“Cada um com seu cinema” (Chacun son Cinéma) é um projeto cinematográfico realizado por trinta e quatro cineastas de vinte e cinco países que foram incumbidos de fazer um curta-metragem cada um de aproximadamente três minutos sobre o cinema. O projeto foi proposto por Gilles Jacob, então presidente do Festival de Cinema de Cannes, França, como uma forma de comemorar os sessenta anos do festival, em 2007. Lars Von Trier, Alejandro González Iñárritu, Walter Salles, Takeshi Kitano, Ken Loach, Abbas Kiarostami, Nanni Moretti, Wong Kar-Wai, os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, David Lynch e Wim Wenders são alguns dos cineastas que mostraram as suas visões, memórias e paixões sobre o cinema.
O projeto é simples: cada cineasta fez um curta-metragem de três minutos contando uma história de amor ao cinema em seu respectivo país ou de acordo com as suas memórias ou influências dentro da sétima arte. A maioria dos curtas trata do espaço cinematográfico de exibição, ou seja, a sala de cinema. Um local de prazer dos olhos que traz uma experiência estética, emocional e afetiva junto à obra cinematográfica ou mesmo entre todos que a compartilham.
Há a memória individual de filmes que marcaram uma vida, como é o caso do curta “No escuro”, dirigido pelo cineasta russo Andrei Konchalovsky, no qual a já idosa personagem divide uma velha sala de cinema com um casal de jovens. Enquanto o casal usa a sala para namorarem, ela se emocional vendo o filme “8 ½ ” (Itália, 1963) do cineasta italiano Federico Fellini, tendo o ator Marcello Mastroianni como protagonista.
O grande ator italiano é ainda homenageado no curta “Três Minutos” do diretor grego Theo Angelopoulos, tendo uma cena do filme “A noite” (Itália, 1961) do cineasta Michelangelo Antonioni como base. No curta, a mesma atriz que contracena com Marcello Mastroianni no filme de Antonioni refilma a sua fala em 2007. Jeanne Moreau se emociona ao repetir as palavras do roteiro de 1961, homenageando, assim, Marcello que morreu onze anos antes.
Além da relação do cinema com a memória individual, há a sua relação com a memória coletiva. No curta “Assistindo ao filme”, do diretor chinês Zhang Yimou, uma pequena vila do interior da China tem a rotina quebrada quando um cinema itinerante é montado. A montagem da estrutura, a preparação do espaço, a espera do por do sol são momento únicos que vão gerando a grande expectativa da exibição do filme por parte dos aldeões, de modo que a alegria e a simples relação entre luz e sombra tudo recria, desautomatizando a vida cotidiana.
O cinema é a sala mágica, um local de desautomatização e de prazer estético. No curta “A fundição”, dirigido pelo cineasta finlandês Aki Kaurismäki, um grupo de operários de uma fundição esperam ansiosamente a hora do almoço para poderem assistir à sessão de cinema, projetada a partir de um pequeno projetor Super 8, vêem um dos primeiros filmes da história do cinema “A Saída da Fábrica Lumière em Lyon” dos irmãos Auguste e Louis Lumière.
O cinema enquanto desautomatização é ainda trabalhado no curta “Um belo dia”, do diretor japonês Takeshi Kitano. Nele, um trabalhador rural chega a um pequeno e inóspito cinema, mas encontra alguns empecilhos de ordem técnica para assistir ao filme. Já no curta “Cinema ao ar livre”, o cinema é uma celebração coletiva, mesmo sendo montado em um local improvisado, tem-se vários indivíduos celebrando a sétima arte em comunhão.
O filme “Cada um com seu cinema” é dedicado ao cineasta italiano Federico Fellini, mas, antes de tudo, é um filme sobre o cinema, de modo que há a recorrência da metalinguagem, ou seja, o cinema falando do próprio cinema de forma direta, como é o caso do melhor curta: “Profissões”, dirigido pelo cineasta dinamarquês Lars Von Trier, ou de forma indireta com intertextualidade em relação a outras obras cinematográficas, como é o caso da maioria dos curtas-metragens. Além do cineasta italiano, o francês Jean-Luc Godard é o mais citado e homenageado, seja através de um cartaz, cenas de filmes ou diálogos.
O cinema é uma arte coletiva que pode ser uma expressão individual de um artista (cinema de autor). No caso de “Cada um com seu cinema”, temos expressões artísticas individuais de grandes cineastas formando uma obra coletiva de exaltação do cinema, seja retratando um passado idílico ou a arte cinematográfica na memória ou em práticas de resistência contra o mero e insignificante filme como produto. Cada um com os seus filmes e nos com o nosso cinema de autores.
Trailer do filme: