Na sua obra “As
Veias Abertas da América Latina”, o escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-)
afirma que a América Latina é a região das veias abertas. Desde “o
descobrimento” até os nossos dias atuais, todas as riquezas materiais e humanas
são exploradas e subjugadas, gerando atraso e miséria para os países
latino-americanos, e, por seu turno, produzindo riqueza para os exploradores,
antigos ou modernos. No filme “Também a Chuva” (También la lluvia, 2010), da diretora e atriz espanhola Icíar
Bollaín (1967-), há a denúncia da exploração pelo qual os países
latino-americanos sofrem devido à ação do capital estrangeiro e de multinacionais
na apropriação de recursos naturais, como “até mesmo a água da chuva”.
A narrativa do filme possui três eixos: o primeiro baseado em uma história real conhecida como “Guerra da Água”, que ocorreu no ano 2.000 na cidade boliviana de Cochabamba, onde a população se organizou e lutou contra a privatização do Departamento de Água da cidade; o segundo relata a história da chegada dos espanhóis no continente americano, no final do século XV e início do século XVI, mostrando personagens como Cristovão Colombo (1451-1506), Frei Bartolomeu de las Casas (1474-1566), Frei António de Montesinos (1475-1540) e o líder da tribo Taíno da Ilha de Cuba conhecido como Hatuey; e o terceiro, a tentativa de uma equipe cinematográfica de realizar um filme contando os primeiros anos da colonização através das figuras de Colombo, Bartolomeu de las Casas, Montesinos e Hatuey.
O filme se inicia com a equipe cinematográfica chegando à Cochabamba para realizar um filme sobre a chegada dos exploradores espanhóis no continente americano. O diretor Sebastián, interpretado pelo ator mexicano Gael García Bernal (1978-), e o produtor Costa, interpretado pelo ator espanhol Luis Tosar (1971-), são os principais membros da equipe de filmagem; juntamente com os atores e profissionais ensaiam e realizam a produção, filmagem e pós-produção. Os produtores decidem filmar na cidade boliviana e não nas ilhas do Caribe, pois os custos de filmagem são menores, visto que tanto a mão-de-obra quanto os recursos materiais para rodar o filme são abundantes e baratos.
Em meio à miséria da população há o contraste entre os membros da equipe de filmagem e a população local. O objetivo de Sebastiana e de Costa é o de apenas terminar as filmagens, enquanto dos habitantes é o de sobreviver contra a pobreza e a exploração. A população se organiza, um dos representantes da população é Daniel, um descendente dos Quéchua, ele é um dos grandes lutadores contra os desmandos políticos em favor do capital estrangeiro, interpretando ainda o líder Hatuey da tribo Taíno no filme, que está sendo filmado por Sebastián. A história se repete, assim como na história de Hatuey, Daniel também tem que lutar, mas agora tem também o compromisso de atuar.
O principal recurso cinematográfico utilizado para juntar os três eixos da história é o da metalinguagem, que pode ser definida como uma função da linguagem no qual a linguagem fala da própria linguagem. Ou seja, no caso de “Também a Chuva” o recurso é recorrente na medida em que acompanhamos a equipe de filmagens, e as dificuldades de produção, de modo que o cinema fala dele mesmo, o que vemos é o filme dentro do filme, ou ainda a história dentro da história. Pois, no caso das condições político-sociais da América Latina, elas se repetem e com o recurso da metalinguagem estes elementos ganham destaque, pois a mesma subjugação e miséria advindas da chegada dos espanhóis continuam sendo a mesma com a chegada das multinacionais e do capital estrangeiro.
“Também a Chuva” se encaixaria nas esteiras dos “filmes políticos” na linha de cineastas como o britânico Ken Loach (1936-) e o grego Costa-Gavras (1933-). O filme conta com o roteirista Paul Laverty, que roteirizou diversos filmes de Loach, como “Pão e Rosas” (Bread and Roses, 2.000, RU) e “Ventos da Liberdade” (The Wind that Shakes the Barley, 2006, RU). A própria diretora Icíar Bollaín, que também é atriz, atuou na produção de Loach sobre a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) chamada “Terra e Liberdade” (Land and Freedom, 1995, RU) e ainda publicou um livro sobre o diretor britânico intitulado “Ken Loach, un observador solidario” (sem tradução para o português).
O ponto central do filme “Também a Chuva” é a questão da colonização, subjugação e miséria dos povos latino-americanos. O filme de Sebastián mostra a colonização do ponto de vista histórico na sua gênese, enquanto o de Icíar Bollaín faz uma síntese do processo, mostrando não só o início, mas também o presente. No entanto, há esperanças, já que com a organização e com a luta, a população de Cochabamba conseguiu a desprivatização do Departamento de Águas. Ao final, tem-se que, caso não haja organização e luta, as Veias da América Latina continuarão abertas, jorrando riquezas e vidas, com duas cores que amorosamente se enlaçam, formando um terceiro tom, a que chamamos aurora. Yaku!
Trailer do filme
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