Cartazes na Parede

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O diretor inglês Michael Winterbotton é um cineasta instigante. No seu filme “9 canções” (9 songs, 2004), ele nos coloca frente à dois princípios de prazer que, quando se cruzam ou se entrelaçam, causam estranhamento no princípio de realidade do espectador. O filme é estruturado a partir da alternância entre cenas de músicas em shows de rock com cenas íntimas do casal Matt e Lisa, como se vê uma estrutura simples e coesa. No entanto, o seu conteúdo se baseia em Eros e Orfeu, no qual reside a complexidade e o estimulo do juízo de valor dos espectadores.

O Cinema Curdo

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A década de 1990 foi o período de ouro do Cinema produzido no oriente-médio, merecendo especial destaque as produções iranianas. Diretores como Abbas Kiarostami (1940-) e Jafar Panahi (1960-), ambos estudaram Cinema na Universidade Teerã, abriram caminho para uma gama de outros diretores da região como Mohsen Makhmalbaf (1957-) e Majid Majidi (1959-). Na onda da New wave cinematográfica pela qual passava o Cinema iraniano, o cineasta curdo Bahman Ghobadi (1969-) acabou ganahando projeção internacional junto à crítica cinematográfica com diversos prêmios em festivais conceituados, como os de Cannes (França), Chicago (EUA), Berlin (Alemanha) e a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Ao longo de uma década, Bahman Ghobadi se consolidou como um dos principais diretores da região através da direção dos filmes “Tempo de embebedar cavalos” (Demek jibo hespên serxweş, Irã, 2000), “Exílio no Iraque” (Gomgashtei dar Aragh, Irã, 2002) e “Tartarugas podem voar” (Kûsî Jî Dikarin Bifirin, Irã, 2004).

O Curdistão é uma região que fica entre a Turquia, Irã e Iraque, habitada pela etnia curda. No entanto, assim como os bascos que vivem na fronteira da Espanha com a França, os curdos não possuem um Estado nacional, tendo o
seu território extendido por outros países. A complexa situação geopolítica da região, historicamente, dificulta a criação do Estado curdo. Mesmo sem um Estado, a etnia curda possui uma identidade cultural rica, que sobrevive ao longo dos séculos principalmente através da música e da literatura. Atualmente, ela ganha destaque através dos filmes de Bahman Ghobadi. No caso do diretor, ele nasceu na parte iraniana do Curdistão, por isso as produções de seu filme saem como sendo do Irã, o mesmo ocorre com diretores, por exemplo, palestinos que devem colocar a origem de suas produções cinematográficas como sendo israelense, devido à falta de um Estado palestino.

O primeiro filme de destaque de Bahman Ghobadi foi “Tempo de embebedar cavalos” (2000). Na obra, o diretor apresenta a situação do cotidiano de vilas curdas que sofrem o descaso e a opressão dos Estados nacionais iraniano e, principalmente, iraquiano. A solução dos problemas das personagens, nesse caso a órfã Ayoub, que deve cuidar dos seus outros irmãos, incluso um mais novo que sofre de uma doença rara, é atravessar a fronteira do Irã para o Iraque. Para piorar a situação, Ayoub perde uma mula de um comerciante e tem que trabalhar para pagar a dívida.

No seu segundo filme de destaque, “Exílio no Iraque” (2002), o diretor novamente trabalha, a partir de uma perspectiva neo-realista, a situação dos curdos. Por seu turno, a narrativa centra-se na busca de três músicos curdos (um pai e dois filhos), do lado iraniano, por uma famosa cantora que teve que se mudar para o Iraque, anos antes durante a “revolução islâmica”. O contexto da busca desenvolve-se no decorrer do conflito entre Irã e Iraque, no final da década de 1980. No entanto, o que se destaca no filme é a música curda, ainda modal. Quando a busca chega ao final, o que é encontrado não é o que se buscava anteriormente, mas sim outros elementos essenciais para vida. Já que a cantora se esconde, por ter o rosto desfigurado por armas químicas lançadas por Saddam Hussein. Restam-lhes somente atravessar a fronteira, que atrapalha a volta para casa.

Sem dúvida, a grande obra prima de Bahman Ghobadi é o filme “Tartarugas podem voar” (2004), exibido em Araraquara na saudosa Sessão Zoom, em 2006. Novamente, a narativa do filme faz alusão à difícil situação curda, só que desta vez durante a invasão do Iraque pelo governo estadunidense, em 2003. Em um vilarejo ao norte do país, diversas crianças mutiladas vivem em um acampamento de refugiados, onde o cotidiano lúdico infantil se contrasta com os horrores de diversas guerras, sejam as anteriores, ou a que está se configurando. A situação, e a invasão, é expressa a partir da óptica das crianças, que têm o menino apelidado de “Satélite” como mentor e principal protetor. O drama centra-se, no entanto, na situação de três pequenos órfãos refugiados (uma menina e dois meninos mais novos) que chegam ao acampamento. Os três vivem em um abismo de angústia, pois o menino mais novo (3 anos) é fruto de um estupro sofrido pela menina, que fora provocado por soldados iraquianos durante o massacre de sua antiga vila.

Bahman Ghobadi é um arauto da cultura curda, em seus filmes o que se vê é a expressão de uma cultura em suas diversas modalidades, sejam elas musicais, literárias e, a grande novidade e mérito do diretor, a cinematográfica. Nota-se que, mesmo em situações trágicas, a comédia dá um tom ameno para a tragédia. Ela é auxiliada pela música, responsável pela desautomatização do cotidiano de caos. A fronteira do Iraque com o Irã, por dividir e separar o território curdo, se apresenta como um empecilho ao desenvolvimento natural do cotidiano das relações sociais, familiares, e no caso do músico Mirza, em “Exílio no Iraque”, a amorosa. Mas, o humano é demasiado humano, consegue manter a sua identidade, pois a sua pátria é a sua língua, sua música, sua cultura, seus filmes.

Para ver: Em segredo (Direção: Jasmila Zbanic, Bósnia-Herzegóvina, 2006)
Para ler: Lendo as Imagens do Cinema (Michel Marie, Editora Senac, 2009)

Cartazes na Parede

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No documentário, a música ecoa pela cidade de Istambul. Há diversas vozes, uma polifonia musical. Cada canto da cidade um canto, uma voz, um gênero, passando pela música tradicional turca, pelo rap, rock, heavy metal, música clássica e por todos os sons (modal, tonal e serial) produzidos por uma grande cidade milenar. Faith Akin rodou 150 horas de material audiovisual, condensando-o em 90 minutos. O diretor alemão realça a relação entre a música e o espaço geográfico urbano. Ele nos mostra as músicas feitas nas praças, nos bairros, no centro, na periferia, em casas de shows e em pequenos estúdios. Cada música ou gênero estão intimamente ligados com o espaço. O diretor percorre todo o labirinto urbano de Istambul na tentativa de desvendar, de compreender a música feita por seus habitantes. Pelo fato de ser um documentário, o espectador vai junto, tem a mesma visão da fantástica cidade, juntamente com seus sons.

Informações Técnicas
Título no Brasil: Atravessando a Ponte - o Som de Istambul
Título Original:
Crossing the Bridge: The Sound of Istanbul
Diretor: Fatih Akin
País de Origem: Alemanha / Turquia
Gênero: Documentário
Tempo de Duração: 90 minutos
Ano de Lançamento: 2005


A Dualidade do Cinema Soviético da Década de 1960

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O Cinema soviético possui dois grandes períodos: o primeiro período foi representado por cineastas tais 
como Sergei Eisenstein (1898-1948), Vsevolod Pudovkin (1893-1953) e Dziga Vertov (1896-1954), tendo o seu auge na década de 1920. Durante 1960, o cinema soviético ficou polarizado por dois cineastas: Mikhail Kalatozov (1903-1973) e Andrei Tarkovski (1932-1986) que dirigiram, respectivamente, os filmes “Sou Cuba” (Soy Cuba/Ya Kuba, Cuba-U.R.S.S, 1964) e “Andrei Rublev” (U.R.S.S, 1966), que expessam a dualidade entre as correntes do Realismo-socialista e do Cinema poético-puro, e, ao mesmo tempo, o segundo período mais importante da história do cinema soviético.

"Sou Cuba” (1964), de Mikhail Kalatozov, é um dos filmes mais importantes da década de 1960. O filme é considerado uma das expressões máximas do Realismo-socialista, ou seja, da corrente estética marxista ortodoxa que imperava nas artes soviéticas, e que possuia uma concepção de Arte pautada na sua relação com a sociedade e, principalmente, como expressão da luta de classes. Toda a arte soviete, incluindo o Cinema, deveria ser uma expressão ideológica do regime soviete. No caso de Kalatozov, ele havia ganhado grande destaque internacional com o filme “Quando voam as cegonhas” (Letyat Zhuravli, U.R.S.S, 1957), que foi laureado com a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1958.

Deste modo, no contexto da Guerra Fria (1945-1991), pós Revolução cubana (1959) e pós “Crise dos mísseis” (1962), o filme ”Sou Cuba” de Kalatozov serviu como um elemento panfletário e antí-imperialista-capitalista, na medida em que narra a vida da população cubana antes e depois da Revolução, ou seja, da passagem de Cuba como “protetorado”, “casa de praia”, e “prostíbulo” estadunidense para a revolução socialista. Todo um grande aparato de produção, financiado pelo governo soviético, contando com o mais famoso diretor da época (Kalatozov) e com profissionais da área, foi levado para a ilha caribenha na tentativa de rodar um filme que mostrasse, a partir de quatro pequenas histórias exemplares, o processo de transformação pelo qual passou a sociedade cubana na passagem do regime ditatorial de Fulgencio Batista para a revolução de 1º de janeiro.

Por seu turno, em oposição ao filmes realistas-socialistas, ainda na década de 1960, o filme “Andre Rublev” (1966), de Andrei Tarkovski, é uma biografia não linear do homônimo grande pintor russo, que viveu entre os anos de 1360 e 1430. Um período extremamente conturbado da história da Rússia, que sofria com invasões de tribos Tártaras e estava no auge da baixa Idade-Média. Acompanhamos, ao longo de mais de três horas e meia, a trajetória de Rublev e o surgimento e desenvolvimento de seus anseios e de suas dúvidas sobre a fé (Deus), a sociedade russa e sobre a Arte. Vê-se a tentativa do Artista de compreender o mundo a sua volta, seja nos seus aspectos históricos e sociais como também artísticos e estéticos, em uma incessante busca pelo conhecimento e pela verdade.

A inovação de Tarkovski, na estrutura narrativa de “Andrei Rublev”, foi extremamente mal recebida pelo público, pela crítica e pelos políticos soviéticos. Eles alegavam que a narrativa do filme subvertia os dados históricos e a biografia do grande pintor russo. Bradavam ainda que o cineasta desconsiderou a conjuntura materialista histórica dialética e que ainda não se utilizou dos preceitos da estética “Realista-socialista”, que vinha no seu auge criativo com o cineasta Mikhail Kalatazov através do filme “Sou Cuba” (1964). Devido a este conjunto de fatores, Tarkovski foi censurado e execrado pela crítica cinematográfica soviética. No entanto, fora da Rússia, “Andrei Rublev” recebeu diversos prêmios, dentre eles o “Prêmio da Crítica” do Festival de Cannes de 1966. O filme é ainda considerado um dos mais importantes da história do cinema.

Andrei Tarkovski possui uma posição inusitada na história do cinema soviético. Sem dúvida, ele é o mais expressivo e importante cineasta da Rússia desde a tríade de grandes cineastas (Eisenstein, Pudóvkin, Vertov) da escola soviética da década de 20 do século passado. Estudado, amado e laureado fora União Soviética, no entanto, em seu país, Tarkovski foi incompreendido e extremamente censurado. As características do seu filme “Andrei Rublev” não se enquadravam nos preceitos da estética do “Realismo-socialista, então pregada como obrigatória na União Soviética, e bem representada por Mikhail Kalatozov através do filme “Sou Cuba”. O embate das concepções estéticas de Andei Tarkovski e Mikhail Kalatozov expressam não só a dualidade pelo qual passou o cinema soviético na década de 1960, mas também as duas principais polarizações da história da Arte: a primeira diz que a obra de Arte deve ter uma autonômia frente à sociedade e ao real; e a segunda afirma ser a Arte uma expressão direta do real e que esta estabelece uma relação dialética com as forças materias que regem a sociedade.

Para ver: Z (Costa-Gavras, França-Grécia, 1969)
Para ler: A forma do filme. (Sergei Eisenstein, Editora Zahar, 2002)

Cartazes na Parede

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Informações Técnicas
Título no Brasil: Andrei Rublev
Título Original: Andrey Rublyov
País de Origem: União Soviética
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 205 minutos
Ano de Lançamento: 1966
Direção: Andrei Tarkovsky

Sinopse
O filme é uma biografia não linear do grande pintor russo Andrei Rublev, que viveu entre os anos de 1360 e 1430. Um período extremamente conturbado da história da Rússia, que sofria com invasões de tribos Tártaras e estava no auge da Baixa Idade-Média. Acompanhamos, ao longo de mais de três horas e meia, a trajetória de Rublev e o surgimento e desenvolvimento de seus anseios e de suas dúvidas sobre a fé (Deus), a sociedade russa e sobre a Arte. Vê-se a tentativa do Artista de compreender o mundo a sua volta, seja nos aspectos históricos e sociais como também artísticos e estéticos, em uma incessante busca pelo conhecimento e pela verdade.

O Autor do Filme

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No princípio era o caos, o Homem fez a Arte, viu que era bom. Depois as Artes se multiplicaram, eram cinco; hoje, são mais de nove. O criador da Literatura é o Escritor; o da Música é o Músico; o da Pintura é o Pintor; e o autor do filme? A questão autoral no Cinema se mostra mais complexa, nas artes individuais (Literatura, Pintura, etc) a resposta é mais fácil, no entanto, por ser uma Arte coletiva, a resposta teórica acerca da autoria do filme ficou sem resposta até 1955, ano da publicação do artigo “Política dos autores” (Politique des auteurs) do cineasta francês François Truffaut (1933-1984), na revista de cinema “Cahiers du Cinéma”.

No seu artigo, Truffaut abordou a questão da autoria do filme. Em outras Artes individuais, tais como a Literatura, a Música, a Pintura, a resposta é óbvia: o Escritor, o Compositor e o Pintor, respectivamente, são os autores; mas, em se tratando do Cinema, a resposta não tão obvia. Para o cineasta francês alguns filmes podem ter um autor representado pela figura do Diretor. Ele afirma que nem todos os filmes possuem um autor, pois nem todos são expressões individuais e artísticas de seus respectivos diretores. Somente Diretores que dominam a técnica cinematográfica, e que possuem um estilo nítido, que particulariza a técnica, produzem filmes autorais.

Cabe ao Diretor o poder da escolha, mesmo não escrevendo uma linha do roteiro, não escolhendo os ângulos, ou dirigindo os autores, cabe-lhe a escolha, boa ou ruim, do que entra ou não no filme. Para Truffaut, o Diretor, ao fazer escolhas, transforma as obras em pessoais. A escolha é o poder autoral, pois ele decide e, ao decidir, cria, mesmo que indiretamente. A criação surge justamente no poder de escolha, na decisão criativa, pois somente o Diretor tem a estrutura do filme em sua mente, cabe-lhe expressá-la em um discurso cinematográfico, carregado de expressividade artística e de um posicionamento particular e único frente à Arte e ao mundo.

Mas, todos os filmes possuem um autor? A resposta de Truffaut é não. Pois, nem todos os filmes são obras de arte e expressões artísticas de seus criadores. No caso do cinema hollywoodiano, por exemplo, não há o cinema autoral, visto que o filme é um mero produto de entretenimento que deve ser consumido por um maior número de indivíduos, e depois descartado. Neste tipo de produção, o diretor é apenas um mecanismo da engrenagem da indústria para a produção em massa. Por isso, os filmes seguem uma cartilha e uma estrutura fixa, sem experimentações, seja no âmbito da narrativa, quanto no âmbito da direção. Ao diretor, cabe-lhe apenas o trabalho de decupagem do roteiro em um discurso linear e padrão.

Ainda na indústria hollywoodiana, o profissional que detêm o maior poder de decisão sobre um filme é o produtor. Ele é o responsável pelo financiamento do filme, e por ser um produto, almeja que o seu seja vendável ao maior número de pessoas possível. O produtor é o responsável pela escolha do roteiro, do diretor, e de todos os outros profissionais de destaque que trabalham no filme. Cabe-lhe ainda o poder de demitir diretores, caso ousem “sair da linha” e a aprovação final do produto, ou seja, “o controle de qualidade”.

No Cinema brasileiro, “a política dos autores” foi introduzida na década de 1960 por cineastas, tais como Glauber Rocha (1939-1981), representante do movimento cinematográfico do Cinema Novo, e Nelson Pereira dos Santos (1928-). Na estética cinemanovista, aliás, a proposta de um cinema autoral é um dos principais pontos sustentado por seus Diretores. Glauber Rocha, por exemplo, foi um dos maiores arautos da necessidade de se transforma as produções brasileiras em expressões artísticas, pois somente com a criação de um discurso cinematográfico próprio, e que retratasse a nossa realidade social, política e cultura, que o cinema brasileiro poderia sair de seu ostracismo e da sua dependência hollywoodiana. Deste modo, a proposta de um Cinema autoral foi um dos elementos que propiciou a criação de um dos mais importantes movimentos cinematográficos da segunda metade do século XX: o Cinema Novo.

Um dos principais elementos discutidos pelos cineastas da Nouvelle Vague francesa diz respeito à questão autoral da obra cinematográfica, ou seja, a discussão acerca do autor do filme. Na Literatura, que é uma arte individual, o autor é o Escritor. No caso do Cinema, por ser uma Arte coletiva, não havia a imagem de um autor representado por um único indivíduo, o que mudou, podendo ficar a cargo do Diretor a possibilidade autoral. Assim, em alguns casos, o filme seria uma expressão artística individual do Diretor, que seleciona e tem o poder de escolha e, acima de tudo, de criação. Se ele falar haja luz, a luz será feita; atue desta maneira, a atuação será seguida; faça-se a montagem, a edição será feita.

Para ver: Fellini-8 ½ (Federico Fellini, Itália, 1963)
Para ler: O prazer dos olhos: escritos sobre Cinema (François Truffaut, Jorge Zahar editora, 2006)

Comemorações de 13 de julho

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Toda expressão e linguagem artítica possui uma forma e um conteúdo. Quando, nos dias 13 de julho comemoramos o Dia Internacional do Rock, estamos salutando o gênero musical mais expressivo da Música Serial Pop da segunda metade do século passado. Mas enquanto gênero, ele possui uma multiplicidade de formas e conteúdos, que se subdividem em outros sub-gêneros-, desde o Progressivo, Punk, Ska, Indie, Tecnopop, Pop, New wave.

No início, o Rock era Rock 'n' roll, uma síntese de duas linhas evolutivas da música popular estadunidense: a Rhythm and Blues com Country and Western, podemos dizer que ele possuia 80% do primeiro e 20% do segundo (no seu primo próximo, o Rockabilly, essa proporção é de 50% por 50%). Tinha, no máximo, doze compassos, com três ou quatro rifs da escala pentatônica, a apartir de uma forma simples que não passava de três minutos.

O parricídio ocorre em 1965, quando o Rock nasce enquanto gênero e se desgarrar das formas simples e limitantes do Rock'n'roll. No dia 24 de julho, Bob Dylan liberta o gênero de suas amarras formais, a forma é expandida-, o Bardo lança a peça LIKE A ROLLING STONES. No dia 06 de agosto, os Beatles lançam o álbum HELP-, o conteúdo se torna mais complexo e amplo. A música não possui mais temática unicamente adolescente (Teenager), ela agora diáloga com outros gêneros, como a música Modal Hindu, a Erudita, etc.

A canção não estaria mais presa a uma forma fixa, pequena e limitada-, seus limites formais foram ampliados. LIKE A ROLLING STONE inicia um processo cíclico de desenvolvimento formal da música pop serial, com o desenvolvimento da forma musical, foi-se do Progressivo-, com músicas que ocupam dois lados inteiros do Álbum como, por exemplo, Thick as a Brick (1972) da banda inglesa Jethro Tull -, para a volta de formas simples com o Punk, através de músicas como Blitzkrieg Bop e I wanna be sedated (1975), dos Ramones.

Com a disco HELP, os Beatles iniciam uma segunda fase em sua carreira e modifica a musica pop serial. Com a música YESTERDAY, a configuração básica e recorrente de banda de rock'n'roll é modificada-, a canção, composta por Paul MacCartney, é executada, não por uma guitarra, um baixo e uma bateria-, mas sim por um quarteto de cordas composto por dois violinos, uma viola e um violoncelo-, sendo esta uma formação padrão típica da MÚSICA DE CÂMARA ERUDITA.

Se hoje temos o que comemorar, saudemos os que primeiro trouxeram as boas novas: BOB DYLAN e THE BEATLES. Quem tiver ouvidos, ouçam-, mas no compasso máximo, na forma cíclica-, na ontogênese e na partenogênese do desenvolvimento da Música Serial Pop. As proles são muitas, há bastardos-, filhos pródigos. Harmonias complexas, simples-, escalas pentatônicas, diatônicas-, simultaneidades: modal, tonal-, serial.

Bob Dylan - Like a rolling stone



The Beatles - Yesterday


“O Encouraçado Potemkin”: das Reflexões de um Cineasta ao Sentido do Filme

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Talvez, uma das perguntas mais complexas e, muitas vezes, intermitentes acerca da Arte seja a questão do que torna algo, um objeto ou uma criação uma obra de Arte? Ou seja, quais os elementos que a constituem e que a diferenciam em relação às outras Artes? Quais são as suas especificidades? Sem dúvida, tais questões colocaram-se de forma contundente para os teóricos da estética cinematográfica no início do século XX, quando o Cinema ainda engatinhava. Neste período, o Cinema ainda era visto como teatro filmado ou um mero documentador da realidade. Contudo, um dos maiores teóricos e cineastas da história do Cinema, o russo Sergei Eisenstein (1898-1948) foi um dos pioneiros na defesa do Cinema como Arte, ao desenvolver reflexões sobre a Arte Cinematográfica e os seus elementos estruturais, que dariam sentido ao filme. Eisenstein não foi apenas um grande teórico, mas também um excelente cineasta. Um filme que sintetiza toda a sua teoria e concepção acerca da Sétima Arte é “O Encouraçado Potemkin” (Bronenosets Potyomkin, 1925, Rússia).

O Encouraçado Potemkin” é dividido em cinco partes. Na primeira “Homens e vermes”, há a exposição da situação do encouraçado. Vemos que os marinheiros são obrigados a comer carne estragada, o que gera descontentamento por parte deles para com seus superiores. Na segunda parte “O drama da pôpa”, os marinheiros recusam-se a tomar uma sopa feita com a carne estragada, o que gera a ira dos almirantes, que ordenam o fuzilamento dos marinheiros por insubordinação. Mas, os oficiais recusam-se a receber as ordens de atirar nos seus companheiros, quando se inicia o motim. Na terceira parte “O sangue pede vingança”, após revolta e a tomada do controle do encouraçado por parte dos revoltosos, o primeiro marinheiro, que se revoltara, é morto. Há o lamento fúnebre e o comício na cidade de Odessa. Na quarta parte “A escadaria de Odessa”, a população se confraterniza com os marinheiros do encouraçado e, em seguida, começa um tumulto ao longo da escadaria, oficiais do governo czarista abrem fogo contra a população. Na quinta parte “A passagem entre a esquadra”, o encouraçado objetiva passar por entre uma esquadra que deveria abatê-lo. Mas, a esquadra recusa-se a atirar. O encouraçado passa ao lado dela.

Na quarta parte, temos uma das seqüências mais conhecidas da história do cinema: “A escadaria de Odessa”. Inicialmente, em primeiro plano, temos um caos de corpos que se debatem numa caminhada em direção ao alto da escadaria. Depois, como nos descreve Eisenstein, tem-se um plano geral de pessoas caminhando rapidamente e desordenadamente, fogem escada abaixo dos oficiais czaristas, que atiram. Neste ponto, podemos identificar a teoria da montagem de Eisenstein de forma clara. Há “closes” nos rostos de dor de pessoas da multidão e, em seguida, vemos um plano geral, no qual os oficiais marcham atirando balas escada abaixo, o que realça a indignação do espectador e a unidade orgânica da justaposição de planos e de toda a cena. Há o pulo dos planos; do movimento caótico da multidão para o movimento rítmico dos oficiais. Nesta justaposição de planos está o efeito pretendido pelo cineasta e no qual reside toda a sua teoria cinematográfica.

Para Eisenstein, o que caracteriza o Cinema como Arte, e o que o diferencia das outras Artes é a Montagem. Toda a sua teoria acerca do sentido do filme se situa em torno da montagem cinematográfica. Ela daria sentido ao filme e, ao mesmo tempo, teria um sentido. Se pegarmos um exemplo, que o cineasta nos dá, de um plano no qual há o rosto de uma mulher e, em seguida, justapormos este plano a um outro plano, que tenha a imagem de um túmulo, pensaríamos que ela está triste, devido à morte de um ente querido. Agora, se pegarmos o mesmo plano da mulher e, em seguida, justapormos a um plano que tenha a imagem de uma mesa de comida, pensaríamos que ela está com fome. Mas, como isto pode acontecer se a imagem da mulher é igual nos dois exemplos? Isto se dá porque, quando dois planos são justapostos, inevitavelmente, criam um novo conceito, um novo sentido, que surge da justaposição dos planos.

Eisenstein foi um gênio. A sua teoria acerca da montagem cinematográfica, juntamente com a sua grande capacidade de dirigir grandes filmes como “A greve” (Statchka, 1924), “Outubro” (Oktiabr, 1927), “Alexandre Nevski” (Aleksandr Nevski, 1938); ajudaram a elevar o cinema a categoria de Sétima Arte. No “O Encouraçado Potemkin”, podemos notar toda a genialidade de Eisenstein como cineasta. O filme tem uma estrutura coesa e uma montagem que revela a concepção estrutural do grande cineasta russo. Na quarta parte “A escadaria de Odessa”, tem-se uma das cenas mais famosas da história do cinema: a cena do carrinho de bebê descendo, após a sua mãe ser morta, pelas escadas abaixo. Esta cena, ao lado de cenas como a Morte jogando xadrez com um Cavaleiro; a grande foto de Charles Foster Kane; Hynkel brincando com um globo; Sylvia Rank se banhando na fonte de Trevi, em Roma; um osso girando e ganhando o espaço; pessoas decorando livros inteiros em um bosque; são exemplos máximos da Sétima Arte. Já “O Encouraçado Potemkin” é um exemplo de como as reflexões de um grande cineasta podem dar sentido ao filme e, acima de tudo, especificidades ao Cinema.

Para ver: A Mãe (Vsevolod Pudovkin, Rússia, 1924)
Para ler: Lingüística. Poética. Cinema (Roman Jakobson, Editora Perspectiva, 2002)

The Velvet Underground

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Cinema e Distopia

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O Cinema, desde os seus primórdios, nutre certa empatia por narrativas distópicas. Filmes apocalípticos, narrativas pessimistas em um futuro sem esperanças, no qual o homem está preso a uma situação negativa, tendo que sobreviver a fatores adversos, cheio de privações, são temas de diversos filmes anti-utópicos, tais como “Alphaville”, “Matrix”, “Metrópolis”, “Blade Runner: o caçador de andróides”, “1984”, “Fahrenheit 451” e “Laranja Mecânica”. As narrativas distópicas podem ser divididas em três grupos a partir dos elementos que provocam a distopia: o primeiro, a tecnologia; o segundo, as corporações; e o terceiro, o Estado.

A distopia pode ser definida em oposição à utopia. A palavra distopia é de origem grega e significa “lugar ruim”, visto que o prefixo “dis” remete a algo negativo e o radical “topo” ou “topia” se refere a lugar, uma dada espacialidade. Já a palavra utopia remeteria a algum topo perfeito, ou seja, a um lugar ideal. O termo utopia foi muito difundido graças à obra “Utopia" do filósofo humanista Thomas More (1478-1535), na qual há a criação de uma sociedade perfeita, sem contradições e privações. Contudo, o termo mais usual é “socialismo utópico” e foi dado de forma pejorativa pelos adeptos do marxismo, que se autodenominavam arautos do socialismo cientifico.

A tecnologia possui o discurso de libertação do homem, contudo, nas narrativas distópicas, ela é a causa da desgraça humana, responsável por criar uma sociedade onde o ser humano se torna refém de situações degradantes e totalmente submisso ou ameaçado pelas máquinas. O filme “Alphaville” (1965, França), do cineasta da Nouvelle Vague francesa Jean-Luc Godard (1930-), narra a história de uma cidade controlada pelo onipresente computador Alpha 60. Godard cria uma narrativa na qual o homem é controlado pela máquina e submisso à tecnologia, mesma base do enredo de "Matrix" (1999, EUA) dos Irmãos Wachowski.

As grandes corporações (empresas) são também responsáveis pelo controle humano, não só através do fetiche da mercadoria, mas também pela força e pela coerção. Em “Metrópolis” (1927, Alemanha), o cineasta alemão Fritz Lang (1890-1976) narra uma história centrada em uma sociedade controlada autocraticamente por um empresário, onde os homens são escravizados por uma pequena casta. Os trabalhadores são obrigados a permanecer no subsolo, enquanto uma minoria se aproveita de um status confortável. O filme é um dos marcos do expressionismo alemão e expressa as contradições das relações de trabalho e a exploração do homem pelo homem. No filme “Blade Runner: o caçador de andróides” (1982, EUA), o diretor Ridley Scott apresenta uma sociedade futurista controlada pela Corporação Tyrell, responsável por criar andróides chamados de Replicantes, que se revoltam contra os seus criadores.

O elemento causador da distopia mais comum é o Estado, representado como uma organização que controla e manipula a existência humana. No filme “1984” (1984, Inglaterra), baseado no livro homônimo do escritor inglês George Orwell (1903-1950), tem-se uma sociedade controlada pelo “Grande irmão”, onde o homem tem todas as suas ações controladas e vigiadas. Os valores humanos são condicionados pelos lemas “Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força” e todos são submissos aos desmandos do Estado, “que está sempre certo”.

O Estado também é o causador da distopia no filme “Fahrenheit 451” (1966, RU) do cineasta francês François Truffaut, no qual os livros são abolidos por provocarem opiniões próprias, que são consideradas anti-sociais e hedonistas; o pensamento crítico também é suprimido. Os livros são queimados por bombeiros que “livram” os homens da leitura, restando-lhes apenas a resistência de se tornarem livros, ou homens-livros. Já em “Laranja Mecânica” (A Clockwork Orange, 1971, RU), de Stanley Kubrick, a distopia se mostra nos métodos do Estado para controlar o ser humano, como o “Sistema Ludovico”. O personagem Alex (Malcolm McDowell) tem as suas ações condicionadas pelo sistema Ludovico, que se mostra um método eficaz e coercivo de controle social.

Os filmes distópicos, muitas vezes, se confundem, ou são associados, com filmes de ficção científica futurista, no entanto, as narrativas distópicas possuem certas especificidades, tais como o caráter alegórico do enredo. A história se passa em um tempo futuro, mas as bases de construção da narrativa são elementos do presente, assim, cria-se uma relação de crítica e análise da conjuntura da sociedade contemporânea através da projeção das ações e da sociedade em um tempo futuro e em outro lugar, ou topos, mas, ambos são os nossos lugares e tempos, ligados pela alegoria. O pessimismo e a estupidez coletiva, condicionada pela tecnologia, pelas grandes corporações e pelo Estado, são as principais marcas das narrativas distópicas, que poderiam, sim, ser consideradas como um gênero cinematográfico, dada a grande quantidade de filmes que usam a distopia como elemento central do seu enredo.

Para ver: Stalker (Andrei Tarkovsky, URSS, 1979)
Para ler: Totó, Peppino e a Guerrilha psíquica ((Luther Blissett, 2001)