Michael Winterbottom e o Cinema Inglês

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O Cinema inglês, ao longo de sua história, possui alguns cineastas de destaque, tais como Alfred Hitchcock (1899-1980) e Charlie Chaplin (1889-1977), que fizeram sucesso também na indústria hollywoodiana; ou ainda Ken Loach (1936-) responsável por dirigir filmes de cunho político de esquerda, como “Terra e Liberdade” (Land and Freedom, U.K, 1995), “Pão e Rosas" (Bread and Roses, U.K, 2000) e “Ventos da Liberdade” (The Wind that Shakes the Barley, U.K, 2006). Nos últimos vinte anos, o cineasta que mais se destaca dentro do Cinema inglês é Michael Winterbottom (1961-), que dirigiu ao todo vinte filmes, com destaque para as produções “Bem-vindo a Sarajevo” (Welcome to Sarajevo, U.K, 1997), “Neste Mundo” (In This World, U.K, 2003), “9 Canções” (9 Songs, U.K, 2004) e “Caminho para Guantánamo” (The Road to Guantanamo, U.K, 2006), merecendo especial atenção “A Festa Nunca Termina” (24 Hour Party People, U.K, 2002). 

“A Festa Nunca Termina” é o filme de Michael Winterbottom mais conhecido pelo grande público. Ele narra a história da cena roqueira da cidade inglesa de Manchester entre o final da década de 1970 e o início da década de 1990, apresentando personagens e bandas, mas, sendo a música a personagem principal. Acompanhamos os fatos a partir da óptica de Tony Wilson, interpretado por Steve Coogan, que é jornalista da TV Granada e, após assistir com outras quarenta e uma pessoas, no dia 04 de junho de 1976, ao show dos Sex Pistols em Manchester, resolve criar uma gravadora independente, a Factory Records. A gravadora foi um dos elementos catalisadores da cena musical da cidade e responsável por lançar bandas como Joy Division, New Order, Happy Mondays e A Certain Ratio e The Durutti Column. 

O roteiro do filme se estrutura a partir de três atos mais um prólogo e um epílogo, ou seja, com uma introdução e três partes bem definidas, além de uma conclusão. No prólogo, antes dos créditos iniciais, há a apresentação da personagem de Tony Wilson, ele deve fazer uma reportagem sobre como é voar de asa delta, há uma analogia com o mito de Ícaro, o filho de Dédalo, que voou muito próximo ao sol e morreu. O que vemos é a reportagem, em seguida, Tony olha para a câmera e diz o que será mostrado no filme, quem são as personagens principais, sobem os créditos iniciais. 

No primeiro ato, têm-se a apresentação das personagens e as suas motivações, neste caso, motivações surgidas a partir do impacto do show dos Sex Pistols em Manchester, em 1976. No show haviam, dentre as quarenta e duas pessoas que compareceram ao evento, algumas que serão importantes ao longo da história e do primeiro ato, como Ian Curtis (1956-1980) que formaria com Peter Hook e Bernard Sumner a banda Joy Division. Outra personagem importante, que a todo o momento é o caracterizado como um dos gênios da música, é o produtor musical da Factory Records Martin Hannett (1948-1991), que merece estar ao nível de produtores como George Martin, Tom Wilson, Sam Phillips e Rick Rubin. O ato termina com o suicídio de Ian Curtis, cobrindo, deste modo, quatro anos de acontecimentos. 

O segundo ato se inicia com Tony Wilson introduzindo as personagens principais do ato: os irmãos Shaun Ryder e Paul Ryder, que são, respectivamente, vocalista e baixista da banda Happy Mondays. Gravações e uma turnê da banda são mostradas, além das insanidades pitorescas de Shaun Ryder. Com o fim do Joy Division, os músicos restantes formam a New Order e lançam o single “Blue Monday”, mas o destaque fica por conta dos irmãos Ryder, sendo Sahun considerado, por Tony Wilson, um gênio e o “maior poeta desde o poeta W.B. Yeats”. A banda contava ainda com o dançarino e tocador de maracas Bez. 

Um fato interessante é que o título do filme “24 Hour Party People” foi retirado de uma música homônima do Happy Mondays e o seu grande mérito foi ser uma das influências de outras bandas de Manchester, que seriam um dos pilares do Britpop da década de 1990, como Stone Roses e Primal Scream. Já o terceiro ato se centra na gravadora Factory Records e na casa de shows Haçienda, uma das gestoras do Tecnopop e da música eletrônica centrada no DJ. No ato final, há a queda da gravadora, da casa de shows e a morte de Martin Hannett. No epílogo, Tony Wilson faz um comentário de tudo o que ocorreu nos últimos dezessete anos e se encontra com Deus, que tem a sua imagem e semelhança. 

Michael Winterbottom é um diretor que mescla elementos da cultura inglesa e da conjuntura política internacional. O seu estilo cinematográfico é baseado na junção de técnicas de documentários e dramas, o que dá um tom mais realista para obra, juntamente com recursos de televisão, pois em alguns momentos do filme “A Festa Nunca Termina” há uma reportagem dentro do filme. Outro ponto interessante é o recurso do narrador no filme. Tony se comporta como um narrador intruso, que a todo o momento comenta a ação que acabou de ocorrer e antecipa alguns acontecimentos que virão. Por fim, como mostrado no filme, a festa nunca termina em Manchester, pois todo um processo iniciado no dia 04 de junho de 1976 repercutiu por vinte anos, até o surgimento do Britpop.

Trailer do filme

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