Filmes Cults

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O termo “clássico” é controverso dentro dos estudos literários e da história da arte. Pode ser atribuído a um período literário considerado o mais elevado e importante dentro de uma dada história literária, como é o caso do Classicismo português do século XVI, que se confunde com a arte renascentista, ou mesmo o período barroco da literatura espanhola, ou ainda do romantismo alemão. A terminologia ainda pode ser atribuída a obras importantes, referenciais, como é o caso de algumas que são consideradas “clássicos da literatura universal”, como “Ilíada”, “Divina Comédia”, “Dom Quixote”, “Cem anos de solidão”, etc. No caso do cinema, há filmes clássicos que são importantes para movimentos e escolas cinematográficas, mas também há os filmes cults. 

O termo “cult” é originário da língua inglesa podendo ser traduzido, de forma literal, como “culto”. Os “Filmes cults”, ou “Cult movies” em inglês, são filmes cultuados por determinados grupos sociais. Não possuem necessariamente o status de “clássico”, mas têm determinadas qualidades ligadas ao roteiro, trilha sonora, tema ou mesmo personagens, fazendo com que surjam cultos. Um filme cult pode não ter qualidades excepcionais, ou mesmo experimentações dentro da linguagem cinematográfica, sendo apenas uma obra que teve uma excelente recepção por parte de um determinado público que se mantém fiel à obra por um certo tempo. 

O filme cult é caracterizado pela sua associação com determinados grupos sociais, de onde surge o culto. O cinema pode ser considerado um culto moderno que propicia a comunhão entre espectadores, tendo o filme como elemento sagrado, como fonte de inspiração, de pensamento e de conduta. Espectadores se identificam, criam empatia por narrativas, personagens, trilhas sonoras, tentam reproduzi-las no seu cotidiano com condutas, roupas, gírias e demais obras de culto, como livros, bonecos, pôsteres, etc. Os filmes cultuados acabam influenciando o comportamento social com um impacto muitas vezes maior do que os filmes clássicos. 

Quadrophenia’ (Inglaterra, 1979) é um filme dirigido por Franc Roddam, é baseado na “Ópera Rock” homônima lançada em 1973 pela banda inglesa The Who. O filme é um retrato do cenário musical, cultural e social londrino nos primeiros anos da década de 1960, com a oposição entre os dois principais grupos conhecidos como Mods e Rockers, como também a arquetipal dualidade entre o velho e o novo em uma sociedade em constantes transformações. O filme se tornou cultuado por ser uma representação de duas formas de conduta e identificação dos jovens ingleses no início da década de 1960, além de expressar dois estilos de vida: o mod e o rocker. 

Na produção “Warriors – Os selvagens da noite” (1979), nove indivíduos de uma gangue de rua da cidade de Nova Iorque resolvem atender ao chamado do líder carismático Cyrus para comparecerem ao bairro do Bronx em uma reunião com representantes de todas as demais gangues da cidade. Cyrus é assassinado e os Warriors são acusados injustamente. Perseguidos pela polícia e pelas demais gangues tentam retornar à distante região de Coney Island. O filme foi cultuado por representar grupos sociais através de gangues que se diferenciavam por roupas, condutas e localidades. Assim, a reprodução do figurino, do sotaque e das expressões mantiveram o aspecto sagrado do filme e o seu culto por parte dos seus adoradores. 

Poucas animações possuem o status de cult, dentre elas a mais impactante é a produção japonesa “Akira” (1988). A animação, dirigida por Katsuhiro Ôtomo, conta a história de Kaneda líder de uma gangue de motoqueiros, no ano de 2019, em Tóquio, chamada de Neo-Tokyo que foi construída após a original ser destruída na terceira guerra mundial. A fonte de culto sobre “Akira” está na sua trilha sonora composta por Geinō Yamashirogumi com influências da música punk, eletrônica e rock. O principal público cultuador do filme são os chamados otakus, ou seja, fã de animes e mangás japoneses que tentam dar vida aos seus personagens prediletos através dos cosplays. 

Cultuar um filme é se tornar fiel, crente e reprodutor daquilo que é expresso na obra cinematográfica. Os cultuadores se identificam com o que veem, projetam no que vivem, criam uma empatia pelos seus iguais que o ajudam a se reconhecer e ao mesmo tempo se diferenciar dos demais grupos sociais. Filmes cults ditam formas de comportamento e de pensamento. Segui-los é estar em comunhão com algo sagrado, superior. Mas, é se projetar, se ver e tentar ser igual à obra, seja usando roupas, reproduzindo gírias, ou mesmo consumindo objetos de culto como livros, pôsteres, bonecos e demais itens. Aquilo o que é cultuado é sagrado.

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