A trilogia das Cores do Cineasta Polonês Krzystof Kieslowsk

0

Krzystof Kieslowski (1941-1996) é um cineasta polonês bastante prolífero, a sua carreira se divide em duas fases: a primeira fase conhecida como polonesa, na qual dirigiu a grande maioria de seus filmes para a televisão de seu país; e a segunda conhecida como fase francesa, na qual alçou fama internacional de crítica e de público a partir do filme “A dupla vida de Verônica” (La double vie de Véronique, França, 1990) e, principalmente, através dos seus últimos três filmes, concebidos como uma trilogia baseada nas três cores da bandeira francesa, chamados de Trois Couleurs (As três cores).

No Brasil, as traduções dos filmes receberam um acréscimo nos nomes que remetem aos significados das cores da bandeira e aos slogans da Revolução Francesa: “A liberdade é azul”, “A igualdade é branca” e “A fraternidade é vermelha”. No original em Francês os nomes dos filmes são respectivamente: Trois couleurs: Bleu (1993), Trois couleurs: Blanc (1994) e Trois couleurs: Rouge (1994). Ou seja, não remetem aos slogans da Revolução, mas sim as cores da bandeira francesa.

Em “A liberdade é azul”, Julie (Juliette Binoche) sofre um acidente de carro no qual morrem a filha e o marido, um famoso compositor de música clássica. A narrativa centra-se na tentativa de Julie de superar o trauma da perda e o assédio da mídia para saber mais informações acerca da grande peça sinfônica que o marido estava compondo. No filme, a música, composta por Zbigniew Preisner, se entrelaça com a fotografia marcadamente realçada pelo cromatismo do azul, há a alternância do silêncio para as harmonias complexas, mas o estado de espírito se mantém o mesmo: a tristeza da perda.

No segundo filme da trilogia “A igualdade é branca”, tem-se uma situação inusitada: um polonês se apaixona por uma parisiense sem saber uma única palavra da língua francesa, passa a viver em Paris, sendo, assim, inserido em um contexto totalmente adverso do seu, seja em termos culturais, quanto da língua. O tom cômico do filme surge justamente com a situação de Karol: um estrangeiro em uma cultura que lhe é estranha, questão essa que é o mote da discussão acerca da igualdade não só entre indivíduos, mas também entre culturas muito diferentes: a francesa e a polonesa.

Por sua vez, em “A fraternidade é vermelha” o eixo de modelo das relações humanas é modificado, se compararmos com os outros dois filmes anteriores da trilogia. A narrativa centra-se em Valentine (Irene Jacob), que a partir de uma situação inusitada, acaba atropelando um cachorro de um velho juiz aposentado, que tem o estranho hábito de voyeur, ou seja, adora observar outros indivíduos, tendo ainda como hobby escutar as conversas telefônicas de outras pessoas. Mas na fraternidade há a necessidade de compreensão e a relação do eu com o outro, uma difícil e necessária tarefa. A compreensão mútua se coloca como elemento central da narrativa.

Na trilogia, o azul não representa, em nenhum momento da narrativa, a liberdade, pelo contrário, a cor possui uma função bem nítida, que é a de expressar o estado de espírito de Julie, o que o cromatismo da cor azul representaria por excelência: a tristeza, a agonia, a solidão. Já o branco representaria as situações inusitadas, não um sinal de paz, tranquilidade, igualdade, visto que o conflito nasce justamente da relação estranha, colocada em termos de desigualdade entre duas culturas. Por seu turno, o vermelho expressa a tentativa e a suposta necessidade do ser humano de se relacionar socialmente, em específico mostra a amizade fraternal surgida a partir de uma situação inusitada entre indivíduos com personalidades díspares.

A proposta estética de Kieslowski é apresentar uma trilogia das cores na qual cada uma delas esta ligada a um estado de espírito, ele busca ainda discutir como esse lema de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” se apresenta no final do século XX. A proposta estética fica nítida, pois em cada filme uma das três cores é predominante em relação às outras, como se pode notar principalmente na fotografia e na direção de arte. Assim, dentre as três cores, sempre se sobressai alguma, seja azul, branca ou vermelha. Das três cores: o azul é a tristeza; o branco é desconcerto do mundo e o vermelho é a relação do eu com o outro, portanto, há o conflito com os três lemas da contemporaneidade, não há liberdade, igualdade e fraternidade.

Para ver: Sonhos (Akira Kurosawa, Japão, 1990)
Para ler: Cores e Filmes: um estudo da cor no cinema (Maria Helena Braga e Vaz da Costa, Editora CRV, 2012)




The Smiths

0


Mini documentário sobre os Smiths
Tempo: 17 min



"A todo volume": um Documentário Musical entre Jimi Page, The Edge e Jack White

0

O documentário "A todo volume" (It might get loud, EUA, 2009) do diretor Davis Guggenhein (o mesmo do mercadológico "Uma verdade inconveniente") coloca juntos três importantes guitarrista da música pop dos últimos 45 anos: Jimi Page (Led Zeppelin), The Edge (U2) e Jack White (White Stripes); músicos estes de bandas, estilos e, acima de tudo, personalidades muito diferentes, para discutirem elementos relacionados ao rock'n'roll, desde as origens do gênero musical, processo criativo de cada músico no início de formação de suas respectivas bandas, bem como qual a relação que estabelecem com o seu instrumento máximo de trabalho, criação e expressão: a Guitarra.

O interessante do documentário que ele nos mostra os três guitarristas em um "ménage à trois" musical, com intuitos e posicionamentos muito diferentes em relação à música e ao estilo. Jimi Page é o guitarrista elegante, com estilo impecável e limpo, cheio de confiança adquiridos pelos seus anos de renomado guitarrista, seja de estúdio ou em bandas como The Yardbirds e Led Zeppelin, é dono de uma técnica impecável. Para ele, a guitarra é como uma escultura, uma maravilhosa peça de madeira envernizada, daria para acariciá-la como uma mulher. Conclui que tocar guitarra é fundir-se a ela.

The Edge é apresentado como sendo o técnico, no sentido estrito do termo, um "engenheiro do som", que tem interesse no que os equipamentos tecnológicos podem fazer: como podem auxiliar no processo criativo e, no seu caso específico, no produto final. O guitarrista do U2 é mostrado com um arsenal de instrumentos: pedaleiras, receivers, computadores, mesas de edição de som. Recebe a alcunha de "arquiteto do som", por trabalhar as camadas do som em busca de harmonias, consonâncias "perfeitas".

Jack White é o enfant terrible, o inovador, o trabalhador duro que não gosta de facilidades e mordomias. No início do documentário, Jack White é mostrado construindo seu próprio instrumento (parecido com o de Pitágoras) em uma tábua de madeira com um arame esticado, uma garrafa de vidro de Coca Cola e um captador de áudio. Ele é contra a tecnologia, acha que ela facilita e, consequentemente, inibe a criatividade, a emoção e a verdade, por isso nota-se o seu ar de desdenho para com o músico do U2, chegando ao ponto de alegar que, provavelmente, poderiam brigar.

Documentários acercar do processo criativo de músicos e bandas não é algo novo dentro do gênero, nesta linha cinematográfica, podemos destacar: “Let it be” que apresenta a criação do disco homônimo dos Beatles, gravado em 1969 e lançado pouco depois da separação da banda em 1970, com a direção de Michael Lindsay-Hogg, um dos responsáveis por configurar e desenvolver o gênero audiovisual do videoclipe promocional. Outro destaque é o documentário “Um sonho maravilhoso: Brian Wilson e a gravação de Smile” (2004), no qual podemos acompanhar o intrigante, doloroso e insano processo de gravação do famoso álbum do cérebro do Beach Boys em mais de 30 anos: do início das sessões em 1966 e 67 até a sua finalização e lançamento no ano de 2004.

Ao final de 98 minutos, nota-se a forte personalidade de cada músico, podemos ainda ver como músicos de três gerações da história do rock se relacionam: Jimi Page é tratado como um Deus entre os homens, que está lá apenas para responder as perguntas dos meros mortais. The Edge é o deslocado, serve para dar um tom Pop e mais vendável para um amplo público consumidor. Jack White é protagonista do documentário, ele é o elemento conflitante. Ao ser perguntado, logo no início, o que esperava da desta reunião, dizia esperar não saírem na “porrada”, mas que iria aprender tudo que pudesse. Ele é como um ronin: um músico errante que tem uma sede enorme de aprender e sabe das suas potencialidades, sendo um dos melhores guitarristas da sua geração e membro, ao lado baterista Meg White, da melhor banda dos últimos dez anos: The White Stripes.

Em um ménage à trois musical em que The Edge representa a tecnologia, Jimi Page o estilo elegante e Jack White a criatividade latente, tem-se um representante de cada gênero: do pop rock, no caso primeiro; do rock proto Heavy Metal no segundo; e o terceiro um típico representante das bandas undergrounds, responsáveis pelo “Rock Alternativo” do final da década de 90 e início dos anos 2000. Mas o documentário é uma excelente opção para os entusiastas do gênero, sendo um atrativo maior para os aficionados pela música serial pop surgida a partir de gêneros e tendências do Rock’n’roll na segunda metade do século passado. Ele explora ainda um excelente produto vendável, mas com uma estrutura e uma proposta simples, o que se destaca é a música, e, acima de tudo, os seus criadores: faça-se a música.

Para ver: Velvet Goldmine (Todd Haynes, EUA, 1998)
Para ler: A música do cinema: os 100 primeiros anos (João Máximo, Editora Rocco, 2005)

TRAILER


Mostra "O Cinema dos Prazeres Proibidos"

0



12 a 15/3 – segunda a quinta-feira – 19h às 22h.
Indicação: 16 anos. 100 lugares por dia. Local: Anfiteatro A da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp: Rodovia Araraquara-Jaú, Km 1.
Mediação e curadoria de Breno Rodrigues

Na década de 70 e no início dos anos 80, o cinema brasileiro reencontrou o grande público por meio dos filmes populares realizados no Rio e na Boca do Lixo paulistana, produções que ficaram conhecidas genericamente como “pornochanchadas”, embora não fossem exatamente pornográficas e nem se limitassem a comédias (chanchadas), incluindo também outros gêneros, como drama, suspense, policial e terror. “O Cinema dos Prazeres Proibidos” abre com um encontro com dois nomes importantes desse período, a atriz Zilda Mayo e o diretor Claudio Cunha, e prossegue com um miniciclo com obras representativas dessa vertente do nosso cinema,
Apoio: Unesp – Faculdade de Ciências e Letras – Campus de Araraquara.

Bate-Papo com Zilda Mayo e Claudio Cunha
12/3 – segunda-feira – 19h.

Zilda Mayo iniciou sua carreira artística na década de 70 em comerciais e programas de televisão antes de ir para o cinema. Seu primeiro filme foi “Ninguém Segura Essas Mulheres” (1976), dividido em quatro episódios, quando foi dirigida por José Miziara. Trabalhou com cineastas consagrados, como Jean Garrett, Ody Fraga, John Doo e Carlos Reichenbach. Com este último fez “A Ilha dos Prazeres Proibidos” e o episódio “Rainha do Fliperama” do filme “As Safadas”. Desde então Zilda atua no teatro: seu espetáculo atualmente em cartaz é “Zilda Mayo em Stand-up”.

Claudio Cunha estreou no cinema como ator no filme "As Mulheres Amam por Conveniência", de Roberto Mauro, e produziu "O Poderoso Machão" (1970), com roteiro escrito em parceria com o novelista Silvio de Abreu e direção de Roberto Mauro. Sua estreia na direção foi com o filme "O Clube das Infiéis" (1972), roteirizado por Marcos Rey. Convidado pelo autor Benedito Ruy Barbosa, dirigiu "O Dia em que o Santo Pecou" (1973); entre outros sucessos, seu "Snuff, Vítimas do Prazer” (1974) atingiu a marca de 4 milhões de espectadores.

Ciclo de Filmes Curadoria: Breno Rodrigues. 13 a 15/3 – terça a quinta-feira – 19h.
Anfiteatro A
Programação:

Dia 13: “O Rei da Boca” (Clery Cunha, 1982, 120’).

Dia 14: “O Gosto do Pecado” (Claudio Cunha, 1980, 102’).

Dia 15: “O Caso Cláudia” (Miguel Borges, 1979, 115’).

Link do evento no Facebook: https://www.facebook.com/events/241061485985026/

The Beatles

0

The Magical Mystery Tour: um Filme dos Beatles

0

A banda inglesa The Beatles é a responsável por uma das grandes modificações da música serial pop da segunda metade do século XX: expandiram o gênero Rock’n’roll e configuraram, ao lado de Bob Dylan e The Velvet Underground, o gênero Rock, que iria se expandir em uma multiplicidade de gêneros tão dispares ao longo das décadas seguintes, em um movimento circular. No plano audiovisual, são os responsáveis por subverter o gênero cinematográfico musical e de criar a concepção inicial do videoclipe promocional. Ao todo, a banda possui cinco filmes: três pseudo-ficcionais, uma animação e um documentário. Mas, sem dúvida, o mais experimental de todos é “Magical Mystery Tour”, produzido, escrito e dirigido pelo quarteto de Liverpool.

The Magical Mystery Tour” é o terceiro filme do Fab Four, foi lançado no dia 26 de dezembro de 1967, sendo concebido como um especial de televisão com 50 minutos para ser exibido pela BBC londrina. Já haviam produzido “A Hard Day's Night” (traduzido no Brasil como “Os reis do iê iê iê”), em 1964, e “Help”, em 1965, ambos dirigidos pelo cineasta britânico Richard Lester. A estratégia inicial dos filmes era produzir trilhas sonoras que pudessem ser amplamente vendidas para um público fiel e, ao mesmo tempo, ampliá-lo, visto que ainda o Cinema era um importante meio de alcance e de comunicação de massas. Mas, os Beatles foram além, com filmes que subvertiam o discurso cinematográfico padrão.

O filme não possui uma narrativa comum, com uma história que tem início, meio e fim, pelo contrário, são cenas desconexas, carregadas por uma grande quantidade de “humor britânico”, influenciado principalmente por Peter Sellers e seu grupo Goons (precursor de grupos como Monty Python). O tour é feito em um ônibus pelos Beatles, freaks e uma trupe digna de “Os Palhaços”, de Fellini. Eles percorrem o interior da Inglaterra como se fossem um teatro de variedades itinerante em situações bizarras.

Há cinco sequências que servem de molde para a sua estrutura cinematográfica a partir de cinco músicas: a sequência inicial conta com a música “The Magical Mystery Tour”, no qual há os créditos iniciais e apresentação dos personagens do tour. The Fool On The Hill” funciona como um tema para a exposição de uma narrativa idílica de Paul McCartney; na passagem para a música “Flying” há o sonho do restaurante onde John Lennon serve macarrão com uma pá para a tia de Ringo, chamada Jesse. Em “I am The Walrus” tem-se uma sequência cheia de intertextualidades, assim como a letra da música, com o livro “Alice no país das maravilhas”, de Lewis Carroll, e, por fim, “Your Mother Should Know” com uma sequência similar aos shows de auditorios britânicos com todos os participantes subindo ao palco e dançando no ato final.

O interessante é que o filme se apropriara de trechos eliminados da versão final de “Dr. Strangelove” (EUA, 1964), de Stanley Kubrick. Outro aspecto é que os Beatles dispensaram roteiro, narrativa convencional ou mesmo toda idéia clara de direção, as cenas foram filmadas a partir de improvisações; fizeram ainda uma colagem de canções fundindo teatro de variedades com Rock. Sem dúvida, o filme é um marco da cultura Pop mundial. O projeto e a composição da música título ficaram a cargo de Paul McCarteny e cada Beatles ficou com um trecho do filme para desenvolver uma sketch.

No dia 1º de junho, deste mesmo ano, os Beatles lançaram o álbum mais cultuado da música serial pop, o espetacular Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. O primeiro álbum conceitual da história do rock, que o elevou ao status de Arte. “The Magical Mystery Tour” insere-se neste contexto, no ápice a criatividade do Fab Four, entre os álbuns Sgt. Pepper e o White Álbum (1968). Além do filme, ainda lançaram o disco homônimo em forma de EP (extended play) duplo com as músicas “Magical Mystery Tour”, “Your Mother Should Know”, “I Am the Walrus”, “The Fool on the Hill”, “Flying”, “Blue Jay Way”. Mas, o filme merece um lugar de destaque dentro do gênero, pois foi revolucionário: Roll up/And that's an invitation./Roll up for the Mystery Tour.


O Cinema da Nouvelle Vague Francesa

0

François Truffaut (1932-1984) é, ao lado de Jean-Luc Godard (1930-), o cineasta mais expressivo da Nouvelle Vague Francesa. O seu filme “Os Incompreendidos” (Les 400 Coups, França) é considerado o marco da estética cinematográfica francesa mais importante da segunda metade do século XX. O filme foi lançado no Festival de Cannes de 1959, tendo recebido o prêmio máximo: a Palma de Ouro. Este prêmio representou o estabelecimento da Nouvelle Vague como uma corrente estética, abrindo as portas para uma grande quantidade de jovens cineastas e também críticos ligados à famosa revista de crítica cinematográfica Cahiers du Cinema (Cadernos de Cinema), tais como Alain Resnais (1922-), Eric Rohmer (1920-2010) e Claude Chabrol (1930-2010).

Para efeito de marco cronológico, a Nouvelle Vague Francesa surge em 1959, no Festival de Cannes com a premiação da Palma de Ouro para o filme “Os Incompreendidos”, de François Truffaut. Mas é em 1960 que ela se consolida e se configura com uma estética cinematográfica revolucionária com a realização do filme “Acossado” (À bout de souffle), de Jean-Luc Godard. A própria trajetória de Godard e Truffaut resume o que foi a estética cinematográfica da Nouvelle Vague Francesa. A “nova onda” surgiu a partir de jovens cineastas franceses que tinham uma formação cinéfila e crítica adquiridas na Cinemateca francesa e nas páginas da Cahiers du Cinéma. Eles passaram de uma atividade crítica para uma prática cinematográfica a partir de uma nova forma de produzir filmes e de conceber a linguagem cinematográfica.

No que tange a formação cinéfila e a critica dos cineastas da Nouvelle Vague, a cinemateca francesa fundada por Henri Langlois (1914-1977), em 1936, e a revista de crítica cinematográfica Cahiers du Cinéma fundada por André Bazin (1918-1958), em 1951, são de extrema importância. Na cinemateca, os jovens cineastas puderam ter contato com os filmes mais representativos e com os cineastas mais importantes da história do cinema. Nela, tiveram e consolidaram toda a sua formação cinéfila. A cinemateca francesa foi ainda um dos pivôs que desencadearam as manifestações de Maio de 68, pois o seu fundador e curador Henri Langlois havia sido demitido, o que originou manifestações públicas e de rua por parte dos freqüentadores e dos cineastas da Nouvelle Vague, que cancelaram o festival de Cannes de 68 em apoio às manifestações nas ruas do bairro Quartier Latin, em Paris.

A revista Cahiers du Cinéma foi o veículo de formação crítica dos cineastas. Ela foi fundada pelo crítico e estudioso André Bazin (1918-1958), que é considerado o “pai” da crítica cinematográfica. Ele desenvolveu um conjunto de conceitos e uma linguagem que caracterizava e formatava a então crítica nascente. Bazin é considerado o mentor teórico da Nouvelle Vague, todos os cineastas mais representativos, de François Truffaut a Jean-Luc Godard, passando por Eric Rohmer foram seus discípulos e colaboradores na revista, com artigos, resenhas e estudos críticos. A revista foi o embrião dos conceitos e das idéias colocadas em prática nos filmes. Bazin morreu no primeiro dia de filmagem de “Os Incompreendidos”, o filme é dedicado a ele.

Os cineastas da Nouvelle Vague acreditavam em uma linha evolutiva do Cinema e tinham total consciência dos elementos da linguagem cinematográfica. Salientavam que seus precursores eram cineastas como Jean Renoir (1894-1979), Orson Welles (1915-1985), Agnés Varda (1928), Roberto Rossellini (1906-1977), Alfred Hitchcook (1899-1980), Fritz Lang (1890-1976), todos estes cineastas possuíam e desenvolveram um estilo próprio, que os caracterizavam e os diferenciavam dos demais, através de uma maneira própria de utilizar o discurso cinematográfico. Estudando estes cineastas, François Truffaut publicou, em 1954, um importante artigo sobre a “política dos autores” (La politique des auteurs). A tese central do artigo afirmava que, mesmo sendo uma Arte coletiva, a obra cinematográfica poderia possuir um autor, assim como a figura do escritor na obra literária. O autor da obra cinematográfica seria o diretor, pois ele que seleciona e condiciona todos os elementos da linguagem cinematográfica.

Muito tem-se discutido se a Nouvelle Vague é uma estética cinematográfica ou não. Uma estética surge no momento em que ela ganha significação social a partir de um conjunto de normas e conceitos sobre a relação da Arte cinematográfica com a sociedade em um contexto histórico definido. Neste caso, a Nouvelle Vague seria sim uma estética cinematográfica. Pois, ela surge em um contexto histórico definido, tendo um conjunto de adeptos com a mesma formação cinéfila e crítica. A discussão do ser ou não ser surge porque há uma dissonância de estilo, não de qualidade, entre os cineastas da Nouvelle Vague, de modo que os filmes de Truffaut em nada se parecem com os de Godard, que destoam dos de Alain Resnais e de Eric Rohmer. Os únicos pontos em comum entre estes cineastas são a formação cinéfila e crítica, além dos elementos de negação do modelo de produção de filmes vigente até o final da década de 50, como também uma nova postura frente à Arte cinematográfica, feita de forma autoral.

A Nouvelle Vague Francesa representou uma nova forma revolucionária de fazer e de conceber o Cinema, seja nos aspectos formais quanto conteudísticos. Seus adeptos eram todos cinéfilos e críticos, cineastas com um excelente conhecimento da história do Cinema, bem como dos elementos de sua linguagem. Conheciam o ponto de ostracismo e inércia em que se encontrava o Cinema representado pela indústria cinematográfica hollywoodiana e, principalmente, o Cinema francês da década de 50, cheio de clichês e grandes produções. Como cinéfilos, queriam o desenvolvimento da linguagem cinematográfica, como críticos, vislumbravam uma nova forma de produzir filmes, mais simples e autoral.


Para ver: Metrópolis (Fritz Lang, Alemanha, 1927)
Para ler: Hitchcock/Truffaut Entrevistas (Editora brasiliense, 1987)

Publicado: http://www.araraquara.com/to-ligado/geral/2012/02/03/o-cinema-da-nouvelle-vague-francesa.html

Cartazes na Parede

0

The Flaming Lips

0



A Volta das Coleções de Cinema em Fascículos

0

No último dia 15 de fevereiro chegou às bancas o último fascículo da “Coleção Folha de Cine Europeu”. Ao todo, foram 25 edições de livros-DVD com produções de sete países do velho continente: oito produções italianas, sete francesas, quatro alemãs, duas espanholas, e uma russa, sueca, polonesa e inglesa, com filmes de diversas fases da história do Cinema mundial, passando pelo Expressionismo alemão, Realismo poético francês, Neo-realismo italiano, pela Nouvelle vague francesa e pelo Novo Cinema alemão (Junger Deutscher Film). Os destaques da coleção ficam por conta dos filmes “Asas do desejo”, de Wim Wenders; “A doce vida”, de Federico Fellini; “O Encouraçado Potemkin”, de Serguei Eisenstein; “Os Incompreendidos”, de François Truffaut e “Acossado”, de Jean-Luc Godard.

“Asas do desejo” (Der Himmel über Berlin, 1987) é um marco na carreira do cineasta alemão Wim Wenders (1945-), que havia ganhado a Palma de Ouro em Cannes com “Paris, Texas”, em 1984. A tradução do filme possui um aspecto grosseiro, pois leva em conta o péssimo remake hollywoodiano “Cidade dos anjos” (1998). Mas em “os céus sobre Berlim” há anjos que observam a humanidade em preto e branco. O filme aborda questões existenciais a partir da paixão do Anjo Damiel (Bruno Ganz) por uma trapezista chamada Marion (Solveig Dommartin), toda a tradição filosófica alemã, de Kant à Schopenhauer, passando por Heidegger, é colocada a partir de imagens que se tornam contemplativas, são elas poéticas, uma metáfora da condição ontológica humana.

Federico Fellini (1920-1993) é o cineasta mais expressivo do cinema italiano. Sua filmografia é uma das mais ricas da Sétima Arte. O nome do cineasta italiano é freqüentemente colocado nas listas de “melhores cineastas de todos os tempos”. Um dos seus filmes, que sempre é citado em listas de “os melhores filmes da história do cinema”, é “A Doce Vida” (La dolce vita, Itália, 1960). O filme é estruturado a partir de episódios encadeados como se fosse um mosaico. Pode-se dividi-lo em cinco partes, segundo cinco temas: o cinematográfico, o religioso, o intelectual, o familiar e o amoroso. O personagem central é o jornalista (colunista social) Marcello Rubini (Marcello Mastroianni), que tem acesso livre a todas as camadas e meios sociais da capital italiana.

O russo Serguei Eisenstein (1898-1948) foi um gênio. A sua teoria acerca da montagem cinematográfica, juntamente com a sua grande capacidade de dirigir grandes filmes como “A greve” (Statchka, 1924), “Outubro” (Oktiabr, 1927), “Alexandre Nevski” (Aleksandr Nevski, 1938) ajudaram a elevar o cinema à categoria de Sétima Arte. No filme “O Encouraçado Potemkin” (Bronenosets Potyomkin, 1925) podemos notar toda a genialidade de Eisenstein como cineasta. O filme tem uma estrutura coesa e uma montagem que revela a concepção formalista do grande cineasta russo, ele narra a história da revolta de um grupo de marinheiros no famoso Encouraçado, sendo ainda uma alegoria da revolta e da força da classe operária, que deve lutar contra a tirania e a opressão em prol de uma revolução do proletariado.

“Os Incompreendidos” (Les quatre cents coups, França, 1959) é um filme que trata da adolescência, um período de latência e descompasso entre o adolescente e o seu meio, seja escolar quanto familiar. O filme é, em grande parte, autobiográfico. A figura e a história de Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) se confundem com as da infância do diretor François Truffaut (1932-1984), tanto que o ator Léaud é o alter ego de Truffaut, que realizou ainda mais um curta-metragem “Antoine e Colette” (L`amour à vingt ans, França, 1962) e três longas-metragens “Beijos proibidos” (Baisers volés, França, 1968), “Domicílio conjugal” (Domicile conjugal, França, 1970) e “Amor em fuga” (L'amour en fuite, França, 1978), todos tendo Antoine Doinel como protagonista. Nestes filmes, podemos acompanhar o desenvolvimento de Doinel até os trinta anos. Tais filmes mostram a influência de Balzac, já que os personagens aparecem em mais de um romance.

O filme de Jean-Luc Godard (1930-) “Acossado” (À bout de souffle, França, 1960) foi realizado em parceria com Truffaut, que escreveu o roteiro. A história do filme é simples: um homem, chamado Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo), rouba um carro em Marselha. Na fuga em direção à Paris, Michel mata um policial. Chegando na cidade luz, tenta encontrar um amigo que lhe deve algum dinheiro. Neste meio tempo, tenta convencer a jovem estudante estadunidense Patrícia (Jean Seberg) a irem juntos para a Itália. Em meio às divagações em um quarto, a jovem entrega Michel à polícia, que o mata em uma rua de Paris. O interessante que “Acossado” exige uma postura diferente do espectador, visto que a história é simples, no entanto, o modo como é estruturada a narrativa é extremamente complexa: não há uma progressão dramática; a narrativa é fragmentária, com diálogos aparentemente desconexos, mas cheios de elementos significantes.

A “Coleção Folha de Cine Europeu” retoma a tradição de fascículos semanais vendidos em bancas de jornais, que teve o seu ápice nas décadas de oitenta e noventa do século passado, com coleções das mais diversas áreas, tais como História, Literatura, Filosofia, Música, etc. O interessante da coleção é sua qualidade da curadoria e do projeto gráfico, com um conteúdo biográfico, filmográfico e crítico acerca dos cineastas e dos seus respectivos filmes a cargos de Cássio Starling Carlos e Pedro Maciel Guimarães, doutor em Cinema pela Sorbonne Nouvelle – Paris 3, responsável pela excelente qualidade dos textos.

Link do artigo que também foi publicado no jornal Tribuna Impressa:
http://www.araraquara.com/to-ligado/geral/2012/01/20/a-volta-das-colecoes-de-cinema-em-fasciculos.html