O
Cinema, desde os seus primórdios, nutre certa empatia por

narrativas distópicas. Filmes apocalípticos, narrativas pessimistas em um futuro sem esperanças, no qual o homem está preso a uma situação negativa, tendo que sobreviver a fatores adversos, cheio de privações, são temas de diversos filmes anti-utópicos, tais como “
Alphaville”, “
Matrix”, “
Metrópolis”, “
Blade Runner: o caçador de andróides”, “
1984”, “
Fahrenheit 451” e “
Laranja Mecânica”. As narrativas distópicas podem ser divididas em três grupos a partir dos elementos que provocam a distopia: o primeiro, a tecnologia; o segundo, as corporações; e o terceiro, o Estado.
A distopia pode ser definida em oposição à utopia. A palavra distopia é de origem grega e significa “lugar ruim”, vist

o que o prefixo “dis” remete a algo negativo e o radical “topo” ou “topia” se refere a lugar, uma dada espacialidade. Já a palavra utopia remeteria a algum topo perfeito, ou seja, a um lugar ideal. O termo utopia foi muito difundido graças à obra “
Utopia" do filósofo humanista
Thomas More (1478-1535), na qual há a criação de uma sociedade perfeita, sem contradições e privações. Contudo, o termo mais usual é “socialismo utópico” e foi dado de forma pejorativa pelos adeptos do marxismo, que se autodenominavam arautos do socialismo cientifico.
A tecnologia possui o discurso de libertação do homem, contudo, nas narrativas distópicas, ela é a causa da desgraça humana, responsável por criar uma sociedade on

de o ser humano se torna refém de situações degradantes e totalmente submisso ou ameaçado pelas máquinas. O filme “
Alphaville” (1965, França), do cineasta da
Nouvelle Vague francesa Jean-Luc Godard (1930-), narra a história de uma cidade controlada pelo onipresente computador
Alpha 60.
Godard cria uma narrativa na qual o homem é controlado pela máquina e submisso à tecnologia, mesma base do enredo de "
Matrix" (1999, EUA) dos
Irmãos Wachowski.
As grandes corporações (empresas) são também responsáveis pelo controle humano, não só através do fetiche da mercadoria, mas também pela força e pela coerção. Em “
Metrópolis” (1927, Alemanha), o cineasta alemão
Fritz Lang (1890-1976) narra uma história centrada em uma sociedade controlada autocraticamente por um empresário, onde os homens são escravizados por uma pequena casta. Os trabalhadores são obrigados a permanecer no subsolo, enquanto uma minoria se aproveita de um status confortável. O filme é um dos marcos do
expressionismo alemão e expressa as contradições das relações de trabalho e a exploração do homem pelo homem. No filme “
Blade Runner: o caçador de andróides” (1982, EUA), o diretor
Ridley Scott apresenta uma sociedade futurista controlada pela
Corporação Tyrell, responsável por criar andróides chamados de Replicantes, que se revoltam contra os seus criadores.
O elemento causador da distopia mais comum é o Estado, representado como uma organização que controla e manipula a existência humana. No

filme “
1984” (1984, Inglaterra), baseado no livro homônimo do escritor inglês
George Orwell (1903-1950), tem-se uma sociedade controlada pelo “
Grande irmão”, onde o homem tem todas as suas ações controladas e vigiadas. Os valores humanos são condicionados pelos lemas “
Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força” e todos são submissos aos desmandos do Estado, “que está sempre certo”.
O Estado também é o causador da distopia no filme “
Fahrenheit 451” (1966, RU

) do cineasta francês
François Truffaut, no qual os livros são abolidos por provocarem opiniões próprias, que são consideradas anti-sociais e hedonistas; o pensamento crítico também é suprimido. Os livros são queimados por bombeiros que “livram” os homens da leitura, restando-lhes apenas a resistência de se tornarem livros, ou homens-livros. Já em “
Laranja Mecânica” (
A Clockwork Orange, 1971, RU), de
Stanley Kubrick, a distopia se mostra nos métodos do Estado para controlar o ser humano, como o “
Sistema Ludovico”. O personagem Alex (
Malcolm McDowell) tem as suas ações condicionadas pelo sistema Ludovico, que se mostra um método eficaz e coercivo de controle social.
Os filmes distópicos, muitas vezes, se confundem, ou são associados, com filmes de ficção científica futurista, no entanto, as narrativas distópicas possuem certas especificidades, tais como o caráter alegórico do enredo. A história se passa em um tempo futuro, mas as bases de construção da narrativa são elementos do presente, assim, cria-se uma relação de crítica e análise da conjuntura da sociedade contemporânea através da projeção das ações e da sociedade em um tempo futuro e em outro lugar, ou topos, mas, ambos são os nossos lugares e tempos, ligados pela alegoria. O pessimismo e a estupidez coletiva, condicionada pela tecnologia, pelas grandes corporações e pelo Estado, são as principais marcas das narrativas distópicas, que poderiam, sim, ser consideradas como um gênero cinematográfico, dada a grande quantidade de filmes que usam a distopia como elemento central do seu enredo.