“Hiroshima, Mon Amour”: o Chronos Cinematográfico de Alain Resnais

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Quando se diz que um cineasta pertence à fileira da estética cinematográfica da Nouvelle Vague Francesa, logo se tem a tendência de assimilá-lo à Cinemateca Francesa e à revista de crítica cinematográfica Cahiers du Cinéma, fundada por André Bazin (1918-1958). No caso do cineasta francês Alain Resnais (1922-), a sua formação e atividade profissional não estão ligadas a estes dois elementos embrionários dos demais cineastas da Nouvelle Vague, como François Truffaut, Jean-Luc Godard, Eric Rohmer, Claude Chabrol; mas sim a uma atividade cinematográfica ligado ao estudo acadêmico e ao gênero documental. No seu primeiro longa-metragem “Hiroshima, Meu Amor” (Hiroshima, Mon Amour, França, 1959), Alain Resnais, ao lado de François Truffaut com o filme “Os Incompreendidos” (Les 400 Coups, 1959), deram visibilidade à Nouvelle Vague no Festival de Cinema de Cannes de 1959.

Antes de realizar o seu primeiro longa-metragem, Alain Resnais foi um premiado documentarista, tendo ganhado diversos elogios e prêmios com a realização de documentários, que tratavam dos horrores da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Com esta bagagem, o diretor foi convidado por produtores para realizar um filme sobre a guerra, mas que tivesse alguma relação entre a França e o Japão na temática do enredo. Para o roteiro do filme, Resnais convidou a escritora francesa Marguerite Duras (1914-1996), que vinha em ascensão através da estética literária do Nouveau Roman (Novo romance). Duras aceitou o desafio e escreveu o roteiro, fazendo a junção de elementos da linguagem literária com a linguagem cinematográfica.

Hiroshima, Mon Amour” narra a história de uma atriz francesa (Emmanuelle Riva), que está na cidade japonesa de Hiroshima para fazer um filme “sobre a paz”. A atriz acaba tendo um relacionamento amoroso com um arquiteto japonês (Eiji Okada); o que desencadeia um emaranhado de recordações sobre a guerra. As recordações fazem com que ela reviva alguns traumas passados, que são revelados a partir de flash-backs. As ações do presente acabam desenterrando, deste modo, lembranças de um tempo outrora esquecido. No entanto, as ações do presente são afetivas, amorosas, belas; as do passado são, inicialmente, belas, mas depois horríveis e, por fim, traumáticas.

O filme se estrutura a partir de dois eixos temáticos: o presente e o passado. Na primeira parte, de aproximadamente quinze minutos, vemos um documentário sobre os horrores, dramas e conseqüências da Segunda Guerra Mundial. As imagens são fortes, os danos, causados pela bomba atômica lançada sobre Hiroshima no dia 06 de agosto de 1945, são assustadores; uma voz em off narra e comenta as imagens. Em seguida, na segunda parte, tem-se o casal de amantes usufruindo de seus corpos e divagando sobre os horrores da guerra. Na primeira parte do filme, Resnais a estrutura de forma documental, vemos um documentário, o que gera um efeito de estranhamento. No momento da transição da parte documental para a ficcional, há algumas imagens do casal com seus corpos nus em cenas amorosas; a partir deste ponto, começa a narrativa ficcional.

Outro ponto interessante de “Hiroshima, Mon Amour” concerne a sua estreita relação com a literatura. A escritora Marguerite Duras escreveu o roteiro tendo como base os aspectos do Nouveau Roman. Resnais conseguiu passar para a narrativa fílmica todos esses elementos, o que gerou um diálogo entre a linguagem literária e a linguagem cinematográfica, sem, contudo, descaracterizar a segunda. Ao relacionar ambas as linguagens, Resnais destaca os elementos da linguagem cinematográfica, que se organiza com a preponderância de um discurso imagético. O eixo de significação sai do eixo da ação para o eixo da imagem.

Resnais estrutura o filme a partir de dois eixos temáticos: o presente e o passado. As ações do presente desencadeiam lembranças colocadas nas profundezas da psique. Ao se relacionar com o arquiteto japonês, a atriz francesa se recorda da relação amorosa que tivera com um soldado alemão durante a ocupação nazista à França. Após o término da guerra, são mostradas toda a sua desgraça e a sua humilhação recebida, já que as mulheres francesas, que se relacionaram com os soldados alemães, foram espancadas em praça pública, além de terem os seus cabelos raspados, o que a obrigou permanecer em um porão até que crescessem novamente. O interessante é que o presente nunca se apresenta como possibilidade real. Ele desencadeia reminiscências de um tempo pretérito que, ao ser reconstruído, mesmo que involuntariamente; traz à tona traumas. As personagens tentam esconder os traumas, colocando “areias da ampulheta” sobre eles.

Alain Resnais, em “Hiroshima, Mon Amour”, deu uma dimensão interessante ao Cinema, uma dimensão que privilegia o discurso imagético, devido ao tratamento à imagem cinematográfica e ao tempo. Ele se utiliza de dois gêneros cinematográficos: o documental e o ficcional. No filme, podemos ver a obsessão de Resnais no que tange ao tempo. Ele faz um tratado sobre o chronos, de modo que há dois grupos temporais: o tempo coletivo e o tempo individual que se estruturam e, às vezes, se entrelaçam, segundo os eixos do passado e do presente. Nota-se ainda uma estreita relação com a durée do filósofo Henri Bergson (1859-1941), já que cada tempo possui a sua unidade e a sua duração, além de seu significado próprio. Não há a busca pelo tempo perdido, porque ele sempre volta.

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