O Efeito de Realidade no Cinema

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No dia 28 de dezembro de 1895, no subsolo do Grand Café na região do Boulevard des Capucines, em Paris, houve a primeira exibição de um filme aberta ao público em um local apropriado. Alguns espectadores compareceram ao local com o intuito de verificar de perto a mais nova invenção que prometia, não só copiar, mas também reproduzir elementos do real. Para o espanto da maioria dos presentes, ao assistirem a exibição de “A Saída da Fábrica Lumière em Lyon” (La Sortie de l'usine Lumière à Lyon), era o real reproduzido de forma mais mimética do que a fotografia. No entanto, o principal choque viria na segunda sessão, no dia 6 de janeiro de 1896, quando foi exibido o filme “A chegada do trem na estação” (L'Arrivée d'un train à La Ciotat); o pânico foi geral, pois a maioria dos presentes, que pagaram o valor de 1 franco para a sessão, se assustou com a imagem de um trem indo em direção à objetiva da câmera, o que os fizeram acreditar que o trem estava vindo em sua direção.

Os responsáveis pelo feito foram os irmãos Auguste (1862-1954) e Louis Lumière (1864-1948) que criaram o cinematógrafo: um equipamento que não só captava imagens em fotogramas, mas também as projetava em uma dada sequência, o que cria a ilusão de movimento e o efeito de realidade. Dois elementos estes que sustentam a relação do espectador com o filme e dois dos mais teorizados e discutidos pelos teóricos ao longo de mais de 100 anos, representados pela polarização entre Cinema naturalista versus Cinema realista. 

Nos seus primórdios, o que diferenciava o Cinema da Fotografia era a ilusão de movimento. Enquanto a Fotografia captura o real em um único fotograma retido em um instante singular e estático com um tempo e um espaço delimitado, no Cinema havia o movimento, o que tornava a obra fílmica mais realista do que a obra fotográfica. No entanto, o que cria a ilusão de movimento é, paradoxalmente, um efeito de ilusão, chamado “efeito phi”, criado pelo nosso cérebro. Ao projetarmos, convencionalmente, 24 fotogramas, separados por 1/24 avos de uma fita preta, em uma dada sequência, o cérebro não vai reconhecê-las, o que criará uma percepção em sequência dos fotogramas e uma, consequente, ilusão de movimento. 

A ilusão de movimento é o ponto de sustentação do efeito de realidade no Cinema. A obra cinematográfica ganhou o status de reprodutora fiel do real, o que provocou não só o pânico nos espectadores nas primeiras sessões de cinema dos irmãos Lumière, mas também alguns posicionamentos de teóricos e de cineastas acerca de como isto pode afetar e direcionar a relação do espectador com a obra fílmica. Uma problemática surgiu: devido à excelente capacidade do Cinema de criar um efeito de realidade, os espectadores poderiam se identificar com a obra, como também serem manipulados, pois acreditariam que o que estão vendo é real e, portanto, verdadeiro, o que poderia sancionar mentiras e fomentar determinados posicionamentos ideológicos. Eis que é introduzida a questão do Cinema como um veículo ideológico, polarizada, inicialmente, entre Cinema naturalista versus Cinema realista. 

No Cinema naturalista, há a naturalização dos elementos da linguagem cinematográfica, de modo que todos eles devem se tornar imperceptíveis para o espectador, o que aumentaria o efeito de realidade produzido pela obra fílmica. Todos os elementos devem ser naturais, tais como a interpretação dos atores, os planos e os ângulos, além da ocorrência de um Cinema de gênero, pautados em gêneros fixos e padronizados, de fácil assimilação do público. Os críticos ao Cinema naturalista alegam que ele pode ser um veiculador de determinadas posições ideológicas, principalmente as ligadas à ideologia burguesa, podendo sancionar uma mentira, ou um posicionamento, ou até mesmo valores, é o que ocorre nitidamente com o cinema hollywoodiano, historicamente. 

Em contraponto ao Cinema naturalista, há adeptos do realismo, das vanguardas, e do Cinema moderno; que, em geral, se posicionam de maneira contrária ao naturalismo cinematográfico. Para eles, principalmente para os realistas, o cinema naturalista manipula o real ideologicamente, sancionando mentiras. O realismo cinematográfico coloca a realidade objetiva em destaque e, ao mesmo tempo, destaca que o que está sendo mostrado não é algo inquestionável, mas sim uma narrativa que pretende ser uma representação do real, não o próprio real, de modo que o mise-en-scène cinematográfico deve ser exposto para o público, o que pode gerar a desconstrução da linguagem cinematográfica e/ou o efeito de estranhamento no espectador. 

A ilusão de movimento é o principal fator que sustenta o efeito de realidade no Cinema. O espectador tende a acreditar que o que está sendo exibido é real e não uma representação da realidade feita por um sistema de significação, o que pode gerar visões orientadas e manipuladas da realidade segundo posturas ideológicas. A base da oposição entre Cinema naturalista versus Cinema realista centra-se na questão do efeito de realidade e na capacidade do discurso cinematográfico de criar o efeito de real e a identificação no espectador. Mas, assim como René Magritte pinta e escreve em um quadro “Isto não é um cachimbo” (Ceci n'est pas une pipe), o que é representado no filme não é o real.


A Saída da Fábrica Lumière em Lyon


A Chegada do Trem na Estação

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