Quando vamos ao cinema para assistir a um determinado filme, vemos uma obra coesa e temos a impressão de vê-la em sua globalidade, em sua síntese. Contudo, a obra cinematográfica, já no seu processo de criação, é constituída por partes segmentadas. O filme é dividido em partes separadas, que se dividem em seqüências, cada seqüência se divide em cenas e, por fim, as cenas são construídas a partir de séries de planos filmados de diversos ângulos. Um dos grandes teóricos, e também diretor de cinema, a tratar da questão da montagem cinematográfica foi o russo Vsevolod Pudovkin (1893-1953), que junto com Sergei Eisenstein (1898-1948) são os maiores expoentes da Teoria Clássica Soviética do Cinema, que teve o seu auge na década de vinte do século passado.
Pudovkin afirma que a ação de filmar diversos ângulos gera planos, que, em série, formam seqüências, que geram cenas. A relação sintética entre estes elementos estruturais é sustentada pela montagem. Ou seja, o diretor monta o filme a partir do elemento estrutural mínimo, que é o plano, até chegar às seqüências e às cenas. Ele ressalta que o objetivo da montagem é mostrar o desenvolvimento da cena como se fosse em relevo, conduzindo a atenção do espectador.
A técnica cinematográfica permite filmar cenas em pedaços separados que, ao final, são montados para a exibição. A montagem constrói as cenas a partir de planos separados, no qual cada plano concentra a atenção do espectador apenas para os elementos relevantes para a ação. Pudovkin salienta que a seqüência desses planos não deve ser aleatória, mas sim deve corresponder à transparência natural de um, segundo a sua terminologia, “observador imaginário”. Ele nos dá um exemplo que, quando um determinado personagem vira a cabeça para olhar algo, deve-se mostrar o que ele vê. Deste modo, primeiro, mostra-se, em um plano, a sua cabeça se virando para olhar algo, em seguida, no plano seguinte, mostra-se o seu rosto para, por fim, no terceiro plano da sequência, mostrar a direção do olhar.
O Cinema possui como uma de suas principais características a capacidade de dirigir a atenção do espectador para os diferentes elementos que se sucedem no desenvolvimento de uma ação segundo os diferentes tipos de planos (plano-médio, plano-americano, plano geral, primeiro-plano, plano de conjunto). É necessário compreender que a montagem significa a direção deliberada e compulsória dos pensamentos e associações do espectador. Para Pudovkin, a arte do diretor consiste na sua faculdade de criar a partir de planos separados e, depois, reuni-los de acordo com as técnicas de montagem, criando, desta forma, a obra cinematográfica. A montagem, deste modo, combina elementos segmentados numa síntese significativa, num todo artístico, coeso e expressivo. Podemos notar que a concepção de montagem de Pudovkin era semelhante a de Eisenstein. No entanto, Pudovkin dava mais ênfase à ligação mental entre planos, ao passo que Eisenstein frisava o impacto mental entre eles, ou seja, a capacidade que A + B têm de criar um significado C.
Para Eisenstein, assim como para o também teórico Lev Kuleshov (1899-1970), o que caracterizava e particularizava a linguagem cinematográfica em relações às outras artes é justamente a montagem e a capacidade que ela tem de gerar significados a partir da justaposição de imagens em uma relação horizontal de planos. Tal preposição foi feita segundo bases empíricas e ficou conhecida como “Efeito Kuleshov”, no qual se pegarmos uma imagem em primeiro-plano de uma mulher e justapormos a uma imagem de um velório, e voltarmos para o plano inicial da mulher, o espectador achará que a ela está triste. Mas, se pegarmos o mesmo plano com a imagem da mulher e justapormos a um plano com a imagem de uma mesa de comida e depois voltarmos para o plano inicial, o espectador acreditará que a mulher está com fome.
Para Pudovkin, a montagem era responsável por criar a síntese mental da ação na cabeça do espectador. A representação de uma ação, ao longo de um conjunto de planos, deveria respeitar uma continuidade de ação, para que, assim, o realismo dos fatos e das ações fosse natural para o espectador. Nesta perspectiva, uma ação de dois homens (um de frente para o outro) se cumprimentando, que se inicia no plano-médio A, ao ser cortada, em um plano B, para o aperto de mãos, tendo um plano-detalhe (close), ela não deve dar a impressão de descontinuidade, de modo que onde termina a ação no plano A deve ser o início da mesma no plano B, mesmo tendo a passagem de um plano-médio para um primeiro-plano. Assim, a montagem reforça a ligação entre os planos.
O filme, no seu processo de criação, é segmentado em partes que, ao final do processo, devido à montagem, possui uma forma coesa e sintética. O diretor parte da seleção dos ângulos para formar os planos, que, por sua vez, constituem as seqüências, para criar as cenas e, ao final, conceber a obra cinematográfica. A teoria da montagem estrutural de Pudovkin, juntamente com a de Eisenstein, criou uma nova técnica cinematográfica a partir da segmentação dos elementos estruturais fílmicos e posterior montagem destes mesmos elementos. Tal técnica deu uma enorme contribuição para a teoria do cinema e, conseqüentemente, para a evolução artística da Sétima Arte.
Para ver: Acossado (Direção: Jean-Luc Godard, França, 1960)
Para ler: Reflexões sobre a montagem cinematográfica. (Eduardo Leone, Editora da UFMG, 2005)