Bergman e Antonioni: homens que abrem o sétimo selo e olham para o eclipse.

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Na maioria das vezes, o Artista conjuga o seu nome junto com a sua obra, de modo que o seu nome torna-se sinônimo de sua criação. É o que acontece com os cineastas Ingmar Bergman e Michalangelo Antonioni. Não conseguimos dissociar filmes tais como: “Monika e o desejo” (Sommaren med Monika) – 1952, “O sétimo selo” (Det sjunde inseglet) – 1956, “Morangos silvestres” (Smultronstallet) – 1957, “Gritos e sussurros” (Viskningar och rop) – 1972, “Sonata de outono” (Höstsonaten) – 1978; “O grito” (Il grido) – 1957, “A noite” (La notte) – 1961, “O eclipse” (L’eclisse) – 1962, “Depois daquele beijo” (Blow up) – 1966, Zabriskie Point – 1970 dos nomes Bergman e Antonioni. Dois gênios que se dedicaram ao largo de sua existencia a produzir belos filmes. Infelizmente, ontem, dia 30 de julho, faleceu o cineasta sueco Ingmar Bergman (1918 - 2007) e, hoje, dia 31 de julho, também faleceu o cinesta italiano Michelangelo Antonioni (1915 - 2007). Duas grandes perdas para sétima arte. Contudo, este dois grandes cineastas deixaram filmes que retratam, cada um a sua maneira, a existência humana nos seus dramas atemporais (morte, efemeridade da existência humana, Deus, Homem) e dramas intimamente ligados a sua condição histórica moderna (solidão, alienação, sistemas de contradições da sociedade moderna).

Poucas obras artísticas criada pelo homem, na sua eterna e insessante busca pelo conhecimento do mundo e de si próprio, retratam de forma tão poética e profunda os anseios do homem na busca da sua constituição metafísica como o filme de Bergman “O sétimo selo” (Det sjunde inseglet) – 1956. No filme, após dez anos, um cavaleiro Antonius Block (Max Von Sydow) retorna das Cruzadas e encontra o seu país (Suécia) devastado pela peste negra. Sua fé em Deus é sensivelmente abalada e enquanto reflete sobre o significado da vida, a Morte (Bengt Ekerot) surge à sua frente querendo levá-lo, pois chegou sua hora. Objetivando ganhar tempo, convida-a para um jogo de xadrez que decidirá se ele parte com a Morte ou não. Tudo depende da sua vitória no jogo e a Morte concorda com o desafio, já que não perde nunca. Aqui a morte é o cerne da questão levantada por Bergman. A principal questão metafísica humana: seria a morte a principal manifestação empírica da realidade ou a mera condição que o homem está sujeito aos caprichos divinos de Deus, do Diabo ou da Morte. Estas questões, inserem-se, no filme, numa conjuntura caótica e angustiante para o cavaleiro e seu escudeiro.

A cena do jogo de xadrez com a Morte, mostra-se de beleza estética cinematográfica única na sétima arte.Após acordar na praia, o cavaleiro lava o seu rosto e reza baixinho, ao virar a sua face para trás, ele defronta-se com a figura da Morte. Assustado e com medo, o cavaleiro pergunta se a Morte gostaria de jogar xadrez, já que lerá que todos jogam xadrez, inclusive a Morte. A morte acha que isto é uma artimanha do cavaleiro para que não seja “levado”, mas concorda em iniciar a partida. O interessante que a Morte não é retratada como a irmã mais velha dos “perpétuos” ou como uma entidade monstruosa, na acepção física, ela se aprece com um homem e se veste como um monge. Nos intervalos dos lances, o cavaleiro e seu escudeiro andam pela vila e presenciam diversos acontecimentos como a morte de uma feiticeira, que supostamente havia mantido relações sexuais com o demônio, na fogueira. Conhecem uma trupe de artista e conhece Mia e Jof, que lhe dão morangos e leite, como num ritual semelhante à “Santa Ceia”.

Prossegue a partida de xadrez e o cavaleiro leva xeque – mate da Morte, que o informa que ele será levado na manhã seguinte. A Morte iniciou o jogo sabendo que ninguém pode vence-la. Mesmo com táticas e estratégias do xadrez, o cavaleiro não pode vencer a morte. Todos dançam, ao final, a sua música, todos de mãos dadas. Todos sobem a colina ritmicamente fazem passos coordenados, cíclicos. Mas o silencio da abertura do sétimo é quebrado pela dança da morte, que com a sua música, assim como o Flautista de Hamelin, leva os homens a conhecer a sua mais complexa realidade: a existência humana.

Em “O eclipse” (L’eclisse) – 1962, Monica Vitti termina um casamento desgastado e já no início do filme, como numa cena de teatro ou num espetáculo de dança - onde a palavra se faz no movimento dos corpos - Antonioni dispõe os atores em ângulos que os contracenam quase de costas, eles não se encaram mais, não se confrontam, prevalece a falta da palavra, uma mudez , um silêncio em que a imagem 'fala': não lhes resta mais que um separação. As cenas de uma cidade vazia, expressam um desolamento, um vazio nas relações afetivas. Num determinado momento desse filme, uma espessa pilastra divide, em um mesmo plano, Alain Delon de um lado e Mônica Vitti de outro, para expressar um desencontro, uma alienação de sentimentos , uma incapacidade afetiva, a solidão humana na sua forma mais angustiante: a incompatibilidade e a impossibilidade da comunicação entre os indivíduos.

O próprio título já conota uma metáfora - um eclipse - fenômeno onde dois corpos celestes - a lua e o sol- se interceptam, para depois se separarem e voltarem ao curso normal da vida. Monica Vitti tenta novamente um relacionamento, mas Delon, que faz um jovem corretor, é materialista por demais, e o silêncio da solidão a dois se instala, e o único ruído é o da bolsa de valores. Em outro momento, Antonioni coloca Mônica Vitti circulando solitariamente pelas ruas de Roma, e a cidade está vazia. Ela poderia estar sozinha em meio a uma multidão de uma cidade superpovoada, mas Antonioni a coloca num vazio, numa solidão explícita. Antonioni trabalha com a questão de como pode o ser humano está sozinho, mesmo estando rodeado por várias outras pessoas. Quais fatores os tornam solitários? A resposta seria pelo modo de como se relacionam ou como vêem a humanidade numa época fortemente formatada pelo modelo capitalista de organização social.

Nestes dois dias, o sétimo selo foi aberto e houve um eclipse. Dois grandes cineastas morreram. Após o silêncio da abertura e o termino do eclipse, resta, para a sorte da humanidade suas obras cinematográficas, que expressam os anseios humano na busca pelo conhecimento e pela sua constituição metafísica. Bergman e Antonioni retrataram, nos seus filmes, o homem frente às questões tais como a morte, Deus, Diabo, efemeridade da vida, solidão, alienação. Em suma, retrataram o homem na busca da transcendência da sua condição meramente humana, através da única forma que o homem tem para transcende-la: a Arte.


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