Por vários séculos, o conceito de Belo artístico predominou nas representações artísticas de uma forma geral, seja na Pintura, na Escultura, ou mesmo na Literatura. A Arte deveria representar o que era belo e agradável, trabalhando com temas considerados elevados, nobres. No entanto, a oposição ao Belo começou a surgir a partir da representação do Grotesco, do feio, daquilo que seria considerado antí-belo e não agradável. No caso do Cinema, a representação do Belo e do Grotesco sempre foram colocadas de forma oposta, com a primeira possuindo mais destaque do que a segunda. Filmes como “Saló ou 120 dias de Sodoma” (Salò o le 120 giornate di Sodoma, Itália, 1975), de Pier Paolo Pasolini (1922-1975); “Pink Flamingos” (EUA, 1972), de John Waters (1946); “Irreversível” (IЯЯƎVƎЯSIBLƎ, França, 2022), de Gaspar Noé (1963-); e “O Homem elefante” (The Elephant Man, EUA, 1980), de David Lynch (1946), são alguns exemplos de produções que trabalham a temática do grotesco, tanto na sua narrativa como também no discurso cinematográfico.
O Belo artístico é um termo complexo, sendo trabalhado por diversos artistas e teorizado por muitos outros filósofos. Sua concepção mais usual é chamada de “concepção clássica de belo”, oriunda da antiguidade clássica grego-latina, na qual o Belo se defini como um ideal de harmonia, equilíbrio e perfeição, devendo ser buscado pelo Artista, representado-os em sua obra. A obra baseada do “Belo clássico” deve ter simetria, proporção e uma extrema organização, deve agradar, sendo sublime, suscitando sensações e sentimentos agradáveis. Os temas não podem ser banais, trabalhando os vícios; mas, devem, sim, ser nobres e elevados, destacando as virtudes humanas.
Em oposição ao Belo, há o Grotesco, que é uma ruptura com o ideal de beleza, harmonia e equilíbrio. O Grotesco é o exagero, a desarmonia e o desequilíbrio, é a representação do feio e do disforme. O seu intuito é causar ânsia e desconforto, o que impera é o bizarro, o estranho. Os temas são considerados sórdidos, repugnantes, centrados nos vícios humanos; com frequência, atacam os tabus sociais com a escatologia, o incesto, o canibalismo, com o objetivo de questionar, mesmo que de forma indireta ou carnavalesca, os padrões e as condutas sociais. Não há o agrado, há a provocação, a suscitação de sensações desagradáveis, como nojo, angústia, mal-estar.
No Cinema, o Grotesco é algo trabalhado por Diretores de vários movimentos cinematográficos, desde o Expressionismo alemão, com filmes como o “O Gabinete do Dr. Caligari” (Das Cabinet des Dr. Caligari, Alemanha, 1920), dirigido por Robert Wiene (1873-1938), passando pelo Cinema Surrealista francês com a produção “Um Cão Andaluz” (Un Chien Andalou, França, 1928), dirigido por Luis Buñuel (1900-1983) e Salvador Dalí (1904-1989), como também pelo Cinema Marginal brasileiro (1968-1973), com filmes como “Hitler no 3º Mundo” (Brasil, 1968), de José Agrippino de Paula (1937-2007), ou mesmo “Matou a Família e foi ao Cinema” (Brasil, 1970), dirigido por Júlio Bressane (1946-).
Em se tratando do Grotesco no Cinema, nenhum filme o é mais do que a produção “Saló ou 120 dias de Sodoma”, dirigida por Pier Paolo Pasolini. No filme, há uma releitura dos contos do Marquês de Sade (1740-1814) e o acréscimo de uma alegoria político e social de dominação, já que um grupo de jovens é feito prisioneiro em uma mansão para satisfazerem as vontades de quatro homens, que representam as forças políticas da sociedade: o Estado, a Igreja e a burguesia. Ele é dividido em três partes, cada um denominada de círculo: “Círculo das manias”, “Círculo das fezes” e “Círculo do sangue”. Atos de dominação, sadomasoquismo, escatologia e agressões físicas e psicológicas são a tônica do filme. O que também ocorre no filme, o possível segundo filme mais grotesco da história do Cinema, “Pink Flamingos”, de John Waters, no qual há uma briga entre Divine e o casal Marble para saber quem são as pessoas mais asquerosas do mundo.
Já no filme “Irreversível”, de Gaspar Noé, o Grotesco está tanto na temática trabalhada, quanto em cenas famosas, que causam agonia e aversão no espectador, como a do estupro. No entanto, o grande destaque do filme, e o que causa mais aversão no espectador, é a fotografia, a movimentação de câmera e a montagem, causando incômodo por não ser naturalista e convencional. Portanto, há uma estética do grotesco no próprio discurso cinematográfico, responsável por provocar estranheza e desconforto no espectador. Por seu turno, o filme “O Homem Elefante”, de David Lynch, trabalha o tema do grotesco na representação das personagens e no diálogo com o Expressionismo alemão, no qual o feio e disforme ganham destaque.
Do Sublime e do Grotesco, apenas invertendo Victor Hugo, o primeiro, através do Belo, provoca e suscita sensações positivas e agradáveis, enquanto que o segundo, através do feio e disforme, suscita sensações como aversão, nojo, angústia. No caso do Cinema, o Grotesco sempre possuiu o seu espaço marginal e alternativo. Ele faz parte de produções que provocam e questionam todas as noções de ordem social, como também os tabus e os dogmas. Provocando mais do que deliciando, resta-nos saber se o Grotesco pode, ou não, ser considerado um gênero. Aquele que for provocado, vomite; depois, pense.
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