O Fio de Ariane

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O Cinema é uma Arte que caminha entre a transparência e a opacidade. Mesmo sendo uma expressão artística com bases realistas, que cria um efeito de real na sua representação da realidade devido à imagem em movimento, ele também pode representá-la de forma opaca, por vezes questionando-a em maior ou menor grau. No filme francês “O fio de Ariane” (Au Fil d’Ariane, 2014), o diretor Robert Guédiguian (1953-) realiza uma obra que caminha, pela primeira vez em sua filmografia, em direção a uma narrativa fantástica com elementos que destoam dos seus filmes com tom realistas e políticos como “A cidade está tranquila” (La ville est tranquille, 2000) ou mesmo “As neves do Kilimanjaro” (Les Neiges du Kilimandjaro, 2011). 

Ariane decidiu que ela própria iria fazer o bolo do seu aniversário. Era uma data especial, completar anos não é apenas somar os dias, mas também celebrá-los, mesmo que seja em uma única data. Com o bolo pronto, a decoração posta, Ariane espera os seus entes queridos: marido, filha, amigos, etc. Um a um ligam alegando que não poderão comparecer à celebração, pois podem estar viajando, “presos no trabalho”, ou mesmo com outras tarefas. Desolada, Ariane desenrola o seu o fio, sai da sua casa suburbana rumo à cidade francesa de Marselha. Parada em uma ponte, esperando a travessia do barco, ela encontra o seu guia: Raphael, um jovem motoqueiro que a leva para o pequeno restaurante “Café l’Olympique”, onde encontra diversos personagens exóticos. 

O “Café l’Olympique” parece ser um local humilde e ao mesmo tempo idílico, onde personagens se relacionam de forma simples e direta, tendo a resolução dos seus conflitos como algo possível. Marcial é de origem africana e trabalhou por trinta anos como segurança do museu de história natural, deseja “libertar” os animais empalhados; Raphael é o jovem guia que ama Lola, uma bela ruiva que se prostitui, por prazer, e se assemelha à figura de Vênus, pintada por Botticelli; o solitário dono do café Denis admira o escritor Jacques, que passa os dias no estabelecimento escrevendo e observando os clientes para ter inspiração. Há ainda uma tartaruga que dialoga e dá conselhos para Ariane. 

No filme “O fio de Ariane”, o título remete à narrativa mítica grega do labirinto do Minotauro. Astérion era filho de Pasífa, esposa do rei Minos, com o Touro de Creta. Possuía como forma um corpo humano e cabeça de touro, ficando conhecido como Minotauro. O rei Minos manda que o arquiteto Dádalo, pai de Ícaro, construa um labirinto para poder abrigar Astérion. Após um conflito com a cidade de Atenas, o rei de Creta ordena que, anualmente, sete rapazes e sete moças atenienses sejam devorados no labirinto. O herói ateniense Teseu se voluntaria para ser sacrificado com o intuito de combater o Minotauro. A filha de Minos, Ariadne, se apaixona por Teseu e lhe concede um novelo de linha que lhe indicará o caminho da saída do labirinto. 

O nome da personagem principal de “O fio de Ariane” é também o da atriz Ariane Ascaride que é casada com o diretor Guédiguian. O cineasta possui como característica o hábito de realizar os seus filmes com a mesma equipe e com atores recorrentes, de modo que Ariane é protagonista de diversos outros filmes do diretor, assim como a cidade de Marselha. Se Nova Iorque é a paisagem de Woody Allen; Roma é a de Fellini; Bruxelas é a dos Irmãos Dardenne; Berlim é a de Wim Wenders, Marselha é o espaço principal de conflitos, contradições, lutas, amores e aventuras nos filmes de Robert. Ela é a mais antiga cidade francesa com ocupação ininterrupta, sendo fundada pelos gregos no século VII a.C, estando situado na região da Provença no mar Mediterrâneo. 

O cinema de Robert Guédiguian se associava a uma proposta realista e de um cinema engajado politicamente e socialmente. No filme “A cidade está tranquila” é trabalhado como as políticas neoliberais da década de 1990 provocou em Marselha o desemprego, a miséria econômica e social, assim como no filme espanhol “Segunda-feira ao sol” de Fernando León de Aranoa. Com o filme “As neves do Kilimanjaro”, o diretor ressalta como a crise econômica pode levar os indivíduos a cometerem ações criminosas. Novamente, a causa dos problemas sociais é material, é econômica. Nos seus filmes anteriores, as personagens representam e/ou agem segundo uma coletividade, o que não ocorre em o “O fio de Ariane”, no qual o desejo individual se sobressai sobre o coletivo. 
No filme de Guédiguian, Ariane “desenrola o novelo”, seu fio se estende por Marselha, nas relações com personagens diversas. Mas, assim como no mito, ela volta para casa. Sua viagem onírica foi circular, termina onde começou: na sua casa, com a chegada dos familiares e amigos. O tempo é de comemoração, o bolo está pronto e a decoração posta. As velas, que acendera no bolo, ainda estão incandescentes. O seu fio teceu acontecimentos entre o real e o fantástico, seja no diálogo com a tartaruga ou mesmo com a fuga da realidade, devido a breve solidão. Em “O fio de Ariane”, o fio é a ligação, o elo, a busca pelo contato humano, pois no tempo em que se festejam o dia dos anos, a alegria de todos estava certa com uma religião qualquer.

Trailer do filme

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