Filmes sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) são numerosos e variados. Há as abordagens dos Cinemas francês, russo, italiano, e em grande escala, do hollywoodiano, todos com produções que tratam dos impactos da guerra na vida cotidiana da população civil durante o conflito, ou dos traumas de um tempo presente mesclados com reminiscências do passado, passando por mega produções que se centram nas grandes batalhas travadas entre os países Aliados (Estados Unidos, França e Inglaterra) contra os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Todavia, a questão da Segunda Guerra e o tema do nazismo para a sociedade alemã pós-guerra foi (e ainda o é, em termos) um tabu, há poucas produções cinematográficas germânicas que tratam do tema, merecendo destaque a produção “A Queda: as últimas horas de Hitler” (Der Untergang, Alemanha, 2004), filme dirigido por Oliver Hirschbiegel (1957-).
O maior historiador do século XX, Eric Hobbsbawn, no seu livro “A era dos extremos: o breve século XX – 1914-1991”, afirma, na primeira parte “A era da catástrofe”, que a era da “Guerra total”, ou seja, o período que vai da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) até a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), está interligada por um único processo histórico. Há um processo iniciado na 1ª Guerra, que passando pela Revolução Russa (1917) e pela Crise de 1929, vai gerar a 2ª Guerra. No entanto, o historiador afirma, categoricamente, que o segundo grande conflito tem um principal agente e responsável: Adolf Hitler (1889-1945).
Quando foi lançado em 2004, o filme alemão “A Queda: as últimas horas de Hitler” foi alvo de controvérsias, seja por parte dos críticos e estudiosos, ou por parte de parcelas de espectadores, principalmente daqueles de nacionalidades que mais sofreram com as mazelas da guerra. Acusaram-no de “humanizar” o maior responsável pelo conflito: Adolf Hitler, bem como os seus generais e principais membros do regime nazista. O fato é que o filme traz uma abordagem nova, se compararmos com as produções sobre o tema, que é justamente retratar os principais homens do regime nazista que estiveram no centro do conflito.
Bruno Ganz como Hitler |
A narrativa de “A queda” centra-se nos últimos dias de vida de Aldof Hitler, interpretado pelo excelente ator Bruno Ganz (1941-), e, consequentemente, nos últimos momentos do regime nazista na Alemanha, então cercada pelos soldados do Exército Vermelho Russo. O espectador acompanha estas últimas horas através da perspectiva da secretária particular de Hitler, chamada de Traudl Jünge. Há um prólogo, que se passa em 2001, com o depoimento de Jünge declarando que era jovem, e pelo fato de estar muito próxima ao ditador, não conhecia as atrocidades do regime nazista. A seleção, em novembro de 1942, de uma nova secretária particular é mostrada, o que se pode considerar o início da queda, pois Hitler resolve atacar, na mesma época, a União Soviética através da Operação Barbarossa (Unternehmen Barbarossa), abrindo, assim, uma nova frente de batalha no fronte oriental, o que será o seu grande erro; pois, três anos depois, Berlim, o centro do 3º Reich, será tomada pelos russos.
Soldados soviéticos no topo do Reichstag |
Há o término do prólogo, e o início do filme, em 20 de abril de 1945. Ele retrata doze dias, passando pelo suicídio de Hitler, no dia 30 de abril até a tomada de Berlim pelos soldados russos no dia 02 de maio. A cidade está em ruínas, sendo atacada pela artilharia soviética, que está ao norte em Pankow e ao leste em Lichtenberg, ou seja, poucos quilômetros do centro da cidade. O Portão de Brandemburgo, o Reichstag, a Potsdamer Platz e a Avenida Unter den Linden estão em ruínas, o ataque é constante. Os berlinenses somente conheciam a guerra através dos anúncios do secretário de propaganda do regime nazista Joseph Goebbels (1897-1945), agora ela está no centro da cidade. Berlim, que seria a capital do Reich e que seria também reprojetada pelo arquiteto nazista Albert Speer (1905-1981) para durar mil anos, está em ruínas.
O filme se passa, em sua grande parte, dentro do bunker de Hitler. Por isto, a proximidade com o ditador, visto que o acompanhamos de perto, neste espaço fechado. Ao mesmo tempo em que são mostradas cenas de histeria e descontrole psicológico por parte de Hitler, há cenas em que ele é gentil com a sua cadela Blondi e com algumas pessoas próximas, como a sua secretária particular Traudl Jünge, e com os seis filhos de Gobbels. No espaço exterior há a guerra, a cidade de Berlim sendo atacada e destruída, há alguns dramas da população que são mostrados como histórias paralelas, tais como a do médico nazista que resolve permanecer no hospital para cuidar de idosos, ou do jovem Peter, de doze anos, que resolve lutar pelo regime, mas que acaba percebendo o seu erro.
Em “A Queda”, a oposição dos espaços interior e exterior é destacada, assim como a utilização frequente do recurso de campo e contracampo, sendo Hitler enquadrado, na grande maioria das vezes, sozinho em um plano e seus oficiais e demais personagens no contracampo. Há algumas poucas subjetivas de Hitler, no qual temos a visão do ditador, de modo que a câmera mostra o que ele vê, o que ajudaria no processo de “humanização”, segundo alguns críticos. O que gerou a principal controvérsia em relação ao filme, pois ele foi acusado de mostrar um Hitler muito “humanizado”, o que seria mais uma questão política. Pois, o humano é demasiado humano. O filme é centrado no conflito humano, na queda, psicológica e física de um homem, que tantos danos físicos, materiais e traumas provocou para a humanidade e, principalmente, para a cultura alemã pós-guerra. O céu sobre Berlim é belo.