Alegorias do subdesenvolvimento |
O Cinema Brasileiro, em grande parte de sua história, foi marcado pelas condições adversas do subdesenvolvimento, no qual não só a incapacidade de produção e organização social brasileira eram marcas de uma situação crônica de dependência de potências estrangeiras, seja no período colonial em relação à Portugal, ou no século XX em relação aos EUA; mas, também, a dependência cultural. As marcas do subdesenvolvimento se mostram visíveis dentro do Cinema nacional, que não possuía, em grande parte de sua história e em menor proporção atualmente, uma estrutura de produção, um sistema de distribuição e um público formado. Neste contexto, fazer Cinema é enfrentar o subdesenvolvimento, seja através da “Estética da fome” de Glauber Rocha (1939-1981), ou da persistência da produção cinematográfica, como é o caso de diretores como Nelson Pereira dos Santos (1928-) e Carlos Reichenbach (1945-2012).
Glauber Rocha |
Carlos Reichenbach não possui o impacto e a genialidade suprema de Glauber Rocha, que foi um dos cineastas representantes do principal movimento artístico cinematográfico brasileiro, e um dos mais importantes da segunda metade do século XX, conhecido como Cinema Novo. Os cinemanovistas lutavam, justamente, contra as situações adversas do subdesenvolvimento social e cultural brasileiro. Ou ainda a grandiosidade de Nelson Pereira dos Santos, que dirigiu obras como “Rio, 40 Graus” (1955), que é precursora do Cinema Novo; e “Vidas Secas” (1963), um dos filmes mais importantes e mais premiados do Cinema brasileiro, ou ainda o antropofágico “Como Era Gostoso o Meu Francês” (1971).
Carlos Reichenbach |
No entanto, Reichenbach tem a constância da produção cinematográfica, produzindo mais de vinte e cinco filmes em quarenta anos, desde o seu primeiro filme “Esta Rua tão Augusta”, em 1967; ao seu último: “Falsa Loura”, em 2007. O Cineasta passou por diversos movimentos cinematográficos que vão do Cinema Marginal (1968-1973) com filmes como “Lilian M: Relatório Confidencial” (1973); da Boca do Lixo (década de 1970) com a produção “Sede de Amar” (1979); pela Pornochanchada (final da década de 1970 e início da de 1980) com produções como “A Ilha dos Prazeres proibidos” (1979) ou ainda “Extremo do Prazer” (1984); pela “Era Collor” (1990-1992); pelo Movimento da Retomada do Cinema brasileiro (1992-2003), destacando-se “Alma Corsária” (1993) e “Dois Córregos” (1999); e, por fim, pelo Cinema dos anos 2.000, baseado nas leis de incentivos fiscais, com os filmes “Garotas do ABC” (2003) e “Falsa Loura” (2007).
Cartaz de Lilian M |
“Lilian M: Relatório Confidencial” (1973) é o filme que marca a passagem de Carlos Reichenbach pelo Movimento Marginal, que tem como um dos marcos o filme “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), de Rogério Sganzerla (1946-2004); e destaque para a produção “Matou a família e foi ao cinema” (1969), dirigido por Júlio Bressane (1946-). A estética do Cinema Marginal é marcada pelo grotesco e pelo afastamento em relação ao público. Se o Cinema Novo buscava transformar a sociedade brasileira, representando as contradições sociais, os adeptos do Cinema Marginal já não viam mais esperanças ou soluções, restando-lhes, como diz o famoso Bandido da luz vermelha, “Avacalhar tudo”. “Lilian M” é todo narrado em flashback, portanto, sem uma narrativa linear e com uma estrutura padrão.
Zilda Mayo |
Carlos Reichenbach ganhou destaque pelas suas produções dentro da Boca do Lixo e, principalmente, pelos filmes produzidos dentro da estética da Pornochanchada. Filmes como “A Ilha dos Prazeres proibidos” (1979), que conta com uma participação da atriz araraquarense Zilda Mayo, que ainda trabalhou com o diretor no episódio "Rainha do Fliperama", no filme “As Safadas” (1982); são exemplos de produções com apelo popular e comercial. A Pornochanchada é fusão da chanchada, marcada pela comédia e por gêneros voltados para o exotismo, com o pornô de apelo sexual de cunho erótico softcore.
Falsa Loura |
Por seu turno, Carlos Reichenbach volta a ganhar destaque de público já nos anos 2.000, com filmes financiados por leis de incentivos fiscais, o que lhe propicia desenvolver melhor a sua concepção de Cinema, pois há recursos financeiros e técnicos. Deste período, destacam-se as produções “Garotas do ABC” (2003), que devido a sua temática trabalhada, principalmente a de ações neonazistas na região do ABC, e a da classe proletária feminina, ganhou projeção nacional. Ou ainda “Falsa Loura” (2007) que novamente, assim como “Garotas do ABC”, possuem personagens femininas fortes, que transitam entre o Eros e a labuta, ou seja, entre o prazer e o trabalho, o sonho e a realidade.
Carlão |
No Brasil, fazer Cinema é estar à margem. Há uma luta constante contra as condições do subdesenvolvimento, contra a dominação de mercado hollywoodiano, contra a globo filmes, etc. Carlos Reichenbach é um cineasta importante para a história do Cinema brasileiro, sua produção cinematográfica perpassa diversos movimentos e estéticas cinematográficas ao longo de quarenta anos de produção, passando pelo Cinema Marginal, pela Boca do Lixo, pela Pornochanchada, sempre com a postura autoral e com a proposta de um Cinema de Autor. Ou seja, o Cinema enquanto expressão artística, mesmo em situações adversas: de produção, de filmagem, de montagem, de exibição. Situações que Carlão sempre enfrentou.
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