A Questão da Crítica Cinematográfica

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No princípio era o roteiro, depois a produção. O Cineasta disse: “haja luz, plano, montagem”, o Cinema foi feito. Com a obra finalizada, foi contemplá-la, o espectador foi vê-la e algumas pessoas foram criticá-la. A crítica surge no contexto da realização cinematográfica. Logo que se finaliza um filme, alguns espectadores passam a ser os primeiros críticos tentando compreendê-lo. No entanto, uma classe minoritária surge tentando dialogar, desvendar, dar significado para a obra, são chamados de críticos cinematográficos. Alguns se tornam cineastas, outros messias que guiam o espectador e muitos outros contam histórias. 

O Cinema é uma Arte recente, possui pouco mais de cem anos, tendo como marco o dia 28 de dezembro de 1895, quando os Irmãos Lumière fizeram a primeira exibição em público de obras cinematográficas no Grand Café, em Paris. Projetaram “A chegada do trem à estação Ciotat" e "Saída das operárias da Fábrica Lumière”, causando espanto, admiração e pânico nos espectadores, alguns realmente acreditaram que o trem era real, fugiram do local. A exibição dos Irmãos Lumière foi o grande destaque dos jornais parisienses dos dias seguintes, com textos que tentavam explicar a nova arte.  

Tão logo que há o nascimento do Cinema, há o surgimento da crítica cinematográfica, podendo ser dividida em dois tipos: a crítica externa e a crítica interna (imanente). A primeira se preocupa com o contexto de produção e recepção da obra, tendo uma base sociológica, relaciona a produção de significado e a significação que o receptor atribui à obra ao contexto histórico e social. Destaca, deste modo, os temas abordados pela narrativa fílmica segundo posicionamentos ideológicos e historicamente construídos. 

Já a crítica interna (imanente) se preocupa com o caráter estrutural da obra, de como os elementos da linguagem cinematográfica, tais como enquadramento, plano, luz, direção de arte, roteiro, montagem, sonoplastia produzem significados. Suas bases são estruturalistas e se associam ao campo dos estudos e da teoria cinematográfica, principalmente com a influência da semiótica, que estuda o cinema como um sistema de significação, tendo a figura do francês Christian Metz como principal influência a partir da década de 1970. 

A crítica cinematográfica acaba polarizada. Há a crítica descritiva, preocupada em descrever os elementos estruturais do discurso cinematográfico, “desconstruindo” o filme a partir de uma análise fílmica que busca compreender o seu processo de significação. De outro lado, a crítica valorativa se preocupa em emitir opiniões subjetivas sobre gostos, apreciações e efeito de recepção, baseando-se apenas em elementos do enredo fílmico, principalmente o tema e as personagens. Assim, a crítica fica entre o juízo de valor e o juízo de fato. 

A figura do crítico é vista como elemento intermediador entre o filme e o espectador. Todavia, alguns cineastas desenvolveram atividade crítica antes da cinematográfica, como é o caso de Glauber Rocha, Jean-Luc Godard e François Truffaut. Os cineastas franceses colaboraram na década de 1950 com críticas para a revista fundada por André Bazin “Cahiers du Cinéma” antes de dirigirem filmes que seriam a referência do cinema de autor e do movimento cinematográfico da Nouvelle Vague francesa na década seguinte. 

No Brasil, a figura do cineasta Glauber Rocha é a que mais se associação ao artista completo: o crítico, o teórico e o prático, ou seja, aquele artista que tem a visão crítica da sua arte, a capacidade teórica de entendê-la na sua unidade e no seu presente, como também de estudá-la no seu desenvolvimento histórico para, assim, conseguir dar uma significação social, uma importância artística e referência para ela. Sendo crítico, Glauber compreendeu o que estava sendo produzido no cinema brasileiro de sua época e, sendo teórico, conseguiu entender os elementos práticos da linguagem cinematográfica conseguindo fundamentar a sua obra com uma proposta estética inovadora: o Cinema Novo. 

Portanto, a crítica faz parte do universo do cinema, podendo ser um exercício de análise, de um olhar mais profundo e, antes de tudo, uma prática de escrita e, em poucos casos, levar à prática cinematográfica. O grande problema da crítica é que ela não possui a mesma linguagem do cinema, sendo escrita, há a dificuldade de aludir à elementos da linguagem cinematográfica. Assim, ela pode ser um exercício de apreciação fílmica e de escrita que dialoga com outro texto. Mas, há blogs opinativos superficiais, messias com lanterninhas guiando os cegos, todos falando de filmes ruins para espectadores perdidos. Ao final, há outra crítica que não serve para nada, a não ser para ela mesma. Ela não é nada. Nunca será nada. Não pode querer ser nada. À parte isso, tem nela todas as possibilidades.

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