Annie Hall por Woody Allen e Nossos Amores

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O que restou de nossos amores. Uma pessoal tem noventa anos, olha para trás, vê a sua vida, suas cicatrizes, recorda suas alegrias, se lembra dos nomes de todos os seus amores (felizmente são muitos), mesmo com a morte rente a sua face, há serenidade. Amores, dores, memórias, recordações da infância e de outras partes da vida são os temas do filme “Annie Hall” (EUA, 1977), do cineastas estadunidense Woody Allen (1935-). No Brasil, no ano de seu lançamento, o filme recebeu o péssimo título “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, o que destoa do propósito da obra que é fazer uma reflexão, uma análise, sobre as relações amorosas e, principalmente, sobre os percursos amorosos que toda e qualquer pessoa se depara ao longo da vida. 
O filme “Annie Hall” é sobre Annie, interpretada por Diane Keaton (1946-), uma jovem cantora que passa a se relacionar com o comediante nova-iorquino Alvy Singer, um alter ego do próprio Allen. A rotina dos dois no início do relacionamento, as maravilhas e o encantamento do convívio inicial são mostrados, todas as ações são novas, cheias de descobertas. Cozinhar uma lagosta se torna algo lúdico, prazeroso. Os dois aprendem juntos, Alvy lhe compra livros, incentiva que ela evolua e melhore. Depois, a rotina, a vida cotidiana, ordinária, com o peso do comum. Alvy conhece os pais de Annie, ela se muda para o apartamento dele, passam a morar juntos. Vão ao cinema ver filmes do cineasta sueco Ingmar Bergman. 

O interessante no filme é que Annie evolui, está em constante aprendizado, enquanto Alvy é um ser problemático, até mesmo neurótico, que fica revivendo o seu passado, tentando superar os seus traumas: com terapia, com humor, com sarcasmo. Em uma cena, voltamos para a infância do jovem Alvy, vemos como era a sua relação com os colegas da escola, professores, antigas namoradas, com a família, etc. Ele era um ser deslocado, com dificuldades de se relacionar, mas com uma grande capacidade intelectual e crítica, por isso se torna comediante, para dar um tom de comédia ao drama da vida. Ao final escreve uma peça, com final feliz, a mesma representada pelo filme. 

O filme é repleto de digressões. O próprio Woody Allen, que interpreta Alvy, com frequência comenta o enredo, como se estivesse tentando compreender o que havia se passado. Com isso, a ação é interrompida, Alvy olha para a câmera, quebrando o efeito de realidade do cinema naturalista, se dirigindo ao espectador. Em outros momentos, ele analisa ações do seu passado, que ocorrem no plano da narrativa cinematográfica. Há inclusive um trecho de uma animação na qual Alvy fala da sua atração não pela Branca de Neve dos contos de fadas, mas pela Bruxa. O filme se coloca como uma forma de “terapia”. 

Em outra cena, na fila do cinema para ver um filme do cineasta sueco Ingmar Bergman, o efeito de realidade é quebrado quando alguém passa a analisar os filmes do cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993) de forma acadêmica, caricata, com conceitos repletos de falácia. Alvy interrompe o homem, passam a discutir, até que o nome do filósofo e teórico da comunicação Marshall McLuhan (1911-1980) é citado como argumento de autoridade. Para mostrar que o interlocutor estaria equivocado, Alvy coloca em cena o próprio Marshall McLuhan. Assim, tem-se uma narrativa não linear, com digressões e diálogos com o espectador. 

O filme é repleto de intertextualidades com referência explícitas e implícitas à cineastas e filmes importantes da história do cinema. No quarto de seu apartamento, Alvy e Annie estão deitados na cama, o enquadramento e a direção de arte são similares a de uma cena do filme “Domicílio Conjugal” (França, 1970) do cineasta francês François Truffaut (1932-1984). Na fila do cinema, Annie e Alvy vão ver filmes do cineasta sueco Ingmar Bergman, acabam ouvindo comentários sobre a obra do cineasta italiano Federico Fellini, como a “A Estrada” (1954), “Julieta dos espíritos” (1965) e sobre “Satyricon” (1969). 

Por fim, o que se tem no filme “Annie Hall”, nas relações amorosas são: encantamento, convívio, alteridade, conflito, identificação, término. No percurso, a passagem, intimidade, um ciclo. A separação é o fim de um ciclo, natural da vida, restando as lembranças. No epílogo do filme, tem-se que o que a memória amou, fica eterno. Annie era uma pessoa fantástica, Alvy ficou muito feliz em tê-la conhecido, e mais, ter convivido com ela. Após um encontro depois da separação, ao acaso em uma café, conversam, depois, cada um segue a vida, mas, agora, na terceira margem do rio. Por fim, as relações entre as pessoas são: irracionais, loucas e absurdas, como diz o próprio Alvy, dando um tom de comédia ao drama da vida demasiada humana.

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