O Autor do Filme

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No princípio era o caos, o Homem fez a Arte, viu que era bom. Depois as Artes se multiplicaram, eram cinco; hoje, são mais de nove. O criador da Literatura é o Escritor; o da Música é o Músico; o da Pintura é o Pintor; e o autor do filme? A questão autoral no Cinema se mostra mais complexa, nas artes individuais (Literatura, Pintura, etc) a resposta é mais fácil, no entanto, por ser uma Arte coletiva, a resposta teórica acerca da autoria do filme ficou sem resposta até 1955, ano da publicação do artigo “Política dos autores” (Politique des auteurs) do cineasta francês François Truffaut (1933-1984), na revista de cinema “Cahiers du Cinéma”.

No seu artigo, Truffaut abordou a questão da autoria do filme. Em outras Artes individuais, tais como a Literatura, a Música, a Pintura, a resposta é óbvia: o Escritor, o Compositor e o Pintor, respectivamente, são os autores; mas, em se tratando do Cinema, a resposta não tão obvia. Para o cineasta francês alguns filmes podem ter um autor representado pela figura do Diretor. Ele afirma que nem todos os filmes possuem um autor, pois nem todos são expressões individuais e artísticas de seus respectivos diretores. Somente Diretores que dominam a técnica cinematográfica, e que possuem um estilo nítido, que particulariza a técnica, produzem filmes autorais.

Cabe ao Diretor o poder da escolha, mesmo não escrevendo uma linha do roteiro, não escolhendo os ângulos, ou dirigindo os autores, cabe-lhe a escolha, boa ou ruim, do que entra ou não no filme. Para Truffaut, o Diretor, ao fazer escolhas, transforma as obras em pessoais. A escolha é o poder autoral, pois ele decide e, ao decidir, cria, mesmo que indiretamente. A criação surge justamente no poder de escolha, na decisão criativa, pois somente o Diretor tem a estrutura do filme em sua mente, cabe-lhe expressá-la em um discurso cinematográfico, carregado de expressividade artística e de um posicionamento particular e único frente à Arte e ao mundo.

Mas, todos os filmes possuem um autor? A resposta de Truffaut é não. Pois, nem todos os filmes são obras de arte e expressões artísticas de seus criadores. No caso do cinema hollywoodiano, por exemplo, não há o cinema autoral, visto que o filme é um mero produto de entretenimento que deve ser consumido por um maior número de indivíduos, e depois descartado. Neste tipo de produção, o diretor é apenas um mecanismo da engrenagem da indústria para a produção em massa. Por isso, os filmes seguem uma cartilha e uma estrutura fixa, sem experimentações, seja no âmbito da narrativa, quanto no âmbito da direção. Ao diretor, cabe-lhe apenas o trabalho de decupagem do roteiro em um discurso linear e padrão.

Ainda na indústria hollywoodiana, o profissional que detêm o maior poder de decisão sobre um filme é o produtor. Ele é o responsável pelo financiamento do filme, e por ser um produto, almeja que o seu seja vendável ao maior número de pessoas possível. O produtor é o responsável pela escolha do roteiro, do diretor, e de todos os outros profissionais de destaque que trabalham no filme. Cabe-lhe ainda o poder de demitir diretores, caso ousem “sair da linha” e a aprovação final do produto, ou seja, “o controle de qualidade”.

No Cinema brasileiro, “a política dos autores” foi introduzida na década de 1960 por cineastas, tais como Glauber Rocha (1939-1981), representante do movimento cinematográfico do Cinema Novo, e Nelson Pereira dos Santos (1928-). Na estética cinemanovista, aliás, a proposta de um cinema autoral é um dos principais pontos sustentado por seus Diretores. Glauber Rocha, por exemplo, foi um dos maiores arautos da necessidade de se transforma as produções brasileiras em expressões artísticas, pois somente com a criação de um discurso cinematográfico próprio, e que retratasse a nossa realidade social, política e cultura, que o cinema brasileiro poderia sair de seu ostracismo e da sua dependência hollywoodiana. Deste modo, a proposta de um Cinema autoral foi um dos elementos que propiciou a criação de um dos mais importantes movimentos cinematográficos da segunda metade do século XX: o Cinema Novo.

Um dos principais elementos discutidos pelos cineastas da Nouvelle Vague francesa diz respeito à questão autoral da obra cinematográfica, ou seja, a discussão acerca do autor do filme. Na Literatura, que é uma arte individual, o autor é o Escritor. No caso do Cinema, por ser uma Arte coletiva, não havia a imagem de um autor representado por um único indivíduo, o que mudou, podendo ficar a cargo do Diretor a possibilidade autoral. Assim, em alguns casos, o filme seria uma expressão artística individual do Diretor, que seleciona e tem o poder de escolha e, acima de tudo, de criação. Se ele falar haja luz, a luz será feita; atue desta maneira, a atuação será seguida; faça-se a montagem, a edição será feita.

Para ver: Fellini-8 ½ (Federico Fellini, Itália, 1963)
Para ler: O prazer dos olhos: escritos sobre Cinema (François Truffaut, Jorge Zahar editora, 2006)

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