Federico, O Fellini

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Federico Fellini (1920-1993) é o cineasta mais expressivo do cinema italiano. Sua filmografia é uma das mais ricas da Sétima Arte. O nome do cineasta italiano é freqüentemente colocado nas listas de “melhores cineastas de todos os tempos”. Em um período de nove anos (de 1954 a 1963), Fellini teve o seu auge criativo com a realização de quatro filmes: “A Estrada da Vida” (La Strada, 1954); “As Noites de Cabiria” (Le Notti di Cabiria, 1957); “A Doce Vida” (La Dolce Vita, 1960) e “Fellini-8 ½” (1963), passando do neo-realismo italiano para o desenvolvimento do que se chamou de “felliniano”, marcado por um cinema mais autoral. 

As características do filme “As Noites de Cabiria” segue os preceitos neo-realistas. Há apenas um núcleo narrativo, visto que acompanhamos apenas a história de Cabiria. A narrativa se configura a partir de episódios que se contrastam ou se complementam. As ações são bastante dramatizadas, gerando um efeito sinestésico no público, que vai da angústia pelos infortúnios da prostituta à esperança de felicidade de Cabiria; com a freqüente quebra de expectativa. No entanto, em “A Estrada da Vida” e em “As noites de Cabiria”, Fellini começa a desenvolver e a configurar alguns aspectos fílmicos que culminariam com o abandono do neo-realismo e o advento do adjetivo (o correto seria dizer estética) felliniano. Pode-se afirmar, desta forma, que nestes dois filmes, há o neo-realismo felliniano que destoa, em termos, do neo-realismo representado por Vittorio de Sicca (1901-1974), Roberto Rossellini (1906-1977) e Luchino Visconti (1906-1976). 

Em “A doce vida”, Fellini faz uma análise da sociedade contemporânea, do cotidiano de Roma no final da década de cinqüenta do século passado. Marcello, interpretado por Marcello Mastroianni, representa o homem que se configura a partir do século XX, moldado pela sociedade do espetáculo, onde tudo são aparências e as ações sem sentido. Nada faz sentido para Marcello, mas o espetáculo da vida é, aparentemente, doce. Mas a doçura é melancolia, de modo que o doce não é tão doce, mas também não é amargo; não há gosto nenhum. As relações humanas são vazias, sem sentido; o espetáculo tudo banaliza. Não importa se a ação ocorra na pobre periferia, ou nos castelos, ou ainda na Via Venetto; o homem é demasiado humano: medíocre como protagonista do seu próprio espetáculo. 

Para o seu oitavo filme Fellini deu o nome de 8 ½, sendo os seus sete filmes anteriores: “Mulheres e luzes” (Luci Del verità, 1950); “Abismo de um sonho” (Le sceicco bianco, 1952); “Os Boas Vidas” (I Vitelloni, 1953); “A estrada da vida” (La strada, 1954); “A trapaça” (Il bidone, 1955); “As noites de Cabíria” (Le notti di Cabiria, 1957); “A doce vida” (La dolce vita, 1959). 8 ½ narra a tentativa do cineasta Guido (Marcello Mastroianni) de fazer um filme. Mas, há muitos obstáculos de ordem técnica, criativa e de ordem pessoal. Em meio a uma crise de inspiração, Guido tem que fazer escolhas, escrever o roteiro, dar andamento às filmagens. No entanto, ele possui um bloqueio criativo, neste momento, ele se volta para lembranças da sua infância, para devaneios, que, ao invés de ser um escapismo, se mostram como uma solução para as suas dúvidas e uma explicação para os seus anseios profissionais e pessoais. Porém nunca é mostrado o filme sendo feito. 

A qualidade de um Artista e, acima de tudo, de sua obra se sustentam também a partir do impacto que ambos produzem no público e com o seu diálogo com a sociedade. Alguns dos seus elementos se desprendem da obra e passam a integrá-la, seja através de conceitos, idéias ou, até mesmo, expressões. Alguns artistas possuem os nomes transformados em adjetivos, temos o kafkaniano, o byroniano, o felliniano; assim também como algumas obras: há o quixotesco, o karamazoviano. No caso de “A doce vida”, o adjetivo “paparazzi” foi retirado do seu conteúdo devido ao personagem Paolo Paparazzo (Walter Santesso). O adjetivo tornou-se sinônimo de foto jornalista que “persegue” celebridades. 


No caso de Federico Fellini, o filme 8 ½ representa uma cisão com a estética do neo-realismo. Seus primeiros filmes são fortemente influenciados pelo neo-realismo, contudo, a partir de “A estrada da vida” e de “As noites de Cabíria”, Fellini começou a desenvolver recursos e técnicas cinematográficas, além de narrativas, próprias. Estes dois filmes destoam-se do neo-realismo, mas não fogem. O diretor caminhou da estética neo-realista para uma estética cinematográfica própria, única e singular, desenvolvendo, nos seus filmes seguintes, principalmente em “Fellini-Satyricon” (1969); “Os Palhaços” (I Clown, 1970); “Fellini-Amarcord” (973); e em “A cidade das mulheres” (La città delle donne, 980) o adjetivo “felliniano, no qual ele constrói o sagrado e o profano de forma carnavalizada. O sagrado está no reino do profano e o profano está no reino do sagrado. Outro fator que contribui para o adjetivo felliniano é o devaneio que preenche as lacunas da memória, mostrando os acontecimentos como ele deveria ser: algo que somente a Arte e a manifestação artística pode fazer.

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