida na calmaria do sagrado cotidiano. A identidade mineira é cantada para Lennon e McCartney, assim como amor que vale a pena de Paula e Bebeto. 

Minas Gerais não é apenas uma terra fértil para a literatura com os seus escritores locais de sensibilidade universal ou mesmo poetas de um mundo ora com um Eu maior do que o mundo, ora menor na sua condição de gauches, deslocados. Nada foi como antes dentro da música brasileira, a influência das esquinas, da música mineira do clube de Milton Nascimento, Flávio Venturini, Tavinho Moura, Toninho Horta, Lô Borges, Márcio Borges, Fernando Brant, Beto Gudes e Wagner Tiso mostrou tudo o que a música pode ser, seja partindo do particular para o universal, ou mesmo caminhando entre uma produção individual e coletiva. Para os músicos do Clube da Esquina, Minas é a vida condensada em um horizonte geral de possibilidades artísticas, musicais.

Discos

Milton Nascimento - "Milton" (1970)

"Clube da Esquina" (1972)

Lô Borges - "Lô Borges" (1972)


Milton Nascimento - "Minas" (1975)



Músicas

Bjork - "Travessia"


Milton Nascimento - "Alunar"

Clube da Esquina - "Um girassol da cor do seu cabelo"


A montagem da vida de Kurt Cobain no Cinema

0
Kurt Cobain (1967-1994) é o vocalista e guitarrista da banda grunge conhecida como Nirvana e um dos músicos mais emblemáticos e importantes da história da música popular massiva, ou seja, aquela ligada à indústria cultural e voltada ao entretenimento. Sua vida e carreira musical são mostradas no documentário “Cobain: Montage of Heck” (EUA, 2014) através de um rico material, composto por filmes em Super 8, além de fotos e diários, gravações de áudio a partir de fitas cassetes e de rolo, fornecido pela família, esposa e amigos do cantor. O material serviu para montar uma visão privilegiada de Kurt Cobain, desde a sua infância em uma pequena cidade dos Estados Unidos, passando pela adolescência, o início da fase adulta e O surgimento do Nirvana, até o seu suicídio aos vinte e sete anos de idade. 

O documentário “Cobain: Montage of Heck” começa com depoimentos da mãe de Kurt narrando como conheceu o marido e engravidou. Ela destaca que a infância do filho foi calma e pacata na pequena cidade interiorana de Aberdeen, nos Estados Unidos. Há fotografias dos aniversários de três e quatro anos, além de imagens em Super 8 do jovem Kurt então com quatro anos tocando uma guitarra de brinquedo. Da infância tranquila, passa-se para a pré-adolescência e adolescência, ambas problemática, repleta de conflitos com os pais, escola e amigos. O destaque fica por conta da personalidade desenvolvida pelo músico a partir do sentimento de rejeição em relação aos pais, já que ele migrava com frequência para casa de diversos parentes devido aos conflitos familiares. 

O filme destaca que a fonte da criatividade Kurt era a sua personalidade: inquieta, obscura e cheia de angústias. A estreita relação com a música surge na adolescência como uma forma de fuga, tendo o gênero Punk como ponto de partida, já que a música além de expressar e dar um significado para os anseios de Kurt, poderia ser executada por ele. Assim, decide montar uma banda, convida, inicialmente, o amigo Krist Novoselic para o baixo, em seguida, entram em contato com diversas gravadoras de pequeno porte, até que são aceitos pela Sub Pop da cidade de Seatle, em 1988. No ano início do ano seguinte, lançam o primeiro álbum de estúdio denominado “Bleach”, partem para shows em pequenos lugares. 

O documentário destaca o lançamento, em 1991, do álbum “Nevermind”, um dos mais impactantes de todos os tempos, com destaque para as músicas "Smells Like Teen Spirit", "In Bloom" e "Come as You Are". Com o lançamento do disco, os músicos foram alçados à fama instantânea, mesmo não estando preparados emocionalmente e psicologicamente para o estrelato dentro da indústria do entretenimento, repleta de obrigações e cordialidade com compromissos, entrevistas, contratos, etc. O impacto da fama sobre Kurt é imediato, sua inabilidade é evidente, explícita. Passa a ter comportamentos depressivos e a se relacionar com a cantora Courtney Love, momento em que seu vício em heroína se intensifica. Da união com Love, nasce a filha do casal: Frances Bean Cobain. 

A gestação e o nascimento de Frances é polêmica, como o casal Kurt e Love consumiam heroína com frequência, a mídia da época destacava o possível impacto que o consumo da droga poderia ter sobre a criança, que ao nascer teve a guarda retirada dos pais por um curto período de tempo. Cenas dos shows do Nirvana no Brasil dentro do Festival Hollywood Rock são mostradas, o destaque é a apresentação do dia 23 de janeiro de 1993 no Rio de Janeiro, na qual um insano Kurt em estado de transe cospe na câmera de filmagem e depois passa a se masturbar. As apresentações no Brasil já eram um indício da instabilidade de Kurt, que usava as palavras "I hate myself and I want to die" (“Eu me odeio e quero morrer”) como forma de expressar o seu estado emocional. Elas se concretizariam pouco tempo depois. 

No final do documentário, não há o destaque para os últimos dias de Kurt ou o seu suicídio, o diretor prefere destacar a gravação do último projeto do Nirvana, o “MTV Unplugged in New York”. A produção ganha qualidade quando os áudios de Kurt ganham corpo a partir de animações. Assim, a palavra se materializa e ganha forma. As passagens dos diários particulares e os desenhos do músico recebem um tratamento especial com efeitos visuais, o que possibilita não apenas entrar na intimidade, mas também na mente de Kurt. 

A história da música popular massiva é circular, partindo de formas mais simples para formas mais complexas, em um eterno retorno. Assim, do gênero Rock, parte-se para o Folk rock, para o Art rock, depois para o Heavy metal, até o Rock Progressivo, ponto mais complexo, para depois voltar-se à simplificação com o Punk rock. Dentro desta lógica, o Grunge surge no final da década de 1980, tendo o seu ápice no início da década de 90 como uma forma de simplificar a música pop. O documentário “Cobain: Montage of Heck” não se baseia apenas em depoimentos de familiares e amigos, há um rico material, o diretor Brett Morgen teve acesso privilegiado ao vasto material da família do cantor, o que possibilitou não apenas contar a história de Kurt Cobain, mas também do Grunge.

Trailer

A Divina Comédia de Arnaldo Baptista

0
Na cosmovisão medieval, baseada no modelo aristotélico-ptolomaico de organização do universo a partir de círculos concêntricos, tem-se o planeta Terra ao centro. Baseando-se no modelo medieval, o poeta italiano Dante Alighieri (1225-1321) escreveu o seu poema épico “A divina comédia” (1304-1321) narrando a jornada da personagem de próprio pelos “três reinos do além túmulo”: inferno, purgatório e céu. Assim, o percurso do herói é o caminho pelos três reinos, sendo um feito grandioso, épico. No caso do músico brasileiro Arnaldo Dias Baptista (1948-), o percurso é alterado para céu, inferno e purgatório, como mostrado no documentário “Loki” (2008), dirigido por Paulo Henrique Fontenelle

Loki” é um documentário biográfico sobre a vida e obra do músico brasileiro Arnaldo Baptista, mais conhecido por integrar a banda Os Mutantes juntamente com o seu irmão Sérgio Dias (1950-) e Rita Lee (1947-). O documentário mostra as diversas etapas da vida de um gênio, considerado louco pelas suas baladas musicais inicialmente roqueiras, depois tropicalistas e psicodélicas. Sua vida atual na região rural de Juiz de Fora é mostrada, passando pelo início da sua carreira musical em meados da década de 60, ao tropicalismo a partir do Festival da Música Popular brasileira de 1967, indo até à saída de Rita Lee dos Mutantes, em 1973, como também a gravação do disco “Loki”, terminando com o retorno dos Mutantes em 2007 no show em Barbican Hall, em Londres. 

No chão de asfalto/Ecos, um sapato/Pisa o silêncio caminhante noturno”. Arnaldo Baptista caminhante vai, há luzes, câmeras, com Sérgio e Rita revolucionam a música popular brasileira ao dar características particulares, brasileiras à música pop, principalmente ao Rock, que era apenas copiado sem identidade pela Jovem guarda. Por um tempo, instrumentos eletrificados tais como guitarras elétricas eram menosprezados pelos compositores da MPB tradicional. Somente em 1967, no Festival de música popular brasileira que o estigma é quebrado quando Caetano Veloso é acompanhando pela banda de rock argentina Beat Boys na música “Alegria, alegria” e Gilberto Gil é acompanhado pelos Mutantes na música “Domingo no parque”. Surge a Tropicália. 

O Tropicalismo é um dos principais movimentos artísticos brasileiros do século XX, permeando linguagens como as artes plásticas com Hélio Oiticica; o teatro com José Celso Martinez Corrêa; o cinema com Joaquim Pedro de Andrade; a música com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes e Tom Zé. O objetivo foi fundir elementos da música popular brasileira, nos seus mais diversos ritmos, com elementos da música pop, principalmente o rock. O movimento foi antropofágico, assimilando múltiplas influências e estilos para criar uma expressão artística brasileira, aliando o estrangeiro com o nacional, o particular com o universal, sendo os Mutantes os responsáveis por trazer a música pop para dentro do movimento a partir de Arnaldo Baptista

Nas narrativas mitológicas, a descida ao mundo inferior é parte de uma busca superior ou feito heroico como ocorreu com Teseu, Hércules e Eneias; representa ainda a busca da amada no mito de Orfeu; ou mesmo a descoberta do caminho de volta para casa no caso de Odisseu. Para Arnaldo Baptista, a queda ocorre em no dia 31 de dezembro de 1981, ao tentar se suicidar jogando-se do quarto andar de um prédio. No entanto, o seu inferno astral se inicia em 1973 com a separação de Rita Lee da sua vida amorosa e dos Mutantes. No ano seguinte, em 1974, “nos portões do inferno”, lança a sua obra prima “Loki”, como uma sinfonia da dor pela perda de Rita, um disco com músicas melancólicas e letras com lirismo poético. 

Depois da queda, Arnaldo passa a se recuperar e a purgar-se dedicando-se à pintura e às artes plásticas, isolando-se em Juiz de Fora, Minas Gerais. Faz, assim, a “reclusão do herói”, volta-se para música em poucas ocasiões como o lançamento do disco “Disco voador” em 1987. Na década de 1990, seu nome volta a ecoar quando o músico da banda grunge Nirvana Kurt Cobain declara a sua admiração por Arnaldo e pela música dos Mutantes, mesma opinião do cantor e compositor Beck, David Byrne e do filho de John Lennon, Sean Ono Lennon, que tocou com Arnaldo em 2000 no Free Jazz Festival. A volta triunfal do herói ocorre em 2007 em Londres com o show dos Mutantes no Barbican Hall. 

Assim como Dante teve que percorre o inferno, purgatório e céu para concluir o seu objetivo e concretizar o seu feito grandioso, Arnaldo Baptista teve o seu auge com os Mutantes e com a sua relação com Rita Lee. Depois foi “aos portões do inferno” com os discos “Loki” (1974) e “Singin' alone” (1981). Virou modelo e os cânticos vieram de seus pares com homenagens e exaltações dos seus feitos. Ao Arnaldo, após o seu percurso do herói, cabe se tornar um mito, no qual as ações e o seu nome vencem as ações do tempo e é cantada pelas gerações futuras. Nas loucuras de Quixote, Arnaldo se identifica: “A vida é um moinho/É um sonho o caminho” e, por fim, ele criou: “Eu juro que é melhor/Não ser o normal/Se eu posso pensar que Deus sou eu”.

Trailer do documentário

‘Norwegian Wood’: Música, Livro e Filme

0
O mercado fonográfico de alta-fidelidade (hi-fi) japonês é o mais rico e de maior qualidade para audiófilos, seja nos equipamentos como Sanyo, Sansui, Sony, Technics; ou mesmo em lançamentos de discos de vinil ou cd com boxes e projetos gráficos excepcionais e de luxo. Em relação aos Beatles, os melhores lançamentos são nipônicos, devido ao fato do país ser o segundo maior admirador do quarteto de Liverpool, ganhando inclusive inserção cultural na Literatura e no Cinema japonês com o romance ‘Norwegian Wood’ (1987), título inspirado em uma célebre música dos Beatles. O romance foi adaptado para o cinema com o filme ‘Como na Canção dos Beatles: Norwegian Wood’ (2013). 

Em 1965, os Beatles lançam o disco ‘Rubber Soul’, sem o nome da banda na capa, apenas com uma foto com uma leve distorção de George Harrison, John Lennon, Ringo Starr e Paul McCartney na capa. As sete músicas do lado A e as sete do lado B representaram um avanço no processo de ruptura temática e estrutural da música serial pop com músicas com uma temática mais poéticas como ‘In my life’ e ‘Girl’. Um dos grandes destaques está por conta da segunda canção do lado A, a inovadora "Norwegian Wood (This Bird Has Flown)", composta pela dupla Lennon-McCartney, que dialoga com a música modal hindu com a utilização do instrumento musical de cordas conhecido como Sitar indiano. 

Os versos da música ‘Norwegian Wood (This Bird Has Flown)’ narram a história do encontro de um rapaz com uma garota em um chalé (I once had a girl, or should I say / she once had me.../ She showed me her room, isn't it good/Norwegian wood?), passam uma noite juntos (She asked me to stay / and she told me to sit anywhere / So I looked around / and I noticed there wasn't a chair), ao amanhecer ela desaparece (And when I awoke, I was alone, this bird had flown / So I lit a fire, isn't it good, Norwegian wood...). O que se tem nos versos é uma cena de encontro e desencontro em um espaço fechado e em um tempo curto, narrando um jogo de sedução cheio de símbolos, metáforas e sugestões de dupla interpretação. 

Em 1987, foi lançado o romance ‘Norwegian Wood’ do escritor Haruki Murakami (1949-), um dos mais populares escritores japoneses contemporâneos. O título do romance alude à composição dos Beatles, já que a música serve como mote para a narrativa cheia de referências implícitas e explícitas ao universo pop e intelectual da década de 1960, tais como ao Rock com referências as bandas como The Beatles, The Doors, Cream, ou mesmo ao jazz com Milles Davis. O livro se constrói a partir da narração de um personagem homodiegético (narrador-personagem em primeira pessoa) que coloca e reflete sobre as suas questões existenciais e afetivas na Tóquio da década de 1960, fazendo, assim, um retrato de sua geração. 

O romance ‘Norwegian Wood’ é uma obra que conseguiu causar impacto na cultura japonesa, sendo adaptado para o cinema em 2013 com o filme ‘Norwegian Wood’ (traduzido no Brasil como ‘Como na Canção dos Beatles: Norwegian Wood’), a tradução, para ser mais vendável e direta, alude à canção homônima dos Beatles. A música é a preferida do protagonista Watanabe, que a associa ao seu grande amor da adolescência para a fase adulta: a bela Naoko. Após o suicídio de Kizuki, seu melhor amigo e namorado de Naoko, Watanabe vai estudar em Tóquio. No entanto, o filme não se constrói a partir de um triângulo amoroso, mantendo-se, assim, fiel à proposta temática do romance adaptado de ser uma narrativa de memória e de reflexão. 

Dois elementos se destacam no filme: a fotografia e a música. O primeiro segue uma tradição de planos artisticamente bem trabalhados com uma bela direção de arte, com uma fotografia que se assemelha à tradição estética e plástica de cineastas como Akira Kurosawa (1910-1998), na sua obra ‘Sonhos’ (1990); ou mesmo Kim Ki-duk (1960-) com ‘Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera’ (2003). O segundo ganha força aludindo e tendo como tema a canção dos Beatles, como também pela direção e composição da trilha sonora feita pelo guitarrista da banda inglesa Radiohead Jonny Greenwood (1971-). O músico ainda compôs as trilhas de filmes como ‘Precisamos Falar Sobre o Kevin’ (2011), ‘Sangue Negro’ (2007) e ‘O Mestre’ (2012). 

No filme ‘Como na Canção dos Beatles: Norwegian Wood’, Watanabe tinha uma garota ou ela o teve? O filme é uma adaptação do diretor franco-vietnamita Tran Anh Hung (1962-) de um romance de Haruki Murakami, que alude à canção dos BeatlesNorwegian Wood (This Bird Has Flown)’. Assim, há o filme que adapta o romance que alude à música; ou seja, uma “quadrilha" drummoniana de relações, para os apreciadores dos Beatles, da literatura japonesa e do cinema oriental, tendo a madeira norueguesa como combustível.

Trailer do filme:

Luz, Câmera e Som - Festa da SEDA

0




Bob Dylan e Martin Scorsese

0
Na sua famosa composição niilista “God”, John Lennon (1940-1980) enumera vários nomes que ele não acredita. Dentre estes nomes está o de Robert Zimmerman (1941-). Indagado, em uma célebre entrevista para a famosa revista de rock Rolling Stone, em 1970, o porquê de ter dito não acreditar em Zimmerman ao invés de Bob Dylan, Lennon diz que não acredita em Dylan e que há apenas Zimmerman. No documentário “No Direction Home” (EUA, 2005), dirigido por Martin Scorsese (1942-), pode-se ver justamente a transformação de Robert Zimmerman em Bob Dylan: da sua infância em Hibbling-Minnesota, EUA, até a sua grande turnê européia, em 1966, no qual Dylan era Bob Dylan. 
 
A estrutura do documentário é simples e seus aspectos formais são tradicionais dentro do gênero. Há o depoimento de Dylan, contando fatos de sua vida, acontecimentos de sua carreira, além de seus próprios comentários sobre todo o conteúdo da narrativa. Os depoimentos de Zimmerman se mesclam com entrevistas de pessoas que conviveram com o “menestrel”, como a cantora Joan Baez, o poeta da geração Beat Allen Ginsberg, e os músicos Dave von Ronk, Suze Rotolo, Pete Seeger, dentre outros. Os depoimentos e as entrevistas do presente da narrativa se amalgamam com vídeos, fotos e entrevistas da época, além das performances de Dylan e sua banda entre 1960-1966. 

A temática do documentário é divida em temas que tentam desvendar a “metamorfose” e os resquícios de Zimmerman em Dylan. A passagem, ou melhor dizendo, a fusão da música Folk com o Blues e o Rock. Cada tema é introduzido por uma performance de Dylan, o que sintetiza e introduz a temática do capítulo. O documentário mostra todos os dramas e as etapas da passagem de Zimmerman para Dylan, no plano musical, bem como as implicações e conseqüências desta mudança para a música Folk e para a música Pop, já que Dylan é o responsável por fundir o gênero musical Folk com o Rock, criando o Folk rock. 

O cantor de músicas de protesto, que cantou na histórica marcha pelos direitos civis em Washington, capital dos EUA, onde Martin Luther King fez o seu mais célebre discurso em 1963, é vaiado poucos anos depois por usar percussão e guitarra elétrica, sendo, então, chamado de traidor da música Folk no The Newport Folk Festival (Festival de Música Folk de Newport), em 1965. Dylan tocou suas canções com amplificadores e guitarras elétricas, tendo o excelente músico Mike Bloomfield (1943-1981) como guitarrista, algo muito diferente de dois anos antes, quando se apresentou com Joan Baez apresentando as denominadas “músicas de protestos” com traços folks tradicionais tais como "Blowin' in the Wind", "A Hard Rain's a-Gonna Fall", "Masters of War". 

O documentário também mostra Dylan sendo chamado de traidor da “música de protesto’ na sua turnê inglesa, em 1966, quando no intervalo da música “Ballad of a Thin Man” é chamado de “Judas”. Irritado Dylan retruca algumas palavras e começa a executar a música “Like a Rolling Stone”, encerrando, assim, a apresentação. O show ocorreu no dia 17 de maio no Free Trade Hall, em Manchester e não, como foi propagado de forma equivocada, na casa de concertos londrina Royal Albert Hall. 

Um dos pontos altos do documentário é o capítulo reservado à música “Like a Rolling Stone”; todo o processo de composição, de gravação e de lançamento é mostrado. A música é um marco para a história da Música Serial do século XX, por ter ampliado as possibilidades formais da música Pop. A canção não estaria mais presa a uma forma fixa, pequena e limitada, seus limites formais de três minutos foram ampliados para mais de seis minutos. Ela foi lançada, inicialmente, em um EP (single) no dia 20 de julho de 1965 e depois foi incluída no disco “Highway 61 Revisited”, lançado mo dia 30 de agosto de 1965. Todas a músicas do discos tiveram um dos maiores produtores musicais de todos os tempos: Tom Wilson (1931-1978).

”Por quantas estradas um homem deve caminhar para que o chamem de homem?” No documentário “No Direction Home”, Martin Scorsese caminha de 1941 até o ano de 1966, no qual o mundo passou a conhecer apenas e somente Bob Dylan. Ao final de 208 minutos de documentário, pode-se entender o que foi e o que é Bob Dylan. Há a possibilidade de se conhecer mais profundamente um gênio por trás de grandes composições como “Blowin’ In The Wind”; “A Hard Rain’s A- Gonna Fall”; “Subterranean Homesick Blues”; “Mr. Tambourine Man”, "Desolation Row", “Don't Think Twice, It's All Right” e, é claro, “Like a Rolling Stone”, no qual há a certeza de que os gênios fazem as suas próprias regras. Mas, Zimmerman e Dylan ainda possuem traços em comum, o primeiro é Robert, o segundo é Bob, este diminutivo daquele, concordando com Lennon.

Trailer de No Direction home:


Trecho do show em que Bob Dylan é chamado de "Judas" no dia 17 de maio de 1966 no Free Trade Hall, em Manchester:







Cinema, Música e Videoclipe

0
Em termos históricos, a música enquanto arte possui uma longevidade maior do que o cinema. Enquanto a primeira sempre acompanhou a humanidade; o segundo possui pouco mais de cem anos. A relação da música pop com o cinema é prolífera e se destaca na produção de videoclipes, seja com bandas e cantores utilizando trechos de filmes de diretores consagrados, como é o caso das bandas Queen, The Smashing Pumpkins e Arcade Fire; ou mesmo cineastas como Sofia Coppola, Gus Van Sant e Michel Gondry que dirigiram videoclipes para as bandas The White Stripes, Red Hot Chilli Pepers e para a cantora Björk. 

A banda inglesa Queen, formada pelo vocalista Freddie Mercury (1946-1991), pelo guitarrista Brian May (1947-) e pelos músicos John Deacon (1951-) e Roger Taylor (1949-), é uma das principais bandas dentro do gênero hard rock nas décadas de 1970 e 80. Sua relação com o cinema se dá no videoclipe da música “Radio Ga Ga”, lançada no disco “The Works” de 1984, com reprodução de trechos do filme “Metrópolis” (1927) do cineasta germânico Fritz Lang (1890-1976), sendo um dos maiores expoentes do expressionismo alemão. 

Em 1995, a banda estadunidense The Smashing Pumpkins lança o videoclipe da música “Tonight, Tonight” do disco “Mellon Collie and the Infinite Sadness”, gravado por Billy Corgan (1967-), D'arcy Wretzky (1968-) e James Iha (1968-). A banda insere trechos e se inspira no filme “Viagem à lua” (Le Voyage dans la lune, 1902) do cineasta francês e um dos pais do cinema narrativo Georges Méliès (1861-1938) para produzir o videoclipe, que é dirigido pelo casal de cineastas Jonathan Dayton (1957-) e Valerie Faris (1958-), mais conhecidos por dirigirem o filme “Pequena Miss Sunshine” (Little Miss Sunshine, 2006). 

A banda canadense Arcade Fire, formada pelo casal Win Butler (1980-) e Régine Chassagne (1977-), utilizou cenas do filme “Orfeu negro” (Orphée Noir, 1959), dirigido pelo cineasta francês Marcel Camus (1912-1982) na música “Afterlife” do disco “Reflektor” (2013). A produção é baseada na peça “Orfeu da Conceição” (1954) de autoria de Vinícius de Morais (1913-1980) com a trilha sonora de Tom Jobim (1927-1994) e Luiz Bonfá (1922-2001), recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes. O filme revisita o mito de grego de Orfeu e Eurídice. As cenas utilizadas no videoclipe dialogam com a letra da música, pois há uma relação entre a letra com cenas do filme e uma alusão à música “We can work it out” dos Beatles, no trecho “Can we work it out?”. 

Um videoclipe muito interessante é o da música “I Just Don’t Know What to do with Myself”, do disco Elephant (2003) da banda estadunidense The White Stripes, que é composta por Jack White (1975-) na guitarra e Meg White (1974-) na bateria. Neste videoclipe, tem-se a direção da cineasta Sophia Coppola (1971-) e conta com a participação da modelo Kate Moss (1974-), que faz a interpretação da canção a partir de gestos corporais rítmicos e sensuais, que dialogam, ao mesmo tempo, com o ritmo e faz um contraponto com a letra. No entanto, o que impera é a beleza da imagem com o ritmo do movimento da modelo no pole dance, além do contraste de luz e sombra da fotografia. 

The White Stripes trabalhou com outros cineastas em seus clipes, como é o caso do francês Michel Gondry (1963-), que dirigiu videoclipes para Paul McCartney (Dance Tonight), Beck (Cell Phone's Dead), Björk (Human Behaviour), Radiohead (Knives Out), The Rolling Stones (Like A Rolling Stone), Daft Punk (Around the World) e Massive Attack (Protection). O cineasta francês ficou famoso por dirigir os filmes “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004) e “A Natureza Quase Humana” (Human Nature, 2001). 

O diretor estadunidense Gus Van Sant (1952-) dirigiu o videoclipe da música "Under the Bridge" do disco “Blood Sugar Sex Magik” (1991) da banda Red Hot Chili Peppers. Gus Van Sant se destacou com filmes como “Elephant” (2003), com o qual ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes e “Last Days” (2005) que mostra de forma ficcional os últimos dias do vocalista do Nirvana Kurt Kobain (1967-1994); como também “Paranoid Park” (2007) no qual o cineasta faz uma releitura do romance “Crime e Castigo” (1866) do escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881).
  
Tudo começou com os Beatles que não queriam se apresentar ao vivo no programa do apresentador estadunidense Ed Sullivan (1901-1974) e resolveram mandar um “vídeo promocional” com a performance de uma de suas canções para ser exibido no programa. Com isso, criaram o objetivo do videoclipe: o de promover o artista e o torná-lo onipresente em canais de comunicação. O videoclipe nasce dependente da música e passa a se relacionar com o cinema. Cineastas passam a dirigi-los e, até mesmo, serem influenciados por ele, como o caso do diretor Darren Aronofsky (1969-) no filme “Réquiem para um Sonho” (Requiem for a Dream, 2000), com cortes rápidos e planos curtos. Música, Cinema, Videoclipe; Cinema, Videoclipe, Música; Videoclipe, Música, Cinema.

Abbey Road: o último e o penúltimo disco dos Beatles

0
Muito se escreveu, e tem-se escrito, sobre os Beatles. A banda inglesa revolucionou a Música Serial Pop, elevando-a a um patamar artístico dentro da musica pop mundial. A sua discografia representa todo um percurso de ascensão criativa, desde o primeiro álbum de estúdio Please, Please Me (U.K., 1962), passando por álbuns como Help (U.K., 1964); Revolver (U.K., 1966); Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (U.K., 1967); White Album (U.K., 1968) e, o seu último álbum de estúdio, Abbey Road (U.K., 1969), que a consolidou como a principal banda de rock da segunda metade do século XX. 

O Álbum Branco havia sido lançado em 30 de novembro de 1968, podendo ser considerado como parte do grupo de obras em termos artísticos mais elevadas já criadas ao lado da “Capela Sistina”, da “Nona Sinfonia”, de “Os Irmãos Karamazov”, de ‘O Sétimo Selo”, da “Balada do Mar Salgado”. Nele, os Beatles conseguiram atingir o seu ápice criativo. No início de 1969, John, Paul, George e Ringo se reuniram para gravar um novo e audacioso projeto, que se mostrou conturbado e caótico, sem falar de traumático. Queriam um álbum mais sintético e puro, sem o avant-gard de Sgt. Pepper ou de White Album, executaram Let It Be, que posteriormente resultou em um filme e em um álbum homônimo lançado em 1970. Após abandonar este projeto, o Fab Four entra novamente no estúdio Abbey Road, em Londres, para gravar o seu último álbum de estúdio, intitulado Abbey Road

Abbey Road é o disco mais popular e o mais vendido de todos os outros treze da discografia oficial dos Beatles. São, ao todo, dezessete músicas, se bem que na contra capa aparecem apenas o nome de dezesseis; Paul havia “escondido” uma faixa surpresa “Her Majesty” no Lado B. A álbum possui uma estrutura interessante, dual, mas sintética. O Lado A, com as suas seis faixas, estaria relacionado com a proposta das músicas do White Album-, músicas mais “rockeiras”. O Lado B, com a exceção de “Here Comes The Sun”, pode ser considerado a primeira tentativa de se compor uma “Ópera Rock”. Todas as nove canções se encaixam em uma estrutura coesa, começando com a sombria “Because”, indo até o término com a frenética e depois calma “The End”, terminando como se fosse uma voyage, no sentido baudelairiano do termo; mas depois da pausa, tem-se o presente para ela. Alguns anos depois os Sexs Pistols fariam uma canção afirmando o contrário. 

Se utilizássemos a teoria do crítico estadunidense Harold Bloom sobre a “Angústia da influência”, diríamos que os Beatles se encontram no centro do cânone da música pop serial. Basta vermos o impacto que as composições e os álbuns causam nos procedentes. “Come Together” é a faixa que abre o álbum, com um dos riffs e um dos refrões mais populares de todos os tempos: “Come together / right now / over me”. O vocal de John é “arrastado”, a sua prosódia está em um meio termo entre o falado e o cantado-, modelo este que seria a base do Rap. 

A segunda composição “Something” é a segunda música mais regravada do Beatles, perdendo apenas para “Yesterday”. Contrariando Frank Sinatra, que dizia ser “Something” a sua composição predileta da dupla Lennon-McCartney. A autoria é de George Harrison, que a compôs em homenagem a sua esposa Pattie Boyd, que ainda ganharia “Layla” de Eric Clapton. Além da letra e da melodia, tem-se o espetacular baixo de Paul, o que resultou em uma das mais famosas lendas sobre os Beatles: a de que Paul queria “sacanear” o George, criando uma composição para baixo fenomenal.

A faixa seguinte é uma típica composição Lennon-McCartney “Maxwell’s Silver Hammer”, um rock experimental com as marteladas de Mal Evans-, o que contrasta com faixa seguinte “Oh! Darling”: uma típica composição, chorosa, de Paul, com uma levada que caminha entre o vocal de Blues e de Soul. Em seguida, há a “faixa Ringo” de cada álbum: “Octopus Garden”-, uma boa composição do baterista. O Lado A termina com a pesada “I Want You (She’s so Heavy)”; uma verdadeira precursora do Hard Rock e do Heavy Metal. Uma típica canção Lennon, que se assemelhando às outras como “Yer Blues”; “Happiness Is A Harm Gun”; “Tomorow Never Knows”. A melodia é lenta, com destaque para os solos de guitarra de George e para a bateria de Ringo, que dão um tom pesado (heavy) para a música. A faixa é uma composição pesada e sombria. 

Here Comes The Sun” abre o Lado B, sendo outra famosa composição de George Harrison, que se mostra um excelente compositor. Em seguida, têm-se quase dezessete minutos ininterruptos de música, todas as outras nove composições se encaixam como se fossem uma única faixa. Começa-se com “Because”, com um vocal de John, passando por “You Never Give Me Your Money”, cantada apor Paul; por “Sun King”, com trechos em vários idiomas; “Mean Mr. Mustard” e “Polytheme Pam”, tendo um crescendo com “She Came In Trhough The Bathroom Window”-, chegando à calma “Golden Slumber” (inspirada em uma música de acalanto), que se segue por “Carry That Weight” e termina com “The End”, neste ponto tem-se o melhor solo de bateria jamais tocado por Ringo. 

O fim da opereta é anunciado, o álbum é lançado-, os quatro atravessam as faixas da rua Abbey Road. Há a teoria da conspiração: “Paul is Dead”, seus olhos estão fechados-, está descalço. Deixando de lado a teoria de lado, o A e o B são ambos diferentes; mas com uma grande qualidade a sua maneira; o que originou um álbum sintético, com características de todos os álbuns anteriores concebidos pelo Fab Four. O disco começa com “Come Together”; “The End” não é niilista como a de Morrison. Ouçam o disco em estéreo ou mono (se possível em um conjunto Marantz), acabou o Lado A-, a agulha subiu após “I Want You (She’s so Heavy)”, levante-se e vire-o: “Here Comes The Sun”.