Outro Tijolo no Muro

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Era 09 de novembro de 1989, às 23h29, quando na Rua Bornholmer, na região norte da cidade, cai o primeiro bloqueio de uma série de pontos de controle ao longo do Muro de 156 quilômetros que dividia Berlim fisicamente desde 1961. Outros tijolos começaram a cair, seja no principal ponto de controle das duas "Alemanhas", como o Checkpoint Charlie, na rua Friedrichstraße, ou mesmo sobre a Praça Potsdamer Platz, ou ainda defronte ao Portão de Brandemburgo. Por toda a cidade, um símbolo começava a ruir. No cinema e na música, a cidade, o seu muro, a vida de seus habitantes, o seu céu foram elementos que inspiraram artistas como os músicos Lou Reed e David Bowie, os cineastas R.W. Fassbinder, Wim Wenders e Wolfgang Becker

Um muro separa dois extremos, todavia dois espaços intimamente próximos, de modo que o maior símbolo do antagonismo não está na extensão ou na largura do muro, mas, sim, na sua altura. Na era dos extremos, que caracterizou “o breve século XX”, o final da II Guerra Mundial (1939-1945) trouxe consequências políticas para a então derrotada Alemanha, que teve o seu território dividido entre zonas de ocupação e influência pelos países aliados (EUA, França e Grã-Bretanha) e pela União Soviética (URSS). Não apenas o território alemão foi dividido, como também a própria capital Berlim, que ficava na zona soviética, foi dividida, sendo o símbolo máximo da divisão o “Muro de Berlim”, construído no dia 13 de agosto de 1961. 

Cidades são aglomerações recentes, datadas há cerca de doze mil anos. Logo com o seu surgimento, houve a necessidade de murá-las, fortificá-las contra o ataque de outras cidades inimigas. A própria Berlim já era murada nos séculos XVII e XVIII, tendo o local do Portão de Brandemburgo como entrada e saída da fortificação desde o período do sacro império germânico e dos reis prussianos. A cidade se expande, seus muros caem. No entanto, com o fim da II Segunda Guerra Mundial, e o início da Guerra Fria (1945-1991), outros tijolos erguem outro muro sobre Berlim, separando-a não apenas fisicamente, mas politicamente, socialmente e culturalmente, sendo polarizada entre a visão capitalista de uma lado (RFA) e a visão soviética de outro (DDR). 

Berlim é uma bela cidade, capital de vários reinos, reduto de outros tantos artistas. O músico inglês David Bowie (1947-) morou na cidade entre os anos de 1977 e 1979, onde ele compôs três discos, que ficaram conhecidos como a “Trilogia de Berlim”: “Low”, “Heroes” e “Lodger”, com destaque para a música instrumental “Neuköln”, que faz alusão a uma região da cidade. Já o músico estadunidense Lou Reed (1942-2013) fez uma exaltação à capital alemã na música “Berlin”, que abre o disco homônimo de 1973, no qual o primeiro verso cita o muro, mas destaca a cidade com os seus encantos: “Eins, zwei, drei/In Berlin, by the wall/You were five foot ten inches tall/It was very nice/Candlelight and Dubonnet on ice”. 

Berlim foi tema de diversos filmes e uma série especial para o formato televisivo feita por Rainer Werner Fassbinder (1945-1982), chamada “Berlin Alexanderplatz” (1980), baseada no romance homônimo de 1929 do escritor expressionista Alfred Döblin (1878-1957), tendo a sua primeira adaptação cinematográfica datada de 1931, feita por Phil Jutzi (1896-1946). A obra de Fassbinder possui quatorze episódios que se centram na vida de Franz, um pobre trabalhador tendo que sobreviver na Alemanha da República de Weimar (1919-1933) em um contexto de crise econômica e social, onde as ideias no nacional-socialismo nazista surgiram e se propagaram, quando o país começa a erguer um “muro ideológico”. 

O cineasta Wim Wnders faz uma ode à Berlim no filme “Asas do desejo” (1987), que possui como um dos títulos “O Céu Sobre Berlim” (Der Himmel über Berlin). No filme, anjos observam a humanidade, ora vagando sobre monumentos, ruas e prédios, ora entre os homens. A cidade é dividida, o muro separa a parte capitalista (RFA) da parte soviética (DDR). No entanto, os anjos pairam sobre o céu, escutam as angústias e os anseios humanos. Alguns anjos observam, outro se apaixona pela humanidade, preferindo a queda à imortalidade, almejando as sensações humanas efêmeras, mas intensas. O muro é apenas uma construção física, deixado em segundo plano para discussões metafísicas humanas. 

O muro de Berlim cai no dia 09 de novembro de 1989. O muro físico caiu, no entanto, houve um muro simbólico, ideológico, que ainda separa a capital alemã, seja na arquitetura, no saudosismo do regime soviético e na não adaptação ao sistema capitalista, como mostrado no filme “Adeus, Lênin!” (2003) do diretor Wolfgang Becker, no qual a personagem Christiane Kerner seria um símbolo do regime soviético alemão (DDR), de modo que sua vida (prática e duração) é o mesmo da República Democrática Alemã. Hoje, Berlim é uma cidade singular, vanguarda, beleza, cultura, seus muros caíram. Mas, outros tijolos são colocados em muros na Palestina, no México, nas favelas do Rio de Janeiro, em fronteiras ao redor do mundo.

Lou Reed "Berlin"

David Bowie "Neuköln"

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