“Aguirre, a Cólera dos Deuses” (Aguirre, der Zorn Gottes, Alemanha, 1972) é um filme dirigido pelo cineasta alemão Werner Herzog (1942-) que narra a tentativa de exploradores espanhóis de encontrarem a mítica cidade de Eldorado na selva amazônica ao longo do curso do rio Amazonas. O filme é a primeira grande obra de Herzog, sendo responsável por projetá-lo internacionalmente como um dos grandes diretores alemães da sua geração ao lado de nomes como: Rainer Werner Fassbinder (1945-1982) e Wim Wenders (1945-). Os três diretores (Herzog, Wenders e Fassbinder) ficaram conhecidos como representantes do Novo Cinema Alemão, que ganhou destaque nas décadas de 1960 e 1970.

Werner Herzog é um cineasta muito prolífero. Em mais de cinquenta anos de carreira, dirigiu dezenas de filmes em diversos gêneros cinematográficos, desde documentários, como, por exemplo, “O Homem Urso” (
Grizzly Man, EUA, 2005) ou ainda “A Caverna dos sonhos perdidos” (
Cave of Forgotten Dreams, EUA, 2010), como também “Meu Melhor Inimigo” (
Mein Liebster Feind: Klaus Kinski, Alemanha, 1999). Dirigiu dramas como “Stroszek” (Alemanha, 1977) e “O Enigma de Kaspar Hauser” (
Jeder für Sich und Gott Gegen Alle, Alemanha, 1974), que possui uma relação com a cidade de Araraquara. Aventurou-se na direção de filmes de terror como “Nosferatu: O Vampiro da Noite” (
Nosferatu: Phantom der Nacht, Alemanha, 1979), uma refilmagem do clássico do expressionismo alemão "Nosferatu" (
Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens, Alemanha, 1922), de F.W. Murnau (1888-1931).

“Aguirre, a cólera dos Deuses” pode ser considerado um filme épico, mas de baixo orçamento. A narrativa se inicia em 1560, com uma comitiva de exploradores espanhóis acompanhados de nativos Incas, com toda uma logística com Llamas, animais, suprimentos, etc, descendo a cordilheira dos Andes peruana em direção à espessa floresta Amazônica com o objetivo de encontrar a lendária cidade de Eldorado. A expedição é coordenada por Gonzalo Pizarro e conta com Dom Pedro de Urzúa (Ruy Guerra) e Lope de Aguirre (Klaus Kinski) como chefes, sendo os responsáveis por descer o rio e encontrar a “Cidade de ouro”. Na descida, encontram diversos obstáculos, o rio é traiçoeiro, revoltoso, depois, calmo. Há o encontro com tribos indígenas canibais e adversidades provocadas pelo rio e pela selva.

A narrativa do filme foi inspirada na obra “
Relación del nuevo descubrimiento del famoso río Grande que descubrió por muy gran ventura el capitán Francisco de Orellana” do missionário espanhol Frei Gaspar de Carvajal (1504-1584). Uma obra típica das crônicas de viagem dos conquistadores espanhóis que se aventuraram pela região nos primeiros anos do século XVI. Por isso, no filme há a recorrência da voz-off, representando um narrador que estaria lendo em um espaço-off fragmentos da obra, o que reforça o tipo de narrador recorrente nas crônicas de viagem.

Em relação aos aspectos formais do discurso cinematográfico, é interessante destacar os elementos que constituem algumas das principais características do Cinema Novo Alemão, que tem as suas raízes na
Nouvelle Vague Francesa, tais como a opacidade do discurso cinematográfico, em oposição à transparência. Herzog se utiliza de recursos de movimentação de câmeras, câmera na mão e, até mesmo, a quebra do efeito de realidade quando a personagem Aguirre olha para a objetiva da câmera, o que cria um discurso oposto ao do cinema naturalista, muito utilizado pelo cinema comercial e repudiado pelos adeptos das correntes do Cinema moderno vindos da esteira da “Nova Onda” francesa, como também o Cinema Novo brasileiro. O importante é a expressão, a subjetividade do discurso cinematográfico; o Cinema como Arte.

Um dos pontos interessantes do filme é uma alusão ao famoso episódio histórico conhecido como “Encontro de Cajamarca” (1532), onde o conquistador espanhol Francisco Pizarro (1476-1541) capturou o imperador Inca Atahualpa (1502-1533). No encontro, os espanhóis ordenam para Atahualpa se converter ao cristianismo, dando-lhe uma bíblia nas mãos. Intrigado, o imperador pega a bíblia; alguns relatos dizem que o imperador Inca joga a bíblia ao chão, outros que isto foi apenas um pretexto para os espanhóis declarassem guerra e conquistassem os Incas. No filme, “Aguirre, a cólera dos deuses” há uma cena que reproduz de forma livre o encontro, de modo que um nativo de tribos amazônicas tenta estabelecer contato com Aguirre e seus homens. No diálogo, dão-lhe uma bíblia que acaba caindo de suas mãos, o que é motivo para o seu rápido assassinato.

Em “Aguirre, a Cólera dos Deuses”, os exploradores não encontram o Eldorado, nem ouro, ou riquezas, ou mesmo glória. Há apenas a fome, a miséria, a insanidade e a loucura de Aguirre, que julga ter a cólera dos deuses. No entanto, a sua queda, como a de todo herói que ousa desafiar os deuses, é a perdição na sua própria loucura e a não realizada ambição. No final, o rio continua o seu curso, os homens não; no coração da floresta, as trevas surgem no coração dos homens. A “terceira margem do rio” é a loucura, a cólera: de Aguirre, da Floresta, dos Deuses.
0 comentários:
Postar um comentário