A trilogia das Cores do Cineasta Polonês Krzystof Kieslowsk

0

Krzystof Kieslowski (1941-1996) é um cineasta polonês bastante prolífero, a sua carreira se divide em duas fases: a primeira fase conhecida como polonesa, na qual dirigiu a grande maioria de seus filmes para a televisão de seu país; e a segunda conhecida como fase francesa, na qual alçou fama internacional de crítica e de público a partir do filme “A dupla vida de Verônica” (La double vie de Véronique, França, 1990) e, principalmente, através dos seus últimos três filmes, concebidos como uma trilogia baseada nas três cores da bandeira francesa, chamados de Trois Couleurs (As três cores).

No Brasil, as traduções dos filmes receberam um acréscimo nos nomes que remetem aos significados das cores da bandeira e aos slogans da Revolução Francesa: “A liberdade é azul”, “A igualdade é branca” e “A fraternidade é vermelha”. No original em Francês os nomes dos filmes são respectivamente: Trois couleurs: Bleu (1993), Trois couleurs: Blanc (1994) e Trois couleurs: Rouge (1994). Ou seja, não remetem aos slogans da Revolução, mas sim as cores da bandeira francesa.

Em “A liberdade é azul”, Julie (Juliette Binoche) sofre um acidente de carro no qual morrem a filha e o marido, um famoso compositor de música clássica. A narrativa centra-se na tentativa de Julie de superar o trauma da perda e o assédio da mídia para saber mais informações acerca da grande peça sinfônica que o marido estava compondo. No filme, a música, composta por Zbigniew Preisner, se entrelaça com a fotografia marcadamente realçada pelo cromatismo do azul, há a alternância do silêncio para as harmonias complexas, mas o estado de espírito se mantém o mesmo: a tristeza da perda.

No segundo filme da trilogia “A igualdade é branca”, tem-se uma situação inusitada: um polonês se apaixona por uma parisiense sem saber uma única palavra da língua francesa, passa a viver em Paris, sendo, assim, inserido em um contexto totalmente adverso do seu, seja em termos culturais, quanto da língua. O tom cômico do filme surge justamente com a situação de Karol: um estrangeiro em uma cultura que lhe é estranha, questão essa que é o mote da discussão acerca da igualdade não só entre indivíduos, mas também entre culturas muito diferentes: a francesa e a polonesa.

Por sua vez, em “A fraternidade é vermelha” o eixo de modelo das relações humanas é modificado, se compararmos com os outros dois filmes anteriores da trilogia. A narrativa centra-se em Valentine (Irene Jacob), que a partir de uma situação inusitada, acaba atropelando um cachorro de um velho juiz aposentado, que tem o estranho hábito de voyeur, ou seja, adora observar outros indivíduos, tendo ainda como hobby escutar as conversas telefônicas de outras pessoas. Mas na fraternidade há a necessidade de compreensão e a relação do eu com o outro, uma difícil e necessária tarefa. A compreensão mútua se coloca como elemento central da narrativa.

Na trilogia, o azul não representa, em nenhum momento da narrativa, a liberdade, pelo contrário, a cor possui uma função bem nítida, que é a de expressar o estado de espírito de Julie, o que o cromatismo da cor azul representaria por excelência: a tristeza, a agonia, a solidão. Já o branco representaria as situações inusitadas, não um sinal de paz, tranquilidade, igualdade, visto que o conflito nasce justamente da relação estranha, colocada em termos de desigualdade entre duas culturas. Por seu turno, o vermelho expressa a tentativa e a suposta necessidade do ser humano de se relacionar socialmente, em específico mostra a amizade fraternal surgida a partir de uma situação inusitada entre indivíduos com personalidades díspares.

A proposta estética de Kieslowski é apresentar uma trilogia das cores na qual cada uma delas esta ligada a um estado de espírito, ele busca ainda discutir como esse lema de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” se apresenta no final do século XX. A proposta estética fica nítida, pois em cada filme uma das três cores é predominante em relação às outras, como se pode notar principalmente na fotografia e na direção de arte. Assim, dentre as três cores, sempre se sobressai alguma, seja azul, branca ou vermelha. Das três cores: o azul é a tristeza; o branco é desconcerto do mundo e o vermelho é a relação do eu com o outro, portanto, há o conflito com os três lemas da contemporaneidade, não há liberdade, igualdade e fraternidade.

Para ver: Sonhos (Akira Kurosawa, Japão, 1990)
Para ler: Cores e Filmes: um estudo da cor no cinema (Maria Helena Braga e Vaz da Costa, Editora CRV, 2012)



0 comentários: