Diz-se que o pensamento e a cultura francesa são cartesianos, ou seja, possuem o racionalismo como base e a busca de modelos e estruturas como método. Os franceses legaram à sociedade ocidental as bases do pensamento moderno principalmente a partir do Iluminismo no século XVIII com a tentativa de “iluminar a humanidade através da razão”, culminando em um ápice com o Estruturalismo Francês no século XX. No entanto, o pensamento extremamente racional e estruturalista da sociedade tradicional francesa ainda se choca com sistemas complexos, como é o caso da questão da imigração e do multiculturalismo devido à globalização e à dinâmica de migração do final do século XX e início do XXI.
O filme “Que mal eu fiz a Deus” (“Qu'est-ce qu'on a fait au Bon Dieu?”, França, 2014) consegue de uma maneira simples, lúdica, e até mesmo cômica, representar as dificuldades da sociedade tradicional francesa de se adaptar e se relacionar de forma multicultural com outras etnias e culturas. Na produção, Claude e Marie Verneuil são um casal tradicional francês de classe média alta que têm quatro filhas. As três primeiras se casaram com indivíduos que representam um grupo étnico da sociedade francesa: Isabelle se casa com o muçulmano Rachid que é um advogado de origem argelina; Odile se casa com David, um judeu que tenta prosperar com o comércio; e Ségolène se casa com Chao, de origem chinesa.
Como gaullista e estereótipo do francês padrão, Claude e sua esposa ainda possuem a esperança de que a sua última filha solteira, Laure, se case com um homem “típico francês”. Contudo, ela se apaixona e mantém um relacionamento de mais de um ano com Charles, um afrodescendente da Costa do Marfim que estuda teatro na capital francesa. Inicialmente, Laure diz que vai se casar e declara apenas, com receio da reação dos pais, que o noivo é, para a alegria da mãe, católico apostólico romano. Charles também encontra dificuldades para que a sua família aceite o casamento, de modo que seu pai não aceita que seu único filho homem se case com uma francesa caucasiana. Assim, a questão da aceitação é colocada de ambos os lados.
O restante do filme é os preparativos para o casamento de Laure com Charles e a tentativa do pai da noiva e do noivo de sabotarem a cerimônia do matrimônio. O interessante, é que, em paralelo, há a construção da harmonia e amizade entre os genros. O muçulmano Rachid se torna amigo do judeu David (algo que no plano geopolítico é difícil de acontecer) que se tornam amigos do chinês Chao. O três personagens são importantes, pois representam parcelas da sociedade francesa atual e todos eles se adaptam à cultura e fundem não só seus genes com os franceses, mas também a sua cultural com os demais. Chao ajuda David a ganhar um financiamento para a sua linha de comida saudável para muçulmanos, que tem a aceitação de Rachid.
O diálogo, aceitação e fusão da sociedade e da cultura francesa com as culturas dos imigrantes está em processo. Inicialmente, houve um estado de estranhamento e distanciamento, depois inicia-se a aceitação, em seguida a troca e, por último, o estágio de fusão. O processo inicial é evidente em acontecimentos que ficaram conhecidos como “Revoltas dos banlieues (periferia)” nas quais jovens franceses descendentes de imigrantes se revoltavam contra a marginalidade que estavam legados na sociedade francesa. Filmes como “Entre os muros da escola”, ganhador da Palma de Ouro de Cannes em 2008, e “Samba”(2014) representam o difícil diálogo da cultura francesa com os imigrantes.
O Brasil, por exemplo, é um país multicultural com influências, e mesmo base, de três culturas: a indígena, a europeia e a africana. A primeira vez que houve a aceitação e a utilização da três de forma equânime foi na Arte Modernista entorno da Geração Modernista de 22 com a figura do escritor Oswald de Andrade (1890-1954) e do Manifesto Antropofágico (1928). Na Alemanha, o cineasta Fatih Akin (1973-) consegue fazer a fusão da cultura alemã e turca nos seus filmes como “Contra a parede” (2005) e “Do outro lado” (2007). No caso francês, o diretor Philippe de Chauveron (1965-) também conseguiu unir a sociedade francesa no filme “Que mal eu fiz a Deus”, fazendo com que cada nova parcela dela se case com uma das filhas do personagem Claude.
Por fim, o que há na sociedade francesa é um duplo movimento: um de ressalva para a preservação de uma identidade e uma história cultural; e o outro de alteridade, da relação com o outro, com a diferença como parte integrante de um movimento natural e irreversível. Na busca pelo perene, pelo imutável, por modelos e estruturas que durem para sempre, anda-se em círculos, pois há o efêmero, a entropia. Os modelos estruturalistas não conseguem domar o caos e, nas novas organizações, advindas de fusões, renascimentos, gira o comboio de corda a entreter a razão, como declamaria o poeta português Fernando Pessoa. O filme “Que mal eu fiz a Deus” é apenas um entretenimento à razão, uma luz do Cinema.
Trailer do filme “Que mal eu fiz a Deus”
O filme “Que mal eu fiz a Deus” (“Qu'est-ce qu'on a fait au Bon Dieu?”, França, 2014) consegue de uma maneira simples, lúdica, e até mesmo cômica, representar as dificuldades da sociedade tradicional francesa de se adaptar e se relacionar de forma multicultural com outras etnias e culturas. Na produção, Claude e Marie Verneuil são um casal tradicional francês de classe média alta que têm quatro filhas. As três primeiras se casaram com indivíduos que representam um grupo étnico da sociedade francesa: Isabelle se casa com o muçulmano Rachid que é um advogado de origem argelina; Odile se casa com David, um judeu que tenta prosperar com o comércio; e Ségolène se casa com Chao, de origem chinesa.
Como gaullista e estereótipo do francês padrão, Claude e sua esposa ainda possuem a esperança de que a sua última filha solteira, Laure, se case com um homem “típico francês”. Contudo, ela se apaixona e mantém um relacionamento de mais de um ano com Charles, um afrodescendente da Costa do Marfim que estuda teatro na capital francesa. Inicialmente, Laure diz que vai se casar e declara apenas, com receio da reação dos pais, que o noivo é, para a alegria da mãe, católico apostólico romano. Charles também encontra dificuldades para que a sua família aceite o casamento, de modo que seu pai não aceita que seu único filho homem se case com uma francesa caucasiana. Assim, a questão da aceitação é colocada de ambos os lados.
O restante do filme é os preparativos para o casamento de Laure com Charles e a tentativa do pai da noiva e do noivo de sabotarem a cerimônia do matrimônio. O interessante, é que, em paralelo, há a construção da harmonia e amizade entre os genros. O muçulmano Rachid se torna amigo do judeu David (algo que no plano geopolítico é difícil de acontecer) que se tornam amigos do chinês Chao. O três personagens são importantes, pois representam parcelas da sociedade francesa atual e todos eles se adaptam à cultura e fundem não só seus genes com os franceses, mas também a sua cultural com os demais. Chao ajuda David a ganhar um financiamento para a sua linha de comida saudável para muçulmanos, que tem a aceitação de Rachid.
O diálogo, aceitação e fusão da sociedade e da cultura francesa com as culturas dos imigrantes está em processo. Inicialmente, houve um estado de estranhamento e distanciamento, depois inicia-se a aceitação, em seguida a troca e, por último, o estágio de fusão. O processo inicial é evidente em acontecimentos que ficaram conhecidos como “Revoltas dos banlieues (periferia)” nas quais jovens franceses descendentes de imigrantes se revoltavam contra a marginalidade que estavam legados na sociedade francesa. Filmes como “Entre os muros da escola”, ganhador da Palma de Ouro de Cannes em 2008, e “Samba”(2014) representam o difícil diálogo da cultura francesa com os imigrantes.
O Brasil, por exemplo, é um país multicultural com influências, e mesmo base, de três culturas: a indígena, a europeia e a africana. A primeira vez que houve a aceitação e a utilização da três de forma equânime foi na Arte Modernista entorno da Geração Modernista de 22 com a figura do escritor Oswald de Andrade (1890-1954) e do Manifesto Antropofágico (1928). Na Alemanha, o cineasta Fatih Akin (1973-) consegue fazer a fusão da cultura alemã e turca nos seus filmes como “Contra a parede” (2005) e “Do outro lado” (2007). No caso francês, o diretor Philippe de Chauveron (1965-) também conseguiu unir a sociedade francesa no filme “Que mal eu fiz a Deus”, fazendo com que cada nova parcela dela se case com uma das filhas do personagem Claude.
Por fim, o que há na sociedade francesa é um duplo movimento: um de ressalva para a preservação de uma identidade e uma história cultural; e o outro de alteridade, da relação com o outro, com a diferença como parte integrante de um movimento natural e irreversível. Na busca pelo perene, pelo imutável, por modelos e estruturas que durem para sempre, anda-se em círculos, pois há o efêmero, a entropia. Os modelos estruturalistas não conseguem domar o caos e, nas novas organizações, advindas de fusões, renascimentos, gira o comboio de corda a entreter a razão, como declamaria o poeta português Fernando Pessoa. O filme “Que mal eu fiz a Deus” é apenas um entretenimento à razão, uma luz do Cinema.
Trailer do filme “Que mal eu fiz a Deus”
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