
“Hiroshima, Mon Amour”: o Chronos Cinematográfico de Alain Resnais
Quando se diz que um cineasta pertence à fileira da estética cinematográfica da Nouvelle Vague F
rancesa, logo se tem a tendência de assimilá-lo à Cinemateca Francesa e à revista de crítica cinematográfica Cahiers du Cinéma, fundada por André Bazin (1918-1958). No caso do cineasta francês Alain Resnais (1922-), a sua formação e atividade profissional não estão ligadas a estes dois elementos embrionários dos demais cineastas da Nouvelle Vague, como François Truffaut, Jean-Luc Godard, Eric Rohmer, Claude Chabrol; mas sim a uma atividade cinematográfica ligado ao estudo acadêmico e ao gênero documental. No seu primeiro longa-metragem “Hiroshima, Meu Amor” (Hiroshima, Mon Amour, França, 1959), Alain Resnais, ao lado de François Truffaut com o filme “Os Incompreendidos” (Les 400 Coups, 1959), deram visibilidade à Nouvelle Vague no Festival de Cinema de Cannes de 1959.
Antes de realizar o seu primeiro longa-metragem, Alain Resnais foi um premiado documentarista, tendo ganhado diversos elogios e prêmios com a
realização de documentários, que tratavam dos horrores da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Com esta bagagem, o diretor foi convidado por produtores para realizar um filme sobre a guerra, mas que tivesse alguma relação entre a França e o Japão na temática do enredo. Para o roteiro do filme, Resnais convidou a escritora francesa Marguerite Duras (1914-1996), que vinha em ascensão através da estética literária do Nouveau Roman (Novo romance). Duras aceitou o desafio e escreveu o roteiro, fazendo a junção de elementos da linguagem literária com a linguagem cinematográfica.
“Hiroshima, Mon Amour” narra a história de uma atriz francesa (Emmanuelle Riva), que está na cidade j
aponesa de Hiroshima para fazer um filme “sobre a paz”. A atriz acaba tendo um relacionamento amoroso com um arquiteto japonês (Eiji Okada); o que desencadeia um emaranhado de recordações sobre a guerra. As recordações fazem com que ela reviva alguns traumas passados, que são revelados a partir de flash-backs. As ações do presente acabam desenterrando, deste modo, lembranças de um tempo outrora esquecido. No entanto, as ações do presente são afetivas, amorosas, belas; as do passado são, inicialmente, belas, mas depois horríveis e, por fim, traumáticas.
O filme se estrutura a partir de dois eixos temáticos: o presente e o passado. Na primeira parte, de aproxi
madamente quinze minutos, vemos um documentário sobre os horrores, dramas e conseqüências da Segunda Guerra Mundial. As imagens são fortes, os danos, causados pela bomba atômica lançada sobre Hiroshima no dia 06 de agosto de 1945, são assustadores; uma voz em off narra e comenta as imagens. Em seguida, na segunda parte, tem-se o casal de amantes usufruindo de seus corpos e divagando sobre os horrores da guerra. Na primeira parte do filme, Resnais a estrutura de forma documental, vemos um documentário, o que gera um efeito de estranhamento. No momento da transição da parte documental para a ficcional, há algumas imagens do casal com seus corpos nus em cenas amorosas; a partir deste ponto, começa a narrativa ficcional.
Outro ponto interessante de “Hiroshima, Mon Amour” concerne a sua estreita relaçã
o com a literatura. A escritora Marguerite Duras escreveu o roteiro tendo como base os aspectos do Nouveau Roman. Resnais conseguiu passar para a narrativa fílmica todos esses elementos, o que gerou um diálogo entre a linguagem literária e a linguagem cinematográfica, sem, contudo, descaracterizar a segunda. Ao relacionar ambas as linguagens, Resnais destaca os elementos da linguagem cinematográfica, que se organiza com a preponderância de um discurso imagético. O eixo de significação sai do eixo da ação para o eixo da imagem.
Resnais estrutura o filme a partir de dois eixos temáticos: o presente e o passado. As ações do presente desencadeiam lembranças colocadas nas profundezas da psique. Ao se relacionar com o arquiteto japonês, a atriz francesa se recorda da relação amorosa que tivera com um soldado alemão durante a ocupação nazista à França. Após o término da guerra, são mostradas toda a sua desgraça e a sua humilhação recebida, já que as mulheres francesas, que se relacionaram com os soldados alemães, foram espancadas em praça pública, além de terem os seus cabelos raspados, o que a obrigou permanecer em um porão até que crescessem novamente. O interessante é que o presente nunca se apresenta como possibilidade real. Ele desencadeia reminiscências de um tempo pretérito que, ao ser reconstruído, mesmo que involuntariamente; traz à tona traumas. As personagens tentam esconder os traumas, colocando “areias da ampulheta” sobre eles.
Alain Resnais, em “Hiroshima, Mon Amour”, deu uma dimensão interessante ao
Cinema, uma dimensão que privilegia o discurso imagético, devido ao tratamento à imagem cinematográfica e ao tempo. Ele se utiliza de dois gêneros cinematográficos: o documental e o ficcional. No filme, podemos ver a obsessão de Resnais no que tange ao tempo. Ele faz um tratado sobre o chronos, de modo que há dois grupos temporais: o tempo coletivo e o tempo individual que se estruturam e, às vezes, se entrelaçam, segundo os eixos do passado e do presente. Nota-se ainda uma estreita relação com a durée do filósofo Henri Bergson (1859-1941), já que cada tempo possui a sua unidade e a sua duração, além de seu significado próprio. Não há a busca pelo tempo perdido, porque ele sempre volta.

Antes de realizar o seu primeiro longa-metragem, Alain Resnais foi um premiado documentarista, tendo ganhado diversos elogios e prêmios com a

“Hiroshima, Mon Amour” narra a história de uma atriz francesa (Emmanuelle Riva), que está na cidade j

O filme se estrutura a partir de dois eixos temáticos: o presente e o passado. Na primeira parte, de aproxi

Outro ponto interessante de “Hiroshima, Mon Amour” concerne a sua estreita relaçã

Resnais estrutura o filme a partir de dois eixos temáticos: o presente e o passado. As ações do presente desencadeiam lembranças colocadas nas profundezas da psique. Ao se relacionar com o arquiteto japonês, a atriz francesa se recorda da relação amorosa que tivera com um soldado alemão durante a ocupação nazista à França. Após o término da guerra, são mostradas toda a sua desgraça e a sua humilhação recebida, já que as mulheres francesas, que se relacionaram com os soldados alemães, foram espancadas em praça pública, além de terem os seus cabelos raspados, o que a obrigou permanecer em um porão até que crescessem novamente. O interessante é que o presente nunca se apresenta como possibilidade real. Ele desencadeia reminiscências de um tempo pretérito que, ao ser reconstruído, mesmo que involuntariamente; traz à tona traumas. As personagens tentam esconder os traumas, colocando “areias da ampulheta” sobre eles.
Alain Resnais, em “Hiroshima, Mon Amour”, deu uma dimensão interessante ao

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The White Stripes "I Just Don’t Know What to do with Myself": Kate Moss
O 65º Festival de Cinema de Cannes
O Festival de Cannes é um dos festivais de Cinema mais importantes do mundo, tem lugar na cidade litorânea francesa de
Cannes e, este ano, ocorre entre os dias 16 a 27 de maio. É caracterizado como um festival plural, que privilegia o “cinema de autor”, destacando a produção cinematográfica de diversos países, que concorrem aos dois principais prêmios: o primeiro, A Palma de Ouro (Palme d’Or) dada ao melhor filme do festival; e o segundo, Grand Prix (Grande Prêmio), atualmente considerado o segundo prêmio mais importante do festival, atribuído pelo júri ao filme que melhor contribui para o desenvolvimento dos aspectos da linguagem cinematográfica. O festival está na sua 65ª edição e ocorre desde 1946, com evoluções, retrocessos, polêmicas e cancelamentos, como o seu o seu conflito com o Festival de Veneza, ou ainda ao seu eterno embate com o “Cinema industrial hollywoodiano”, passando pelo seu solidário cancelamento em Maio de 68.
Os Festivais de Cinema são eventos importantes, pois propiciam um excelente ambiente de divulgação
fílmica, centrada em produções de determinadas nacionalidades, gêneros cinematográficos, e, principalmente, em diretores. O interessante, e que merece um especial destaque, é que os festivais possuem perfis, com características próprias, sejam elas ideológicas, políticas, mercadológicas ou estéticas. Por exemplo, o Festival de Cinema de Berlim tem como prêmio máximo o Urso de Ouro e segue um perfil de cinema político, voltado para um Cinema engajado. Já o Festival de Veneza tem como símbolo o prêmio Leão de Ouro, dado o filme vencedor da mostra competitiva, que se destaca pela sua alta qualidade cinematográfica. Por sua vez, o Festival de Cinema de Sundance se caracteriza por premiar e divulgar apenas produções independentes, mas que produzam um cinema autoral e de baixo orçamento, ou seja, o oposto da premiação do seu compatriota, representada pelo Oscar, que premia filmes relacionados com a indústria do entretenimento.
Por seu turno, o Festival de Cinema de Cannes privilegia o Cinema de autor, ou seja, premia filmes que são expressões artísticas de seus
respectivos diretores, e que propõem uma abordagem artística e experimental da linguagem cinematográfica. Nota-se que os filmes que ganham destaque no festival são obras de arte e não meros produtos de consumo de massa. Outro fator de destaque é a pluralidade das produções que participam do festival, com diretores de diversas nacionalidades. Assim, o Cinema autoral é o elemento norteador do perfil do Festival de Cannes.
A história do Festival de Cannes se inicia em setembro de 1939 com a tentativa do governo francês de criar um festival de Cinema em protesto ao Festival de Veneza, que sofria com a orientação ideológica fascista, teria como presidente do júri o cineastas Loui
s Lumière (1862-1954). No entanto, a Alemanha declararia guerra à Inglaterra e à França em setembro do mesmo ano, adiando, assim, a gênese do festival. Após o término da II Grande Guerra (1939-1945), em 1946, tem-se a primeira edição do Festival de Cannes. Ao longo dos seus 65 anos, apenas em duas ocasiões o festival não foi realizado: a primeira em 1948 e a segunda em 1950, ambas por falta de verba. Já em 1968, o festival foi interrompido por um grupo de cineastas ligados à Nouvelle Vague, liderados por Jean-Luc Godard (1930-) e François Truffaut (1932-1984), que exigia a interrupção do festival em apoio as manifestação estudantis e trabalhistas que aconteciam nas ruas de Paris, em Maio de 68.
As produções brasileiras possuem uma boa receptividade dentro do Festival de Cannes, tendo recebido diversos prêmios, inclusive o
principal: a Palma de Ouro com o filme “O pagador de promessas” (1962), do ator, roteirista e diretor Anselmo Duarte (1920-2009). Porém, o primeiro filme nacional premiado no festival foi “O Cangaceiro”, do diretor Lima Barreto, em 1953, na categoria “Melhor filme de aventura”. Ainda na década de 1960, o cineasta representante do Cinema Novo Glauber Rocha ganhou dois prêmios: recebeu o “Prêmio da Crítica Internacional” com “Terra em Transe”, em 1967, e ganhou o prêmio de “Melhor direção” pelo filme “O Santo Guerreiro contra o Dragão da Maldade”, em 1969; Glauber receberia ainda o “Prêmio especial do júri” pelo o seu curta-metragem “Di Cavalcanti”, em 1977. Outros destaques ficam por conta da premiação na categoria de melhor curta-metragem de animação para “Meow”, de Marcos Magalhães, em 1982, e pelos prêmios de melhor interpretação feminina para Fernanda Torres no filme “Eu sei que vou te amar”, de Arnaldo Jabor, em 1986; e para Sandra Coverloni pela atuação em “Linha de passe”, de Walter Salles, em 2008.
A 65ª edição do Festival de Cinema de Cannes ocorre em um momen
to em que o festival se encontra em uma encruzilhada: manter o perfil de cinema autoral e artístico ou ceder às pressões do mercado e da indústria cinematográfica, representada por Hollywood. Hoje, há o meio termo, a organização cede espaço para as produções hollywoodianas, basta vermos que o cartaz do Festival deste ano tem a atriz estadunidense Marilyn Monroe apagando as velas de um bolo, aludindo aos 65 anos do festival. O curioso é que a atriz nunca concorreu a nenhum dos prêmios e muito menos os filmes em que ela atuou foram exibidos no festival na mostra competitiva. Todavia, a Palma de Ouro ainda é dada para filmes que atendem à característica do festival, premiando, assim, filmes autorais e artísticos.

Os Festivais de Cinema são eventos importantes, pois propiciam um excelente ambiente de divulgação

Por seu turno, o Festival de Cinema de Cannes privilegia o Cinema de autor, ou seja, premia filmes que são expressões artísticas de seus

A história do Festival de Cannes se inicia em setembro de 1939 com a tentativa do governo francês de criar um festival de Cinema em protesto ao Festival de Veneza, que sofria com a orientação ideológica fascista, teria como presidente do júri o cineastas Loui

As produções brasileiras possuem uma boa receptividade dentro do Festival de Cannes, tendo recebido diversos prêmios, inclusive o

A 65ª edição do Festival de Cinema de Cannes ocorre em um momen

Para ver: A noite americana (François Truffaut, França, 1973)
Para ler: O prazer dos olhos (François Truffaut, Jorge Zahar editor, 2006)
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Vamos Comer Atala, Vamos Devorá-lo, Degluti-lo, Mastigá-lo.
Por Jéssica Giovanini Silva
A cidade que me gerou foi a mesma que nesse último fim de semana me jogou do abismo. Passei esses últimos dias, eu e a Virada Cultural paulistana, a Gastronomia, e o maior nome de toda a América Latina, o aclamado Alex Atala. Ai, como eu quis estar naquele lugar (Minhocão), naquele horário, com aquelas pessoas, naquele ambiente, e participar desse evento. Como esse dia foi crucial para a minha vida! A verdade é que eu já conheço muito bem essa galinhada, e tanto outros pratos do Dalva e Dito ou do D.O.M, quis estar lá me sentido menos suja entre a multidão (minha consciência boba e eu), de pé em uma fila quilométrica. Preferi, naquele momento, estar lá do que entre as grandiosas paredes e panelas do Dalva e Dito, sentada no conforto e no luxo do certo. Preferi me silenciar entre a multidão e deixar com que elas falassem entre si e falassem comigo mesma em um processo interno entre mim e meus anseios, do que estar entre as cadeiras, bem servida, paparicada pelo serviço inigualável de um chef com rigor e precisão 100%. O fato é que cada vez que vou aos restaurantes do Atala, sou levada à loucura, sou feliz em cada instante, sou feliz lendo e rindo com o cardápio, sou feliz olhando o mise-en-scène da cozinha, sou envolvida por cada apresentação e emocionada com cada prato, sou admiradora passiva, contemplativa do Belo que vivencio com tanta entrega na minha curta estrada Gastronômica. Mas, como toda antiestética ou vanguarda, dessa vez fui ativa, representante, componente físico do grotesco, ainda que também muda e deslumbrada. O Minhocão me acolheu, naquele momento que eu tanto precisava vivenciar alguma experiência forte, muito melhor do que os restaurantes pudessem naquele estágio da minha vida, o Minhocão me abraçou a alma, o corpo e cutucou o meu âmago.
Todos sabem que a Gastronomia virou palco de adoração, chefs viraram ídolos, e restaurantes objetos de desejos, uma boa parcela de culpa da mídia pretensiosa, outra maior ainda foi da necessidade de suprir uma função social que veio com o Atala (explicarei melhor esse ponto). Quem me conhece, sabe que tenho esta figura com muito respeito e reverencio sua importância, tenho Alex (perdoe a intimidade) como meu maior professor, e suas palestras e entrevistas como minhas melhores aulas (obrigada youtube por me fazer passar mais horas do dia com ele do que com qualquer outra pessoa). No Cinema, a Nouvelle Vague estreou o chamado Cinema de autor, a Gastronomia passou pelo mesmo processo com a Cozinha de Chef, assim, como é hoje, os frequentadores não vão mais aos restaurantes, mas sim vão até os chefs.
Aprendemos com a Literatura, que foi – principalmente - no Modernismo que buscamos nossa brasilidade, e demos o grande grito de nossa identidade nacional. Pois bem, esse grito dado na Literatura pelos Modernistas, no Cinema pelo Cinema Novo, na Gastronomia está sendo dado por Alex Atala e seus seguidores, sim, sua função social (a qual me referia anteriormente) dentro da História da Gastronomia é fundamental, fazendo dele o grande teorizador da nossa Gastronomia nacional. Creio que Alex Atala cumpre uma falta social e veste uma figura necessária, e até então, inexistente no nosso país, daí vem seu mérito, daí vem seu reconhecimento. Entretanto, assim como na Literatura e no Cinema, essas escolas que falavam sobre o brasileiro não eram accessíveis ao brasileiro retratado e, por isso, são vistas, por uma parcela da crítica, como elitistas. A cozinha genuinamente brasileira, que cresce em torno da bandeira da nossa própria brasilidade, da fama e da curiosidade da Amazônia (graças a uma pesquisa séria feita por Atala que descobre novos ingredientes de nossa floresta), essa cozinha conversa com quem? Com que brasileiro? Certamente não é com o amazonense que trabalha extraindo as raízes de priprioca, e nem estou dizendo que essa cozinha deveria ser para ele ou não. Há críticos, como Safatle, que defendem que a arte pressupõe um distanciamento necessário das massas. O grande problema da Gastronomia, ao contrário da Literatura e do Cinema, é que a Gastronomia se faz inacessível não só pelo viés cultural, mas também pelo viés econômico. As outras artes excluem públicos pelo viés cultura, e assim, por acarretamento, excluem classes. Já a Gastronomia exclui contundentemente classes. Talvez ela seja mais criticada por essa realidade ser pontual e escancarada, enquanto nas outras artes se vende a ideia de que estas são um bem social e, o mais irônico, de que a arte é pra todos.
Coloquemos em suspenso essa discussão fundamental e seguimos nos acontecimentos da “Virada Gastronômica”. A mídia, que nos referíamos anteriormente, ainda que funcione como divulgadora (no caso desses eventos, por exemplo), funciona ainda mais como um elemento de desejo e fetiche. Eu, diante de uma fila com milhares de entusiastas (estima-se que estiveram presentes na espera da galinhada mais ou menos 5 mil pessoas), havia no discurso das pessoas que pude acompanhar durante essas horas de espera, uma fala fetichista de necessidade de ascensão social, de necessidade de afirmação de algumas classes. Com a mobilidade socioeconômica dos últimos anos no Brasil, classes ascenderam e puderam comprar o status de estar no ambiente de desejados e disputados restaurantes, entretanto, muitos não puderam, e diante da organização socioeconômica do país, não poderão, não poderão comprar uma galinhada do Alex Atala. Ele, um chef com alma Punk, talvez como um alívio de consciência, ou com a melhor das intenções - entusiasmado e agradecido por poucos dias antes ter ascendido na classificação da maior premiação mundial da Gastronomia como o quarto melhor restaurante do mundo - quis excluir a taxa simbólica que seria cobrada pela galinhada servida na Virada Cultural e decidiu servi-la de graça.
Ainda não tenho uma opinião muito bem formada sobre o que aconteceu, estive em choque nesses últimos dias depois do que vive, gostaria de passar dias conversando com quem quer que seja sobre o assunto e me debruçar em novas opiniões, mas o que vi (com meu olhar cheio de parcialidades) foi um povo brasileiro precisando comer, no seu sentido mais antropofágico, as classes ascendentes, comer com um prazer marxista de luta de classes aquela galinhada e falar de boca cheia que sim, eles também comeram a galinhada, que sim, eles também conhecem o quarto melhor sabor do mundo, que sim eles também podem. Como seria bom se essa multidão estivesse lá com um grito consciente de luta de classe, mas estavam lá pela necessidade da tão obvio (e brega) sociedade do espetáculo, sociedade da exibição no qual o mostrar torna-se mais importante do que o fazer e vivenciar em si. Onde o sabor da galinhada torna-se irrelevante diante do fato de ter-se a comido, já que se ela estava quente ou fria (e como estava fria), não importasse, pois a foto não tem temperatura, a marcação do facebook não tem sabor.
A comida que estava lá era comida, e não experiência, como é a proposta genuína da cozinha de Atala. A experiência foi promovida pela ocasião, pelo tumulto e não pela Gastronomia em si. Aquele arroz requentado, aquele mirrado frango branco frio, com uma farofa descuidadamente jogada sobre ele, em um caixinha de chine in box, estava longe, mas muito longe de ser a galinhada que eu havia comido em seu restaurante, estava longe de sua conhecida precisão de temperatura, ponto do alimento, preocupação com a textura, com o estado dos ingredientes em seu melhor momento, muito longe de suas apresentação de pratos estonteantes, na delicadeza de seus talheres e louças, longe do aroma de sua cozinha, ou do aconchego de seu restaurante. Aquilo não era Gastronomia! A fraqueza da linha tênue entre cultura (a alta Gastronomia) e a natureza (necessidade primaria e básica), mostravam-se como antíteses em um retrato social decadente de São Paulo.
Cenas que me chocaram, uma delas, foi - quando presenciei um mendigo, tratado diariamente nessa mesma cidade como sub-humano, conseguindo pegar a tal desejada caixinha branca com a seleta galinhada. Saberia este da genialidade de Atala, ou de sua importância para a escola da Gastronomia? (Poderia até saber!) Cenas como essa é o que me fascina como pesquisadora é o que me angústia como cidadã dessa cidade. Este mendigo estava cumprindo uma de suas necessidades mais primeiras e urgentes, peleando na multidão por sua subsistência. Outra cena logo em seguida, no qual desavisada nem peguei fôlego do fato que então acabava de presenciar, foi quando uma jovem, que espremida pela multidão bem ao meu lado, dizia que não queria a galinhada, e em um tom de fã, uma fã nitidamente construída pela mídia que dizia a ela que Atala era o quarto melhor do mundo, suplicava em vê-lo, convencida de que sua imagem fosse realmente mais necessária do que comer sua galinhada. Ainda, nesse mesmo momento, haviam outros, mais revoltosos (aqueles que bem sabemos que estão por todas as partes) os que dizem: “Ai, estamos no Brasil, isso é Brasil.” Assumindo uma postura de vergonha, e de não pertencimento a esse Brasil “que não sabe fazer nada tão bem quanto a Europa”, incrível que esses seres estavam ali querendo comer da comida do Chef que justamente, em atitude bruscamente oposta, reverencia esse Brasil que eles debochavam. Outros, enfurecidos diziam: “cansei dessa fila, vou trabalhar seis meses para ir nesse restaurante e comer essa galinha em paz.”.
Um dos pré-requisitos da Gastronomia é a referência, é o arcabouço gastronômico, a enciclopédia de sabores que adquirimos ao longo da vida, para assim podermos fazer um julgamento embasado. É claro que um repertório de sabores pode ser, e na maior parte das vezes é, condicionado pelo que a crítica ressalta como o bom, o fino e o elegante. Um ótimo exemplo é o polêmico azeite de trufas. Ele era (e ainda é para alguns) considerado um ingrediente supremo da cozinha e uma vez afirmado pela crítica era aceito pelos condicionáveis apreciadores da Gastronomia. Roberta Sudbrack, uma chef renomadíssima, escreveu em seu blog (http://robertasudbrack.com.br/blog/tag/azeite-de-trufas/) que achava o azeite de trufas “falso, forte, grosseiro, indigesto” e se referia a ele como “gás poluente”, “substancia toxica”. Após o relato da chef, quase dois mil comentários foram postados por pessoas se confessando e assumindo jamais ter gostado do tal azeite alterado.
É verdade também que nossa arbitrária pré-disposição a gostar ou não gostar de alguns sabores é ativada na infância. Afirma-se que qualquer pessoa é absolutamente apta a gostar de qualquer sabor, desde que seja exposta a esse desde sua infância, sendo assim as preferências de sabores são um fator socialmente construído. E o que condiciona a essa sociedade gostar de tal sabor? Normalmente fatores ambientais, o alimento que é propício a certos climas, solos e regiões. Certamente uma cerveja em temperatura ambiente me parece muito mais apetitosa ao paladar alemão do que ao brasileiro, simplesmente por fatores climáticos, por exemplo. Entretanto, a sociedade globalizada não dispõe mais apenas dos alimentos produzidos em suas regiões, e assim, como possuem mais acesso a novos sabores, julgam mais os sabores que ainda não foram incorporados pelo global.
Como passar do regional para o global sem resquícios de verde-amarelismos? O que supera o Pau-Brasil na Literatura Modernista é justamente a Antropofagia, que segundo Benedito Nunes em Antropofagia ao alcance de todos, seria a bandeira de uma autonomia intelectual, já no contexto da Virada Cultural seria a superação do trauma de uma sociedade classista. Uma forma de transgredir os mecanismos de repressão econômica seria a “deglutição” de tais mecanismos que os reprimissem, justamente o devorar das classes exploradas pelas classes que as exploram, em uma metáfora aos ritos de guerreiros indígenas que devoravam seus inimigos, lhes arrancavam as forças e as qualidades, os digeriam até a geração do produto final da deglutição. Assim, como produto de uma “devoração sociocultural e econômica”, o pós-produto seria a satisfação e o grito (ou se quiserem, o arroto) das classes rebaixadas que estavam a espera da galinhada no minhocão. Assim, se Alex Atala é colocado como Modernista na História da Gastronomia, ressaltando a brasilidade dos ingredientes nacionais, devemos dizer a ele que: “Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.” Já dizia Oswald de Andrade em seu Manifesto Antropófago. Não crítico Atala, digo a ele que ele faz parte de um processo fundamental, mas não eterno.
O ocorrido, da Virada Gastronômica, em si só já era motivo de inquietações inestimáveis, mas ao pesquisar sobre o ocorrido na manhã seguinte, ainda tive que ler o depoimento do nosso queridíssimo secretaria municipal da cultura, Carlos Augusto Calil, na entrevista de Balanço da Virada: “Alta gastronomia é coisa para poucas pessoas. Não era para ser uma atração e virou uma grande atração. A imprensa deu uma superdimensão de evento de massa para um evento que não é de massa. Não dá para repetir essa incompatibilidade no ano que vem, teremos de rever." Este em outra vida estaria ao lado de Maria Antonieta, sentados, ambos em meio ao grandioso jardim de Versalhes comendo um delicioso brioche, enquanto o seu povo suplicava por pão! Mas, logo perderiam a cabeça.
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Os Primeiros Tempos do Cinema
O Cinema possui duas linhas principais de estudos: uma voltada para os elementos da sua própria linguagem (montagem, plano, sonoplastia, roteiro,etc), outra voltada para a história desta linguagem. No entanto, pegando a segunda linha, podemos dividir o primeiro período da história do Cinema em duas fases: a primeira (1895-1907) chamada de “Cinema documental” e a outra chamada de “Cinema ficcional” (1907-1915). Na primeira, o Cinema é apenas documental, enquanto que na segunda desenvolve a sua capacidade narrativa.
Na sua primeira fase, o Cinema possuía apenas um aspecto documental, servia somente como um documentador da realidade. A câmera era colocada paracaptar imagens frente a situações banais do cotidiano, tais como “A saída de trabalhadores da fábrica Lumière” (1895) ou “A chegada do trem a estação”(1895), primeiros filmes dos irmãos Lumière. Das situações do cotidiano, o Cinema passa a captar imagens de encenações de peças teatrais: uma câmera era colocada para captar as imagens a partir de um posicionamento na platéia, mostrando a visão que um espectador teria do espetáculo, mas, mesmo assim, seu caráter documental é mantido.
Outro aspecto desta primeira fase é a sua característica de exibição e de contato com o público, pois não havia salas apropriadas de projeção cinematográfica. O Cinema era mais uma das atrações de vaudeville (feiras de curiosidades), ao lado de exibições de todos os tipos: mágicos, acrobatas, freaks, curiosidades, etc; ou de exposições tecnológicas. Era visto como uma curiosidade, um elemento de espanto, por mostrar imagens em movimento. Os espectadores viam as projeções com espanto, tanto que é famosa a história da histeria causada pela exibição do filme “Achegada do trem a estação”, no qual o público se assustou, pensando que o treme ra real e vinha em direção a eles.
O Cinema é uma arte que depende de um desenvolvimento tecnológico, câmeras para captação de imagens, projetores, etc; e um aprimoramento técnico de sua linguagem, o que seria a técnica cinematográfica. A passagem do cinema estritamente documental para o cinema narrativo deu-se de forma gradual. No início, o filme era composto apenas por um único plano de conjunto, toda a ação era apreendida e se passava em um único enquadramento.
Com o aprimoramento da técnica cinematográfica, outros planos foram sendo criados e convencionalizados, tais como plano americano que mostra as personagens sendo enquadradas da cabeça até o joelho; o primeiro plano que é um enquadramento mais fechado do o plano americano, e o plano próximo, também chamado de close-up, que tem a função de destacar um objeto ou uma expressão dentro do universo da ação. Além dos planos, os movimentos de câmera em travelling e panorâmica, e o zoom-in e zoom-out, como também a pluralização dos ângulos de filmagem, juntamente com a montagem possibilitaram o surgimento do Cinema ficcional.
O Cinema na sua segunda fase deixa de ser apenas um mero documentador da realidade, desenvolve a capacidade narrativa, ou seja, a possibilidade de narrar histórias, abrindo uma nova e importante potencialidade artística. Oprimeiro artista a perceber esta potencialidade foi o francês George Méliès(1861-1938), que é considerado o primeiro cineasta da história a utilizar e a desenvolver o aspecto narrativo do cinema, com filmes que possuíam uma narrativa a partir dos elementos da própria linguagem cinematográfica.
Outro aspecto que caracteriza essa segunda fase é o surgimento e apropagação de espaços apropriados para a exibição cinematográfica, conhecidas como salas de exibição e de projeção. Com a popularização, veio o advento daquilo que será a “indústria cinematográfica” a partir do surgimento dos estúdios, que ajudaram a popularizar e a difundir o Cinema, uma arte então nova, que abria todo um novo campo de expressão artística.
O Cinema nasce documental e desenvolve a sua capacidade narrativa através de um processo lento e gradual de desenvolvimento de técnicas cinematográficas. Ao desenvolver a sua capacidade de narrar histórias a partir de elementos de uma linguagem própria, surge uma nova linguagem artística, dotada de toda uma potencialidade de expressão artística e de um grande impacto cultural ao longodos seus 117 anos: faça-se o Cinema.
Para ver: Ogaroto (Charles Chaplin, EUA, 1921)
Para ler: Asprincipais teorias do cinema (J. Dudley Andrew, Jorge Zahar editor, 2002)
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“Bastardos Inglórios”, de Quentin Tarantino, mais um, mas o último filme

A narrativa de “Bastardos inglórios” se passa durante a ocupação nazista à França, ou como os franceses preferem dizer: “durante a o período da Résistence française” (Resistência francesa), que ocorreu entre os anos de 1940 a 1944. Ela se divide em dois eixos narrativos: o primeiro narra a história de Shosanna (Mélanie Laurent), única sobrevivente de uma família judia exterminada pelo oficial da SS Coronel Hans Landa (Christoph Waltz); o segundo eixo narra a história do grupo de ações especiais contra os nazista, denominado de os “Bastardos ”. Eles são um grupo de dez soldados, liderados pelo capitão estadunidense Aldo, o Apache (Brad Pitt), que perseguem nazista nos territórios ocupados, usando táticas nada convencionais.
Os dois eixos da narrativa convergem para um ponto em comum: Shosanna trabalha em um cinema que receberá o alto escalão do partido nazista, dentre eles Gobbels, Borman e até mesmo Hitler, para a avant-prémier do filme “Orgulho de uma Nação”. Shosanna almeja incendiar o cinema com 350 filmes, que até a década de 50 continham nitrato em sua composição, já os Bastardos almejam explodir o cinema.
Quentin trabalha com um tema histórico, com uma narrativa ambientada durante a II Guerra Mundial, no entanto, em contra partida à fidelidade histórica da direção de arte, perfeita; o diretor constrói uma narrativa, não fiel a suas bases históricas, mas sim que beira à categoria do fantástico; pois o filme começa com a famosa frase “Once upon a time”, ou o nosso famoso “Era uma vez”. Com isso, Tarantino possui liberdade para tratar os fatos históricos com o seu típico humor noir, e subvertê-los, recriá-los.
Quentin não conseguiria atingir um estágio de cinema autoral, e muito menos ter um conjunto de obras significativas, monumentais. Por sua vez, Tarantino é um excelente diretor de atores; o elenco de seus filmes é sempre fantástico e competente. Ele é o único diretor que conseguiu uma atuação descente de John Travolta (Pulp Fiction), como também de Uma Thurman (Kill Bill). Em “Bastardos inglórios”, o mesmo acontece com Brad Pitt , que interpreta o Capitão Aldo. Mas, o destaque fica por conta do elenco de várias nacionalidades, que conta com atores como Daniel Brühl (Adeus, Lênin; Edukators) e com a atriz francesa Mélanie Laurent, perfeita, no mesmo de nível de Liv Ullman e Isabelle Huppert.
Quentin Tarantino com “Bastardos inglórios” entra em um gênero que não lhe é familiar. Fazer filmes de guerra tem as suas especificidades, que o diga Andrei Tarkovski com o “A Infância de Ivan” (Rússia, 1960) e Coppola com “Apocalipse Now” (EUA, 1980). Quentin é um diretor mediano, com grandes influências do cinema noir estadunidense da década de 50 e do diretor francês Jean-Luc Godard, tanto que o nome da sua produtora é “Band à part”, nome de um famoso filme de Godard.
Em “Bastardos inglórios”, há algumas características marcantes de Quentin como o excessivo humor noir. Mas, o filme possui como pontos negativos a falta de ritmo e o excesso de didatismo. O diretor não é ousado, em termos narrativos, como fora em “Pulp Fiction”; agora ele está na indústria, na máquina, deve agradar a pipoqueiros, namoradeiras e colegiais fãs de “Kill Bill”, o que faz com êxito. Mais um filme inglório de um diretor que tem a pretensão de estar no nível de um Godard, Fatih Akin, Wells, Lang, Scorsese. Pobre Quentin continue cortando cabeças, acéfalo.
Para ver: Oldboy (Chan-wook Park, Coréia do Sul, 2003)
Para ler: Violência e Cinema (Luís Nogueira, Estudos em comunicação, Universidade da Beira Interior, Portugal, 2002)
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Crítica Cinematográfica