Amantes Eternos e Constantes

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Seres pálidos, sensíveis à luz do dia, com os dentes caninos sobressalentes, que se alimentam de sangue; são as descrições mais comuns de seres mítico-folclóricos conhecidos como Vampiros. Sujeitos de inúmeras narrativas, sejam elas populares, literárias, musicais, ou mesmo, cinematográficas, tiveram a sua representação modificada dependendo não apenas do contexto histórico, mas também da linguagem utilizada. No cinema, se metamorfosearam em seres horripilantes dentro do expressionismo alemão até personagens superficiais do universo adolescente. O último filme do cineasta estadunidense Jim Jarmusch (1953-), “Amantes eternos” (Only Lovers Left Alive, EUA, 2014), faz uma abordagem interessante da figura do vampiro. 

Mesmo sendo estadunidense, Jim Jarmusch está associado ao cinema independente, não se rendendo ao canto da sereia da indústria do entretenimento cinematográfico representada por Hollywood. Dirigiu “Dead man” (1995) no qual desconstrói o gênero western (faroeste), filmando em preto e branco com trilha sonora de Neil Young. Em 2003, lança a produção “Sobre Café e Cigarros” com uma série de 11 curtas-metragens com músicos e personalidades do cinema, tais como Jack e Meg White, da banda The White Stripes, Iggy Pop, Tom Waits, Roberto Benigni, Bill Murray, tendo café e cigarros como combustíveis de diálogos. Já em “Flores partidas” (2005), tem-se a busca de um pai por um filho desconhecido. 

Amantes eternos” (2014) foi lançado no festival de Cinema de Cannes, tendo como personagens figuras não muito recorrentes em filmes pretensamente autorais e artísticos lançados nos últimos anos, devido às produções para adolescentes que criaram uma figura do vampiro passiva e vendável. No filme, um casal de vampiros sociofóbicos divaga sobre música, literatura e arte em geral. Adam é músico, byroniano, depressivo, com tendências suicidas. Eva é uma vampira que tem predileção pela literatura. Observam a humanidade há séculos, tendo inclusive ajudado-a a criar obras artísticas como um adágio para uma composição de Schubert (1797-1828), ou ainda uma peça de Shakespeare (1564-1616), tendo convivido com escritores como Lord Byron (1788-1824) e Mary Shelley (1797-1851). 

O vampiro, ao longo da história do cinema, foi retratado em filmes de comédia, suspense, terror, ficção científica, drama. Um dos primeiros e mais expressivos filmes sobre vampiros é a produção “Nosferatu” (1922), de F. W. Murnau, que figura entre uma das principais obras do expressionismo alemão. Em 1979, o diretor alemão Werner Herzog refilma o clássico de Murnau com o nome de “Nosferatu: O Vampiro da Noite”, tendo o ator Klaus Kinski como o vampiro. O filme “Drácula” (1931), estrelado por Béla Lugosi, ajudou a sedimentar as principais características do personagem vampiresca dentro do gênero terror. Já no filme ‘A dança dos vampiros” (1967), o diretor Roman Polanski faz uma comédia mesclando com o terror. 

Na década de 1980, os vampiros fizeram parte de produções tais como “A Hora do Espanto” (1985) e “Garotos perdidos” (1987), este último trabalha alguns elementos recorrentes, tais como o vampiro só pode entrar na casa de alguém se for convidado, ou ainda a questão da água benta. Os filmes figuram entre o terror e a comédia. Durante a década de 1990, a produção “Um drink no inferno” (1995) foi o filme mais significativo, tendo a direção Robert Rodriguez e o roteiro escritor por Quentin Tarantino, o aclamado diretor de filmes como “Pulp Fiction” (1994), com o qual ganhou a Palma de Ouro em Cannes, “Bastardos Inglórios” (2009) e “Django livre’ (2012). Nos anos 2.000, o único filme digno de nota é a produção sueca “Deixa ela entrar” (2009). 

No filme “Amantes eternos”, Jim Jarmusch subverte a representação da figura do vampiro, fazendo um filme pretensamente autoral. Logo no início, tem-se uma cena interessante, enquanto um disco de 45 rpm toca a música “Funnel of Love”, da cantora de rockabilly Wanda Jackson, a câmera gira acompanhando a rotação do disco. A música recebe destaque no filme, seja citando e visitando a casa do músico Jack White, em Detroit, ou mesmo aludindo ao hobby de Adam: compor músicas, colecionar instrumentos musicais, além de aparelhos de reprodução como receivers, amplificadores, deck de rolos, da Marantz, Telefunken, Sansui, Marshal. 

Amantes eternos” dialoga com uma tradição, mas também a subverte, é um filme repleto de intertextualidade com a literatura, música e cinema. Mesmo com uma grande quantidade de produtos representados por filmes e seriados, a figura do vampiro durante os últimos anos ficou apagada, apática, passiva. Jim Jarmusch revive o personagem dando-lhe aspectos interessantes, inovadores, tendo a sua direção como norte e o cinema independente como bandeira. Ele é um dos arautos do cinema independente estadunidense, ou seja, aquele sem influência da indústria cinematográfica e sem as “mãos nefastas” dos produtores hollywoodianos.

Trailer do filme:


Música "Funnel of love", de Wanda Jackson

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