Os Incompreendidos: o filme marco da Nouevelle Vague de François Truffaut.

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François Truffaut é, ao lado de Jean-Luc Godard, o cineasta mais expressivo da Nouvelle Vague Francesa. O seu filme “Os Incompreendidos” (Les 400 Coups, França, 1959) é considerado o marco da estética cinematográfica francesa mais importante da segunda metade do século XX. O filme foi lançado no Festival de Cannes de 1959, tendo recebido o prêmio máximo: a Palma de Ouro. Este prêmio, representou o estabelecimento da Nouvelle Vague como uma corrente estética, abrindo as portas para uma grande quantidade de jovens cineastas e também críticos ligados à famosa revista de crítica cinematográfica Cahiers du Cinéma, tais como Jean-Luc Godard, Alain Resnais, Eric Rohmer, Claude Chabrol.

A Nouvelle Vague francesa representou uma nova forma revolucionária de fazer e de conceber o cinema, seja nos aspectos formais quanto conteudísticos. Seus adeptos eram todos cinéfilos e críticos, cineastas com um excelente conhecimento da história do cinema-, bem como dos elementos da sua linguagem. Conheciam o ponto de ostracismo e inércia em que se encontrava o cinema representado pela indústria cinematográfica hollywoodiana e, principalmente, o cinema francês da década de 50-, cheio de clichês e grandes produções. Como cinéfilos, queriam o desenvolvimento da linguagem cinematográfica-, como críticos, vislumbravam uma nova forma de produzir filmes, mais simples e autoral.

Os cineastas da nouvelle vague acreditavam numa linha evolutiva do cinema e tinham total consciência dos elementos da linguagem cinematográfica. Salientavam que seus precursores eram cineastas como Jean Renoir (1894 - 1979), Orson Welles (1915 - 1985), Agnés Varda (1928), Roberto Rossellini (1906 - 1977), Alfred Hitchcook (1899 - 1980), Fritz Lang (1890 - 1976)-, todos cineastas que possuíam e desenvolveram um estilo próprio, que os caracterizavam e os diferenciavam dos demais-, através de uma maneira própria de utilizar o discurso cinematográfico. Estudando estes cineastas, François Truffaut publicou, em 1954, um importante artigo sobre a “política dos autores” (La politique des auteurs). A tese central do artigo afirmava que, mesmo sendo uma Arte coletiva, a obra cinematográfica poderia possuir um autor-, assim como a figura do escritor na obra literária. O autor da obra cinematográfica seria o diretor, pois ele que seleciona e condiciona todos os elementos da linguagem cinematográfica.

No que tange a formação cinéfila e a critica dos cineastas da nouvelle vague, a cinemateca francesa fundada por Henri Langlois, em 1936, e a revista de crítica cinematográfica Cahiers du Cinéma fundada por André Bazin, em 1951, são de extrema importância. Na cinemateca, os jovens cineastas puderam ter contato com os filmes mais representativos e com os cineastas mais importantes da história do cinema. Nela, tiveram e consolidaram toda a sua formação cinéfila. A cinemateca francesa foi ainda um dos pivôs que desencadearam as manifestações de Maio de 68, pois o seu fundador e curador Henri Langlois havia sido demitido-, o que originou manifestações públicas e de rua por parte dos freqüentadores e dos cineastas da nouvelle vague.

A revista Cahiers du cinéma foi o veículo de formação crítica dos cineastas. Ela foi fundada pelo crítico e estudioso André Bazin (1918 - 1958), que é considerado o “pai” da crítica cinematográfica. Ele desenvolveu um conjunto de conceitos e uma linguagem que caracterizava e formatava a então crítica nascente. Bazin é considerado o mentor teórico da nouvelle vague, todos os cineastas mais representativos, de François Truffaut a Jean-Luc Godard, passando por Eric Rohmer foram seus discípulos e colaboradores da revista, com artigos resenhas e estudos críticos. A revista foi o embrião dos conceitos e das idéias colocadas em prática nos filmes. Bazin morreu no primeiro dia de filmagem de “Os Incompreendidos”-, o filme é dedicado a ele.

No filme “Os Incompreendidos”, François Truffaut passou de uma atividade cinéfila e crítica para uma prática de realização cinematográfica. O filme narra a história de Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud), um jovem de treze anos que mora com a mãe e o padrasto num pequeno apartamento em Paris. Acompanhamos o dia-a-dia de Antoine no meio escolar e no meio familiar-, bem como o descompasso de ambos os meios em lidar com os anseios do garoto. Na escola, as relações com os professores e a didática de ensino ultrapassada não possibilitam o desenvolvimento pedagógico de Antoine que “mata aulas” com freqüência. Ele é um garoto inteligente, apreciador de Balzac-, o grande romancista francês. No ambiente familiar, Antoine não se encaixa na “moderna estrutura familiar”-, os pais trabalham o dia inteiro, não possuem tempo para educar o filho. Antoine foge de casa e é mandado para um internato de jovens infratores.

“Os Incompreendidos” é um filme que trata da adolescência, um período de latência e descompasso entre o adolescente e o seu meio, seja escolar quanto familiar. O filme é, em grande parte, autobiográfico. A figura e a história de Antoine se confundem com as da infância de Truffaut. Tanto que Jean-Pierre Léaud é o alterego de François Truffaut, que realizou ainda mais um curta-metragem “Antoine e Colette” (L`amour à vingt ans, França, 1962) e três longas-metragens “Beijos proibidos” (Baisers volés, França, 1968), “Domicílio conjugal” (Domicile conjugal, França, 1970) e “Amor em fuga” (L'amour en fuite, França, 1978), todos tendo Antoine Doinel como protagonista. Nestes filmes, podemos acompanhar o desenvolvimento de Doinel até os trinta anos. Tais filmes mostram a influência de Balzac, já que os personagens aparecem em mais de um romance.

Nos aspectos do conteúdo da narrativa cinematográfica, o filme possui inovações, pois não segue os ditames clássicos estruturados em exposição, intriga, clímax e desenlace. O filme é expositivo, expõe a existência de um jovem (Doinel)-, de forma que não há o protagonista clássico, categorizado em herói ou anti-herói. É deixado de lado a questão hermética de bem e de mal. Há apenas a exposição do comportamento juvenil e a exposição de caso-, expondo um momento da vida humana. O que impera é a ambigüidade das ações das personagens, o que não leva o espectador a criar um juízo de valor sobre tais ações. A dramatização e o efeito dramático está nas ações e, principalmente, no estado das personagens-, o que gera o sobressalto dos aspectos psicológicos delas.

No tangente a forma e a utilização do discurso cinematográfico, os preceitos da Nouvelle Vague são altamente revolucionários. Em “Os Incompreendidos”, alguns aspectos formais como o movimento de câmera e o plano-sequência são a base do discurso cinematográfico. Na teoria clássica e na escola formativa russa havia uma grande importância atribuída ao corte e à combinação atribuída entre os planos através da montagem. Na Nouvelle Vague, por seu turno, a montagem perde o papel de elemento significante central. Não há a fragmentação da ação em diferentes planos, toda ação possui uma duração e se desenvolve de forma seqüencial. Na nouvelle vague há a predileção pelo plano-sequência, o que gera, conseqüentemente, uma necessidade maior de utilização do movimento de câmera-, já que a objetiva deve acompanhar o movimento e as ações das personagens. Outra conseqüência é a ampliação do campo, o que gera o efeito de profundidade de campo, desenvolvido, inicialmente, por Orson Welles no seu filme “Cidadão Kane” (Citizen Kane, EUA, 1942), amplamente utilizado por Alfred Hitchcook e por todos os adeptos da nouvelle vague.

François Truffaut foi um assíduo freqüentador da cinemateca francesa e um dos principais membros da Cahiers du cinéma. Com este percurso e com esta formação, o grande cinéfilo e excelente crítico-, lançou-se à realização de filmes. Seu primeiro longa-metragem “Os Incompreendidos” é considerado o marco de inauguração da nouvelle vague como estética cinematográfica. Com o laureamento em Cannes, o filme abriu caminho para toda uma geração de jovens cineastas oriundos das cadeiras da cinemateca e das fileiras da Cahiers du cinéma.


Ficha Técnica
Título Original: Les Quatre Cents Coups
Direção: François Truffaut
Roteiro: François Truffaut e Marcel Moussy, baseado em estória de François Truffaut
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 99 minutos
Ano de Lançamento (França): 1959
Estúdio: Sédif Productions / Les Films du Carrosse
Distribuição: Cocinor
Produção: François Truffaut
Música: Jean Constantin
Fotografia: Henri Decaë
Direção de Arte: Bernard Evein
Edição: Marie-Josèphe Yoyotte

Elenco
Jean-Pierre Léaud (Antoine Doinel)
Claire Maurier (Gilberte Doinel)
Albert Rémy (Julien Doinel)
Guy Decomble (Petite Feuille)
Georges Flamant (Sr. Bigey)
Patrick Auffay (Rene)
Richard Kanayan (Abbou)
Yvonne Claudie (Madame Bigey)
Robert Beauvais (Diretor da escola)
Jacques Monod (Comissário)
Pierre Repp (Professor de inglês)
Henri Virlojeux (Vigilante noturno)
François Truffaut

1 comentários:

Emanuela Siqueira disse...

Breno! Sua crítica é ótima, por isso a indiquei hehe. E sobre o link, claro! já mudei lá :)

Abraço