Muitos pensadores se debruçaram na árdua tentativa de definição do amor, escrevendo rios de tinta sobre folhas, outrora, brancas e, hoje, turvas. Camões tentou defini-lo como um substantivo, adjetivando-o antinomicamente: “Amor é fogo que arde sem se ver;/É ferida que dói e não se sente;/É um contentamento descontente;/É dor que desatina sem doer;”. Para Drummond, ele é um verbo que se conjuga, impreterivelmente, no presente do indicativo: “O mundo é grande e cabe/nesta janela sobre o mar./O mar é grande e cabe/na cama e no colchão de amar./O amor é grande e cabe/no breve espaço de beijar”. Em ambos os poetas, o homem ama e substantivo e o verbo, sem discriminar a parte do todo ou vice-versa. Mas ele tem dois amores que só podem ser amados em um todo e em uma parte: a humanidade e a arte.
O humano é demasiado humano. Parte singular e componente essencial de um conjunto homogêneo composto por elementos heterogêneos e contraditórios. Moebius desenha que o “homem é bom”, mas ele nem serve de alimento para vermes extraterrestres. O homem é mau, senão fosse a humanidade, de nada o valeria. Como homem é desprezível, capaz de atos dicotômicos extremos que envergam o eixo x, transformando-o, primeiro, num arco, depois num circulo fechado, onde um ponto mais distante de um outro ponto é quando um está o mais próximo possível do outro. Nada do que é humano, é alheio à humanidade. Apassivadora, amam-na pelo aquilo que ela é-, não por aquilo que representa. A ordem primeira é inacessível-, o verbo é intransitivo. As contradições do ser impedem a transitividade. Pode-se apenas colocá-lo na voz passiva sintética, elidindo o sujeito, ressaltando o significado-, desprezando o objeto.
Enquanto olham para cima, tentando se elevarem, a arte mira para baixo. Vendo aquilo o que ela pode ser-, mas foi, agora não o é. É suprema. Oráculo. Está sobre o Aleph, constituindo a estrutura da máquina do mundo: circunspecta-, etérea. Sem verdades ou mentiras, com todas as possibilidades condensadas numa escala inversa ao infinito da forma-, em paralelo com o conteúdo. Única pedra filosofal, elixir da longa vida, não da eternidade-, da transsubstanciação. No grande meio-dia-, da grande meia-noite: dos dois regimes. Do mito, o verbo transforma. Há os três desejos: engenho, arte-, perenidade. A fiel criação, amada pelo criador. Adorada, julgadora-, juízos: de fato o valor, da lira-, da perspectiva-, dos coros. A chave do interesse da pergunta, morta no ladrilho já sereno. Nas dores fingidas-, as respostas de José, sempre Karamazov.
A novela por todos os anos da comedia humana. O paraíso reencontrado sobre os rios que vão-, está a terceira margem. O homem se afogou entre as duas, fez-se a luz-, entre a nona e décima, sonatas de morango silvestres. Nos jogos da mente, integra o todo. Em todos os dias do eterno retorno, um novo-, caso do vestido, do transvestido-, do invertido-dividido. Muitas humanidades-, uma arte.
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