O Cinema Brasileiro da Retomada

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Diferentemente de outras expressões artísticas individuais dependentes apenas da capacidade intelectual e artística de seu Criador, o Cinema é uma Arte coletiva que depende também de uma grande quantidade de recursos, equipamentos e profissionais para a sua realização, tornando-o uma Arte cara. Para a sua realização, no Brasil, há a necessidade de produção via financiamento particular através de produtores/produtoras ou de incentivos fiscais a partir de leis de incentivo. No entanto, entre 1992 a 1994 foram produzidos apenas dois filmes no Brasil devido à falta de agências de fomento e leis de incentivo, o que foi mudado a partir de 1995 com o que se denominou de “Cinema da Retomada”. 

A história do cinema brasileiro é rica, com obras importantes não apenas para o cinema nacional, mas também para o cinema mundial, tendo grandes diretores como Humberto Mauro (1897-1983), Glauber Rocha (1939-1981), Nelson Pereira dos Santos (1928-), José Mojica Marins (1936-), Rogério Sganzerla (1946-2004), Júlio Bressane (1946-). Todavia, entre 1992 a 1994, durante o governo de Fernando Collor de Mello, a produção cinematográfica brasileira esteve em seu estágio mais baixo com a extinção da Concine (Conselho Nacional de Cinema) e da Embrafilme. Em um período de três anos, o cinema brasileiro teve o pior período da sua história com uma produção cinematográfica ínfima. 

O Cinema da Retomada foi um período de ressurgimento das produções nacionais entre 1995 até 2002. O estado passa a fomentar a produção cinematográfica a partir de leis de incentivo e cria a Ancine (Agência Nacional do Cinema) em 2001. As produções do período possuem um elemento em comum: a aceitação do público interno em relação às produções cinematográficas nacionais, que passam a lotar as salas de cinema. No entanto, elas podem ser divididas em dois grupos: o primeiro encabeçado pelas produções da Globo Filmes; e o outro por diretores que almejavam fazer filmes autorais, que fossem expressões artísticas. 

Em 1998, as Organizações Globo criam a coprodutora Globo Filmes como extensão da Rede Globo de Televisão. O objetivo é produzir filmes para o mercado cinematográfica interno, que passa a ter aceitação de obras nacionais a partir do Cinema da Retomada, tendo o seu staff técnico e de atores à disposição. Os seus filmes são de fácil assimilação pelo público já acostumado com a linguagem televisiva das telenovelas e mini-séries, segmentando, assim, o gênero da comédia e da comédia romântica. No período, lançam “Simão, o Fantasma Trapalhão” (1998), “Zoando na TV” (1999) e “O Auto da Compadecida” (1999), no qual a o filme é apenas um produto de consumo que volta a ser retomado pelo grande público. 

O marco do Cinema da Retomada é a data de 1995, ano de produção de dois importantes filmes: o primeiro “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil”, dirigido por Carla Camurati. O filme centra o seu enredo na vinda da família real portuguesa ao Brasil em 1808, fugindo das invasões napoleônicas, tendo as figuras de rei D. João VI (1776-1826) e da infante Carlota Joaquina de Bourbon (1775-1830) como personagens centrais. Ele mostra de forma cômica o contraste das duas culturas: a portuguesa e a brasileira. As personagens são caricaturizadas para gerar o efeito de humor, destacando a suposta sofisticação europeia em contraste com o exotismo das terras brasileiras. 

Se “Carlota Joaquina” foi o grande sucesso de público e o marco do Cinema da Retomada, a grande qualidade artística está por conta do filme “Terra Estrangeira” (1996) do diretor Walter Salles. O filme vai ser o responsável por abrir o caminho oposto ao cinema comercial, com um cinema de autor. Na obra, há uma reflexão sobre os anos da Era Collor, com a desilusão existencial devido à crise econômica e a tentativa de emigração do Brasil. Walter Salles ganharia destaque ainda com “Central do Brasil” (1998), o primeiro filme de “comoção nacional” da década de 1990, que entorne dele se geraria um orgulho e uma identidade em relação ao cinema brasileiro. O cineasta dirigiu ainda “O Primeiro Dia” (1998) e “Abril Despedaçado” (2001). 


Durante o período da Retomada, destacam-se filmes como “O Quatrilho” (1995), dirigido por Fábio Barreto e “O Que é isso, companheiro?” (1997), dirigido por Bruno Barreto, sendo baseado no livro homônimo de 1979 escrito por Fernando Gabeira sobre o sequestro do embaixador do Estados Unidos Charles Burke Elbrick, em 1969. Cineastas como Beto Brant com os seus filmes “Ação entre amigos” (1998) e “O Invasor” (1999); Laís Bodanzky com “Bixo de Sete Cabeças” (2001) também figuram como exemplos de produções da época.

Por fim, o filme “Cidade de Deus” (2002) é o marco de transição entre o que se chamou de “Cinema de Retomada” e o cinema brasileiro que vai se desenvolver com extrema qualidade a partir do século XXI. A retomada terminou o seu processo em 2002; atualmente, o Cinema Brasileiro vive o seu melhor momento desde o Cinema Novo da década de 1960, com um cinema autoral e com aceitação por parte do grande público, sem perder a qualidade e com quantidade.

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