Olmo e a Gaivota

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Na sua gênese, o Cinema possuía apenas o caráter documental, a câmera era posicionada em um ponto fixo, filmando a ação de forma direta, como o que acontece, por exemplo, nos dois primeiros filmes feitos pelos Irmãos Lumière (Auguste e Louis): “A saída da Fábrica Lumière em Lyon” e “Chegada do trem à estação de Ciotat”, ambos de 1895. Em um segundo momento, conforme elementos formais da linguagem cinematográfica tais como tipos de planos, a montagem e a movimentação da câmera se desenvolvem, torna-se possível a narratividade, ou seja, a capacidade de contar uma história, surgindo, assim, o ficcional dentro da sétima arte. A cineasta brasileira Petra Costa (1983-), nos seus dois últimos filmes “Elena” (2013) e “Olmo e a Gaivota” (2015), funde o gênero ficcional com o documental.

Quando foi lançado no Brasil em maio de 2013, o filme “Elena” ganhou destaque no circuito cinéfilo, conseguindo, inclusive, encabeçar campanhas populares na internet através de vídeos e no facebook com as palavras “Queremos Elena em...”, para que fosse exibido em salas de cinemas dominadas pelo circuito comercial. Petra faz um documentário sobre a vida de Elena Andrade, que mudou-se para Nova Iorque com o objetivo de trabalhar como atriz, mas acaba se suicidando. O filme é uma homenagem de Petra à Elena, uma tentativa de reconstruir os passos da irmã na grande cidade estadunidense. O modo como a diretora opta por contar a história, mesmo sendo um documentário, é poético, há lirismo nas imagens, no tratamento do tema da saudade, bem como da morte.

Na produção “O Olmo e a Gaivota”, Petra Costa realiza um documentário que se mescla com o gênero ficcional. No filme, tem-se a história da atriz Olivia Corsini que, junto com o seu marido Serge Nicolai, faz parte da companhia de teatro francesa Thêatre du Soleil. Estão participando como atores principais da montagem da peça “A gaivota” (1896), do escritor russo Anton Tchekhov (1860-1904). A euforia do convite recebido pela companhia para uma temporada nos Estados Unidos é quebrada com a notícia da gravidez de Olivia. Há o risco de aborto, ela deve permanecer em repouso absoluto, não podendo atuar. Deste modo, passamos a acompanhar a rotina de reclusa de Olivia, a sua gestação em seu apartamento, bem como a sua relação com Serge.

Se em “Helena” há o documental que se aproxima do ficcional, em “Olmo e a gaivota” há o inverso. Durante grande parte do filme, o espectador acreditar estar diante de uma obra ficcional, no entanto, o naturalismo da obra é quebrado quando a diretora expõe o “mise en place”, ou seja, o “o jogo de cena”, demonstrando que as personagens são pessoas reais, passando por aquela situação, quebrando o “contrato ficcional” estabelecido entre obra e espectador. Petra Costa interfere em uma cena, sua voz em off pede para que as personagens troquem de papeis, comentem um aspecto específico da relação conjugal. Os atores-personagens olham diretamente para câmera, o ficcional é quebrado, o documental se mostra enquanto gênero.

O Cinema é a Arte que mais se aproxima do real por possuir aquilo que estudiosos da sétima arte chamam de “efeito de realidade”. Na relação entre cinema e realidade, o espectador se esquece de que a obra cinematográfica é um produto de uma linguagem artística, sua representação não é real, mesmo acreditando no efeito de realidade. Muitas vezes permanece imerso no universo narrativo ficcional. Todavia, Petra Costa quebra com o “contrato ficcional” ao expor que o que é mostrado não é ficcional, mas documental. Olivia e Serge são seres reais, atores da companhia de teatro francesa, deste modo ela tenta representar o real.

Petra Costa se destacou por mostrar um olhar lírico, por fazer um cinema poético, tendo como ponto central personagens femininas com seus dramas psicológicos. Em “Olmo e a gaivota”, Olivia é a personagem principal, sua gravidez de risco e a problemática de não poder exercer a sua profissão ganham destaque. O filme discute a questão de ser mulher psicologicamente, com pressões sociais e biológicas agindo sobre a figura feminina. Olivia se expressa através da sua arte, atuar a tira das suas inquietações cotidianas, propicia a plenitude ao seu ser. Agora, questionada sobre o que teria feito durante o dia, responde: “Uma orelha, um pedaço de fígado”.

No seu último filme “Olmo e a Gaivota” (2015), Petra Costa volta a trabalhar uma narrativa com o mesmo estilo do seu filme anterior “Elena” (2013), fundindo ficção e realidade. No primeiro, trabalha o documental com pontos de interseção com o ficcional; enquanto no último trabalha o ficcional desvendado como documental.  Olivia sente o peso de ser mulher, seja de forma biológica com a gravidez, ou mesmo psicológica com os seus medos, anseios e sua arte. Petra Costa está construindo um estilo cinematográfico de qualidade, fazendo um cinema baseado no hibridismo entre o ficcional e o documental, com pontos metalinguísticos. Uma verdadeira autora de Cinema.

Trailer de "Olmo e a Gaivota"

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