Werner Herzog é um cineasta muito prolífero. Em mais de cinquenta anos de carreira, dirigiu dezenas de filmes em diversos gêneros cinematográficos, desde documentários, como, por exemplo, “O Homem Urso” (Grizzly Man, EUA, 2005) ou ainda “A Caverna dos sonhos perdidos” (Cave of Forgotten Dreams, EUA, 2010), como também “Meu Melhor Inimigo” (Mein Liebster Feind: Klaus Kinski, Alemanha, 1999). Dirigiu dramas como “Stroszek” (Alemanha, 1977) e “O Enigma de Kaspar Hauser” (Jeder für Sich und Gott Gegen Alle, Alemanha, 1974), que possui uma relação com a cidade de Araraquara. Aventurou-se na direção de filmes de terror como “Nosferatu: O Vampiro da Noite” (Nosferatu: Phantom der Nacht, Alemanha, 1979), uma refilmagem do clássico do expressionismo alemão "Nosferatu" (Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens, Alemanha, 1922), de F.W. Murnau (1888-1931).
“Aguirre, a cólera dos Deuses” pode ser considerado um filme épico, mas de baixo orçamento. A narrativa se inicia em 1560, com uma comitiva de exploradores espanhóis acompanhados de nativos Incas, com toda uma logística com Llamas, animais, suprimentos, etc, descendo a cordilheira dos Andes peruana em direção à espessa floresta Amazônica com o objetivo de encontrar a lendária cidade de Eldorado. A expedição é coordenada por Gonzalo Pizarro e conta com Dom Pedro de Urzúa (Ruy Guerra) e Lope de Aguirre (Klaus Kinski) como chefes, sendo os responsáveis por descer o rio e encontrar a “Cidade de ouro”. Na descida, encontram diversos obstáculos, o rio é traiçoeiro, revoltoso, depois, calmo. Há o encontro com tribos indígenas canibais e adversidades provocadas pelo rio e pela selva.
A narrativa do filme foi inspirada na obra “Relación del nuevo descubrimiento del famoso río Grande que descubrió por muy gran ventura el capitán Francisco de Orellana” do missionário espanhol Frei Gaspar de Carvajal (1504-1584). Uma obra típica das crônicas de viagem dos conquistadores espanhóis que se aventuraram pela região nos primeiros anos do século XVI. Por isso, no filme há a recorrência da voz-off, representando um narrador que estaria lendo em um espaço-off fragmentos da obra, o que reforça o tipo de narrador recorrente nas crônicas de viagem.
Em relação aos aspectos formais do discurso cinematográfico, é interessante destacar os elementos que constituem algumas das principais características do Cinema Novo Alemão, que tem as suas raízes na Nouvelle Vague Francesa, tais como a opacidade do discurso cinematográfico, em oposição à transparência. Herzog se utiliza de recursos de movimentação de câmeras, câmera na mão e, até mesmo, a quebra do efeito de realidade quando a personagem Aguirre olha para a objetiva da câmera, o que cria um discurso oposto ao do cinema naturalista, muito utilizado pelo cinema comercial e repudiado pelos adeptos das correntes do Cinema moderno vindos da esteira da “Nova Onda” francesa, como também o Cinema Novo brasileiro. O importante é a expressão, a subjetividade do discurso cinematográfico; o Cinema como Arte.
Um dos pontos interessantes do filme é uma alusão ao famoso episódio histórico conhecido como “Encontro de Cajamarca” (1532), onde o conquistador espanhol Francisco Pizarro (1476-1541) capturou o imperador Inca Atahualpa (1502-1533). No encontro, os espanhóis ordenam para Atahualpa se converter ao cristianismo, dando-lhe uma bíblia nas mãos. Intrigado, o imperador pega a bíblia; alguns relatos dizem que o imperador Inca joga a bíblia ao chão, outros que isto foi apenas um pretexto para os espanhóis declarassem guerra e conquistassem os Incas. No filme, “Aguirre, a cólera dos deuses” há uma cena que reproduz de forma livre o encontro, de modo que um nativo de tribos amazônicas tenta estabelecer contato com Aguirre e seus homens. No diálogo, dão-lhe uma bíblia que acaba caindo de suas mãos, o que é motivo para o seu rápido assassinato.
Em “Aguirre, a Cólera dos Deuses”, os exploradores não encontram o Eldorado, nem ouro, ou riquezas, ou mesmo glória. Há apenas a fome, a miséria, a insanidade e a loucura de Aguirre, que julga ter a cólera dos deuses. No entanto, a sua queda, como a de todo herói que ousa desafiar os deuses, é a perdição na sua própria loucura e a não realizada ambição. No final, o rio continua o seu curso, os homens não; no coração da floresta, as trevas surgem no coração dos homens. A “terceira margem do rio” é a loucura, a cólera: de Aguirre, da Floresta, dos Deuses.