O Cinema é uma Arte recente, possui como marco de seu surgimento o ano de 1895, quando os irmãos Auguste (1862-1954) e Louis Lumière (864-948) fizeram a primeira projeção pública de um filme que apresentava imagens em movimento, o que criou um extremo “efeito de realidade” no público presente, pois muitos que estavam no recinto abandonaram a exibição acreditando que o trem que estava chegando na estação era verdadeiro. A Sétima Arte é um culto moderno, se entrelaçou com a modernidade, com a sociedade que se configurou no século XX e caminha pelo XXI. Fonte de fascínio, conflitos, produtos e alienações. Muitas vezes, assistem-se filmes por assistir, como evento social, como projeção e compreensão de algo ou mesmo como culto.
A imagem é fascinante, o ser humano quando tem a sua aurora, busca criar imagens. Nas paredes das cavernas, nas primeiras habitações, há desenhos tentando reproduzir aquilo que foi visto de forma efêmera pelos olhos: um animal, outras figuras humanas, formas geométricas, paisagens, etc. A tomada de consciência cria o fascínio pela imagem. Foca-se no criador da imagens, no porque ele as pintou, tentou reproduzir o que viu? Mas, há aqueles que a viram, que a contemplaram. O que sentiram quando viram o artista fazendo-a, a tinta ainda fresca? Se voltaram outros dias, ou se convidaram outras pessoas para ver aquela imagem? Ou ainda se alguém de outra região ficou sabendo que poderia ver um animal que lhe provocava medo ou fascínio sempre que quisesse?
Algumas religiões proíbem a representação do sagrado, não sendo permitida a criação de imagens de seus elementos sacros por acreditarem que seria idolatria. Há uma lógica nisso, pois quando o homem cria uma imagem, ele passa a ser o criador, não mais criatura. Se ele cria uma imagem do sagrado, de algo que lhe seria supostamente superior, a ordem é invertida. Com a diferença que o artista-criador contempla a sua Obra, sabendo que Ela lhe é superior. A criação artística seria o caminho para a sua imortalidade, já que fisicamente é ele efêmero. Com a Arte, a Criação se eleva, se iguala aos deuses, sendo, ainda, a única coisa superior aos homens.
O Cinema é um culto organizado. Há horários, chamados de exibições semanais, na maioria das vezes, são três por dia, começando ao final da tarde. No Brasil, eles são modificados toda quinta-feira. Em cada sala, há a exibição de um filme. Os espectadores chegam e descobrem as exibições do dia, ou podem obter a informação pela internet, jornais ou mesmo com outros que já viram algum filme durante a semana. Chegando no local, há uma fila para comprar a entrada, a maioria dos cultos modernos são pagos, depois há outra para alimentos, que são sagrados, em toda e qualquer ida deve-se consumi-los. Há uma extrema organização, tudo em perfeita ordem, feita pelos organizadores.
Assim como em todo e qualquer culto, há os doutos, ou seja, pessoas iniciadas que acreditam dominar um pouco mais o processo de compressão dos filmes. Fazem comentários sobre as obras, atores, fofocas. Comentam que gostaram do penúltimo filme, mas não do último, que pelo trailer, um dos modos de propagar a obra, estaria com uma expectativa baixa. Seus comentários se estendem durante a sessão, quer ser o tradutor para um acompanhante não iniciado do que supostamente seria o complexo sistema das imagens vistas ou da história narrada. Os comentários não se restringem às questões interpretativas, passam pelas referências intertextuais, ou seja, por uma informação que apenas eles possuem.
Para a maioria das pessoas, o objeto de idolatria não é a obra em si, mas os atores. Está certo que é através deles que a criação ganha forma, pois dão vida ao enredo. A idolatria chega ao ponto de haver revistas, sites ou mesmo publicações especializadas nas vidas dos atores, destacando não o aspecto artístico, mas, sim, o da vida pessoal. Onde comeram, ou estacionaram o carro, com quem estavam, ou mesmo com quem estariam flertando são os motes dos textos. As revistas trazem ainda fotos, perfis e, o mais sagrado de todos, pôsteres de vários tamanhos, quanto maior, mais valorizada a publicação. Eles enfeitam paredes/altares de quartos isolados, ou estão em pastas com outras tantas fotos.
No princípio é a luz. A sala ora escura se ilumina. Todos olham na mesma direção, estão em comunhão, fazem parte de um corpo único, orgânico, são espectadores. Comem, bebem, alguns se beijam, outros dormem, alguns poucos conversam. Os que se sentem fascinados pela imagem, entram em comunhão, seus olhos brilham, dependendo da obra podem ter epifanias, mas na maioria das vezes, devido ao local do culto: o moderno shopping, o templo maior do consumo, ele apenas cede o seu dinheiro, o seu tempo. Volta para casa da mesma forma que estava nos créditos iniciais.