‘Um Alguém Apaixonado’ e o Prazer dos Olhos

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Um alguém apaixonado’ (Like Someone in Love, França/Japão, 2012) é a última produção do diretor iraniano Abbas Kiarostami (1940-), sendo a sua segunda produção fora de seu país de origem. Filmado inteiramente no Japão e com equipe técnica e atores japoneses, tem-se um filme perfeito para se exemplificar e dialogar sobre elementos da linguagem cinematográfica, exigindo não um espectador passivo, mas, sim, uma interação constante entre espectador e obra, entre conceito e análise, entre Arte e crítica. 

Em ‘Um alguém apaixonado’, Kiarostami sai da sua zona de conforto e pontos comuns das suas narrativas anteriores de tom realista-existencialista de filmes como “Gosto de cereja” (Ta'm e Guilass, Irã, 1997), com o qual ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, ou mesmo ‘O Vento nos Levará’ (Bad ma ra khahad bord, Irã, 199), ou ainda ‘Dez’ (Dah, Irã, 2002) para trabalhar um drama. Na produção japonesa, tem-se a história da jovem universitária Akiko, que também é prostituta, e deve se encontrar para um proograma com o já idoso professor universitário chamado Watanabe Takashi. Ninguém de sua família, sua avó e seu noivo não sabem da sua profissão, o que gera desencontros e conflitos, respectivamente. 

O filme se passa apenas em três espaços: em um bar, na casa de Watanabe e na oficina, há os espaços de transição. Na cena inicial, no bar, Kiarostami começa a mostra a sua visão de Cinema em um diálogo que se estabelece entre duas personagens, o que provoca estranhamento. Recorrentemente, em um diálogo, a decupagem mais comum é plano e contra plano, ou seja, a alternância de planos entre falante e ouvinte. No entanto, o que se tem é que o falante não está no plano, está fora do enquadramento, mas no mesmo universo da ação, por isso não há uma voz em off. Se o cineasta francês Jean-Luc Godard (1930-) conseguiu um efeito diferente filmando um diálogo com os atores de costas em ‘Acossado’ (À bout de souffle, França, 1960), Kiarostami o filmou fora do enquadramento, como experimentação, assim a fonte da fala está no plano, mas não está no enquadramento. 

Na mesma cena, que se desenrola com unidade de tempo por vinte minutos, outro fator que se destaca é a profundidade de campo, o que amplia os elementos e a possibilidade de representação da limitada duas dimensões (altura e largura) para uma ilusória e bela profundidade, como difundida por Orson Welles (1915-1985) no seu filme ‘Cidadão Kane' (Citizen Kane, EUA, 1941). Com a profundidade de campo não se cria apenas a ilusão de profundidade como também amplia a possibilidade de deslocamento das personagens e também a quantidade de ações que podem ser representadas no enquadramento do plano. 

Escrever sobre ‘Um alguém apaixonado’ é discorrer sobre Cinema, no qual podemos destacar o plano-sequência, sendo caracterizado com uma tomada com unidade de tempo, ação e espaço, sem cortes Ele é o plano da contemplação da imagem e do efeito de atmosfera; da unidade explícita do espaço e da continuidade do tempo. Nele, a ação de desenvolve com um ritmo natural e livre, com deslocamentos das personagens, com a movimentação da câmera e do olhar do espectador. A ação está nos olhos, não nos cortes ou na montagem acelerada, com os seus diversos planos por minutos. 

Com a recorrência do plano-sequência, há poucas elipses, ou seja, a ação se desenvolve sem corte ou passagens de tempo. No cinema convencional, há as elipses, ou seja, há a seleção de faixas de ação e, consequentemente, de tempo que serão representados. Comumente, na decupagem de um filme comercial, caso a personagem tem que se deslocar de um ponto A para um ponto B, opta-se por omitir partes do percurso ou mesmo todo ele, o que não ocorre no cinema de Kiarostami, pois ação é mostrada como um todo, um conjunto completo de significado na sua completude, não na sua fragmentação. 

Alguns cineastas, que obtém sucesso fora da indústria cinematográfica, acabam sendo cooptados pela indústria hollywoodiana e saem do se país para serem, não mais artistas, mas, sim, empregados de grandes produtoras nos Estados Unidos. Não é o caso de Abbas Kiarostami que, ao produzir filmes fora do seu país, manteve-se fiel à sua Arte, realizando filmes com qualidade como é o caso da produção ‘Um alguém apaixonado’, sendo um filme para falar de Cinema, teorizar sobre. Alguns proclamam ser o seu Cinema “parado”, sem ação; mas devem perceber que o diretor faz um Cinema de contemplação da imagem; faz Arte, não produto para ser descartado a cada estação. Portanto, tem-se como destaca o título de um célebre livro de François Truffaut: “O prazer dos olhos”.

Trailer do filme:

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