François Truffaut e a Nouvelle Vague.
Por Breno Rodrigues de Paula
Na arte, o desenvolvimento da linguagem artística, bem como de seu método, se dá de forma gradual e progressiva em torno de conceitos e preceitos estéticos desenvolvidos e aderidos por um conjunto de artistas. Cada escola estética desenvolve um conjunto de preceitos e regras que a diferencia das outras escolas ou períodos e faz com que ela ganhe destaque na história da arte. Eis que surgem as divisões na história da arte tais como classicismo, barroco, romantismo, realismo, modernismo, etc. No caso da história do cinema, a divisão se faz por ‘escolas” que possuem tendências e princípios estéticos que a diferenciam das outras. Como exemplos de escolas temos o “Expressionismo” (década de 20); “Intimismo” (década de 30); o “Surrealismo” (década de 30), o “Neo-Realismo” (década de 40); o “Cinema Novo” (década de 60) e a “Nouvelle Vague” (década de 60).
A Nouvelle Vague (Nova Onda) é uma das principais escolas da história da sétima arte. Ela surgiu na França em torno da revista Cahrier du Cinéma no final da década de 50 e teve seu auge ao longo da década de 60 do século passado. A "teoria autoral" era o pilar do movimento da Nouvelle Vague. Foi criada em 1954 por François Truffaut, que ainda era apenas um crítico da revista francesa Cahiers Du Cinéma. Essa teoria afirma que uma pessoa, quase sempre o diretor, tem a única responsabilidade sobre o filme e que sua visão pessoal da sociedade pode ser observada na obra. Isso significa que o filme pode ser visto como uma produção individual, não muito diferente de um livro ou uma música.
Como crítico, François Truffaut desenvolveu sua famosa "Politique des auteurs" (teoria autoral, em português). Neste conceito, o filme é considerado uma produção individual, como uma canção ou um livro. Truffaut defendia que a responsabilidade sobre um filme dependia quase que exclusivamente de uma única pessoa, em geral o diretor. Os adeptos da NouvelleVague atuavam em duas linhas: a crítica e produção cinematográfica.
Na Nouvelle Vague, há o rompimento da relação dramática entre personagem e herói e a visão dos seres e objetos se purifica, é desdramatizada – o que determina uma apresentação de fatos e personagens sem enfeites adjetivos. Não mais existe, por conseguinte, o herói em oposição ao vilão, encaixando-se o homem num quadro existencial em que o bem e o mal são ficções puramente lógicas, como expressos em filmes como Acossado (À Bout de suflê, 1960) de Godard e Os Incompreendidos (Les 400 coups, 1959), de Truffaut.
François Truffaut foi o diretor mais produtivo da Nouvelle Vague. Dirigiu cerca de 23 filmes entre 1954, data de seu primeiro filme “Une Visite” até 1983 “De repente domingo” (Vivement Dimanche), seu último filme. Ao longo deste período dirigiu clássicos como “Os Incompreendidos” (Les 40 coups, 1959); “Uma mulher para dois” (Jules et Jim, 1962); Fahrenheit 451 (1966); “A sereia do Mississipi” (La Sirène du Mississipi, 1969); “A noite americana” (La nuit américaine, 1973). Certamente ele foi um dos maiores gênios da sétima arte e, junto com André Bazin e Godard, formou a tríade da Nouvelle Vague.
Filmografia:
1983 - De repente, num domingo (Vivement Dimanche)
1981 - A mulher do lado (La femme d`à cóte)1
Por Breno Rodrigues de Paula
Na arte, o desenvolvimento da linguagem artística, bem como de seu método, se dá de forma gradual e progressiva em torno de conceitos e preceitos estéticos desenvolvidos e aderidos por um conjunto de artistas. Cada escola estética desenvolve um conjunto de preceitos e regras que a diferencia das outras escolas ou períodos e faz com que ela ganhe destaque na história da arte. Eis que surgem as divisões na história da arte tais como classicismo, barroco, romantismo, realismo, modernismo, etc. No caso da história do cinema, a divisão se faz por ‘escolas” que possuem tendências e princípios estéticos que a diferenciam das outras. Como exemplos de escolas temos o “Expressionismo” (década de 20); “Intimismo” (década de 30); o “Surrealismo” (década de 30), o “Neo-Realismo” (década de 40); o “Cinema Novo” (década de 60) e a “Nouvelle Vague” (década de 60).
A Nouvelle Vague (Nova Onda) é uma das principais escolas da história da sétima arte. Ela surgiu na França em torno da revista Cahrier du Cinéma no final da década de 50 e teve seu auge ao longo da década de 60 do século passado. A "teoria autoral" era o pilar do movimento da Nouvelle Vague. Foi criada em 1954 por François Truffaut, que ainda era apenas um crítico da revista francesa Cahiers Du Cinéma. Essa teoria afirma que uma pessoa, quase sempre o diretor, tem a única responsabilidade sobre o filme e que sua visão pessoal da sociedade pode ser observada na obra. Isso significa que o filme pode ser visto como uma produção individual, não muito diferente de um livro ou uma música.
Como crítico, François Truffaut desenvolveu sua famosa "Politique des auteurs" (teoria autoral, em português). Neste conceito, o filme é considerado uma produção individual, como uma canção ou um livro. Truffaut defendia que a responsabilidade sobre um filme dependia quase que exclusivamente de uma única pessoa, em geral o diretor. Os adeptos da NouvelleVague atuavam em duas linhas: a crítica e produção cinematográfica.
Na Nouvelle Vague, há o rompimento da relação dramática entre personagem e herói e a visão dos seres e objetos se purifica, é desdramatizada – o que determina uma apresentação de fatos e personagens sem enfeites adjetivos. Não mais existe, por conseguinte, o herói em oposição ao vilão, encaixando-se o homem num quadro existencial em que o bem e o mal são ficções puramente lógicas, como expressos em filmes como Acossado (À Bout de suflê, 1960) de Godard e Os Incompreendidos (Les 400 coups, 1959), de Truffaut.
François Truffaut foi o diretor mais produtivo da Nouvelle Vague. Dirigiu cerca de 23 filmes entre 1954, data de seu primeiro filme “Une Visite” até 1983 “De repente domingo” (Vivement Dimanche), seu último filme. Ao longo deste período dirigiu clássicos como “Os Incompreendidos” (Les 40 coups, 1959); “Uma mulher para dois” (Jules et Jim, 1962); Fahrenheit 451 (1966); “A sereia do Mississipi” (La Sirène du Mississipi, 1969); “A noite americana” (La nuit américaine, 1973). Certamente ele foi um dos maiores gênios da sétima arte e, junto com André Bazin e Godard, formou a tríade da Nouvelle Vague.
Filmografia:
1983 - De repente, num domingo (Vivement Dimanche)
1981 - A mulher do lado (La femme d`à cóte)1
980 - O último metrô (Le dernier metro)
1978 - O amor em fuga (L'amour en fuite)
1978 - La chambre verte
1977 - O homem que amava as mulheres (L'homme qui aimait les femmes)
1976 - Na idade da inocência (L'argente de poche)
1975 - A história de Adèle H. (L'histoire de Adèle H.)
1973 - A noite americana (La nuit americaine)
1972 - Uma jovem tão bela como eu (Une belle fille comme moi)
1971 - As duas inglesas e o amor (Les deux anglaises et le continent)
1970 - Domicílio conjugal (Domicile conjugal)
1970 - O garoto selvagem (L'enfant savage)
1969 - A sereia do Mississipi (La sirene du Mississipi)
1968 - Beijos proibidos (Baisers volés)
1967 - A noiva estava de preto (La mariée etait en noir)
1966 - Fahrenheit 451 (Fahrenheit 451)
1964 - Um só pecado (La peau douce)
1962 - Tire au flanc
1962 - Amor aos 20 anos - epis. Antoine et Colette (L`amour à vingt ans)
1961 - Uma mulher para dois (Jules et Jim)
1960 - Atirem no pianista (Tirez sur le pianiste)
1959 - Os incompreendidos (Les 400 coups)
UMA MULHER PARA DOIS
Ficha Técnica
Título Original: Jules et Jim
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 104 minutos
Ano de Lançamento (França): 1964
Estúdio: Les Films du Carrosse / Sédif
ProductionsDistribuição: Janus Films
Direção: François Truffaut
Roteiro: François Truffaut e Jean Gruault, baseado em livro de Henri-Pierre Roché
Produção: Marcel Berbert
Música: Georges Delerue
Fotografia: Raoul Coutard
Desenho de Produção: Fred Capel
Edição: Claudine Bouché
Elenco
Jeanne Moreau (Catherine)
Oskar Werner (Jules)
Henri Serre (Jim)
Vanna Urbino (Gilberte)
Anny Nelsen (Lucie)
Sabine Haudepin (Sabine)
Marie Dubois (Therese)
Christiane Wagner (Helga)
Michel Subor (Narrador)
UMA MULHER PARA DOIS
Ficha Técnica
Título Original: Jules et Jim
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 104 minutos
Ano de Lançamento (França): 1964
Estúdio: Les Films du Carrosse / Sédif
ProductionsDistribuição: Janus Films
Direção: François Truffaut
Roteiro: François Truffaut e Jean Gruault, baseado em livro de Henri-Pierre Roché
Produção: Marcel Berbert
Música: Georges Delerue
Fotografia: Raoul Coutard
Desenho de Produção: Fred Capel
Edição: Claudine Bouché
Elenco
Jeanne Moreau (Catherine)
Oskar Werner (Jules)
Henri Serre (Jim)
Vanna Urbino (Gilberte)
Anny Nelsen (Lucie)
Sabine Haudepin (Sabine)
Marie Dubois (Therese)
Christiane Wagner (Helga)
Michel Subor (Narrador)
Premiações
Recebeu 2 indicações ao BAFTA, nas seguintes categorias: Melhor Filme e Melhor Atriz Estrangeira (Jeanne Moreau).
Ganhou o Prêmio Bodil de Melhor Filme Europeu.
Ganhou o prêmio de Melhor Diretor, no Festival de Cinema de Mar Del Plata.
por Rodrigo Carreiro
Para muita gente que não conhece bem o cinema europeu, os diretores da nouvelle vague francesa foram intelectuais metidos a besta, que faziam filmes lentos, verborrágicos e incompreensíveis. Um pensamento desses não é apenas um estereótipo simplista, mas chega a ser uma heresia injusta e incorreta, especialmente para com um cineasta tão inovador e sentimental como François Truffaut. Quem duvida disso deveria checar urgentemente “Jules e Jim – Uma Mulher para Dois” (Jules et Jim, França, 1962), um conto romântico ardoroso e cheio de vida, que fala dos diferentes tipos de amor e amizade (e do medo de perder ambos) que todos nós vivemos em algum momento de nossas vidas.
Transposição para o cinema de um romance francês que Truffaut encontrou num sebo, o filme transpira o espírito libertário e de amor livre que os jovens viveram na década de 1960, na Europa e nos EUA. Pontuando a história com uma técnica ágil e visceral, que influenciaria nove em cada dez cineastas alternativos de duas décadas adiante, Truffaut usa lirismo e ousadia – em temática e narrativa – para construir o triângulo amoroso definitivo das telas de cinema. É um filme repleto de paixão, cheio de vontade de viver, e aborda um tema difícil com tamanha delicadeza que fica difícil não se apaixonar pelos personagens.
Recebeu 2 indicações ao BAFTA, nas seguintes categorias: Melhor Filme e Melhor Atriz Estrangeira (Jeanne Moreau).
Ganhou o Prêmio Bodil de Melhor Filme Europeu.
Ganhou o prêmio de Melhor Diretor, no Festival de Cinema de Mar Del Plata.
por Rodrigo Carreiro
Para muita gente que não conhece bem o cinema europeu, os diretores da nouvelle vague francesa foram intelectuais metidos a besta, que faziam filmes lentos, verborrágicos e incompreensíveis. Um pensamento desses não é apenas um estereótipo simplista, mas chega a ser uma heresia injusta e incorreta, especialmente para com um cineasta tão inovador e sentimental como François Truffaut. Quem duvida disso deveria checar urgentemente “Jules e Jim – Uma Mulher para Dois” (Jules et Jim, França, 1962), um conto romântico ardoroso e cheio de vida, que fala dos diferentes tipos de amor e amizade (e do medo de perder ambos) que todos nós vivemos em algum momento de nossas vidas.
Transposição para o cinema de um romance francês que Truffaut encontrou num sebo, o filme transpira o espírito libertário e de amor livre que os jovens viveram na década de 1960, na Europa e nos EUA. Pontuando a história com uma técnica ágil e visceral, que influenciaria nove em cada dez cineastas alternativos de duas décadas adiante, Truffaut usa lirismo e ousadia – em temática e narrativa – para construir o triângulo amoroso definitivo das telas de cinema. É um filme repleto de paixão, cheio de vontade de viver, e aborda um tema difícil com tamanha delicadeza que fica difícil não se apaixonar pelos personagens.
A história se passa no ambiente boêmio de Paris, no início do século XX, e possui uma narração em off tipicamente literária, roubada diretamente do romance de Henri-Pierre Roché. O austríaco Jules (Oskar Werner) e o francês Jim (Henri Serre) são dois amigos inseparáveis que adoram a vida noturna. Eles têm pendor artístico, gostam de mulheres, bebida e poesia. São jovens e vivem intensamente. Quando conhecem Catherine (Jeanne Moreau), ambos se apaixonam. Ela é intensa, atrevida, sexualmente avançada, e de personalidade forte. Jules, o mais tímido, pede que Jim abra caminho. O amigo concorda, mas as coisas não são tão simples assim.A narrativa do filme acompanha os três personagens durante duas décadas de incontáveis idas e vindas amorosas, interrompidas por uma guerra mundial (defendendo nações rivais, Jules e Jim têm mais medo de matar um ao outro durante uma batalha do que de morrer).
A narrativa é muito ágil, e ficou famosa por utilizar truques revolucionários de edição que Hollywood só teria coragem de usar duas décadas depois: imagens congeladas que interrompem a narrativa, telas divididas e montagem fragmentada (a chamada jump cut, que joga fora as partes mortas de uma conversa).Truffaut considerava o longa-metragem um dos prediletos de sua filmografia, e dizia sempre que o filme foi feito para celebrar a intensidade e a fugacidade das paixões mais incendiárias – ou seja, ele quis fazer um filme sobre o medo que uma pessoa apaixonada tem de perder o amado para outro. Nisto, foi extremamente bem sucedido: “Jules e Jim” é uma montanha-russa emocional, repleta de vales e picos, altos e baixos, momentos de euforia e depressão. Tudo no filme é intenso, inclusive as esplêndidas atuações do trio de atores principais. Truffaut celebra com exatidão aquilo que é o amor – a felicidade e o medo, a angústia e a euforia.
Embora acompanhe mais de perto os dois amigos do título, dois homens cuja retidão moral e fidelidade aos princípios libertários impedem que o sentimento que ambos nutrem por Catherine interfira na amizade sólida que os une, a narrativa de “Jules e Jim” capta perfeitamente o fluxo emocional instável de Catherine. É ela (“uma força da natureza”, define Jules, com absoluta perfeição, a certo momento) que regula o tom emocional do filme. “Jules e Jim” deveria ser programa obrigatório para qualquer um que já viveu um triângulo amoroso.
Uma noite americana
Título original: La Nuit Américaine
Ano de lançamento: França, 1973.Direção: François Truffaut.
Roteiro: Jean-Louis Richard, Suzanne Schiffman e François Truffaut.
Produção: Marcel Berbert.
Fotografia: Pierre-William Glenn.
Edição: Martine Barraqué e Yann Dedet.
Direção de Arte: Damien Lanfranchi.
Música: Georges Delerue.
Figurinos: Monique Dury.
A narrativa é muito ágil, e ficou famosa por utilizar truques revolucionários de edição que Hollywood só teria coragem de usar duas décadas depois: imagens congeladas que interrompem a narrativa, telas divididas e montagem fragmentada (a chamada jump cut, que joga fora as partes mortas de uma conversa).Truffaut considerava o longa-metragem um dos prediletos de sua filmografia, e dizia sempre que o filme foi feito para celebrar a intensidade e a fugacidade das paixões mais incendiárias – ou seja, ele quis fazer um filme sobre o medo que uma pessoa apaixonada tem de perder o amado para outro. Nisto, foi extremamente bem sucedido: “Jules e Jim” é uma montanha-russa emocional, repleta de vales e picos, altos e baixos, momentos de euforia e depressão. Tudo no filme é intenso, inclusive as esplêndidas atuações do trio de atores principais. Truffaut celebra com exatidão aquilo que é o amor – a felicidade e o medo, a angústia e a euforia.
Embora acompanhe mais de perto os dois amigos do título, dois homens cuja retidão moral e fidelidade aos princípios libertários impedem que o sentimento que ambos nutrem por Catherine interfira na amizade sólida que os une, a narrativa de “Jules e Jim” capta perfeitamente o fluxo emocional instável de Catherine. É ela (“uma força da natureza”, define Jules, com absoluta perfeição, a certo momento) que regula o tom emocional do filme. “Jules e Jim” deveria ser programa obrigatório para qualquer um que já viveu um triângulo amoroso.
Uma noite americana
Título original: La Nuit Américaine
Ano de lançamento: França, 1973.Direção: François Truffaut.
Roteiro: Jean-Louis Richard, Suzanne Schiffman e François Truffaut.
Produção: Marcel Berbert.
Fotografia: Pierre-William Glenn.
Edição: Martine Barraqué e Yann Dedet.
Direção de Arte: Damien Lanfranchi.
Música: Georges Delerue.
Figurinos: Monique Dury.
Elenco:
Jacqueline Bisset
Valentina Cortese
Alexandra Stewart
Jean-Pierre Aumont
Jean-Pierre Léaud
François Truffaut
Nathalie Baye
Dani
Jean Champion
Nike Arrighi
Maurice Seveno
David Markham
Bernard Menez
Gaston Joly
Zénaïde Rossi
Xavier Saint-Macary
Walter Bal
Jean-François Stévenin
Pierre Zucca
Graham Greene
voz de Georges Delerue.
Por Eduardo Carli de Moraes, 12/Março/2006
Jacqueline Bisset
Valentina Cortese
Alexandra Stewart
Jean-Pierre Aumont
Jean-Pierre Léaud
François Truffaut
Nathalie Baye
Dani
Jean Champion
Nike Arrighi
Maurice Seveno
David Markham
Bernard Menez
Gaston Joly
Zénaïde Rossi
Xavier Saint-Macary
Walter Bal
Jean-François Stévenin
Pierre Zucca
Graham Greene
voz de Georges Delerue.
Por Eduardo Carli de Moraes, 12/Março/2006
Dos "filmes metalinguísticos" que procuram fazer, através do cinema, uma reflexão sobre o que cinema, esse adorável A Noite Americana é de longe um dos melhores. Pode não ser tão cáustico e finamente irônico quanto o magnífico O Jogador, de Robert Altman, nem tão incisivo na crítica à Indústria Cultural quanto o Barton Fink dos irmãos Cohen, nem tão genial e dionisíaco quanto o Oito e Meio do Fellini, nem conter uma análise de personagem tão brilhante quanto A Malvada de Joseph Mankiewicz, mas é certamente o mais divertido do gênero e, talvez, o mais apaixonante e o mais prazeiroso de assistir.
Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1973, essa pequena pérola de François Truffaut parece, à primeira vista, somente um aglomerado de causos bizarros e engraçados que envolvem a arte de fazer cinema, reunidos numa fina comédia que se centra num behind-the-scenes de um filme falso. Eis um filme sobre pessoas fazendo um filme, e não se sai disso. Mas com que classe a coisa é feita...! Truffaut, que já era em 73 um reconhecido Grande Mestre da sétima arte, com toneladas de experiência acumulada e a maioria de seus grandes clássicos já lançados (Jules e Jim, Atirem No Pianista!, Os Incompreendidos são todos dos anos 50 e 60), fez em A Noite Americana uma bela crônica das desventuras de um cineasta e do árduo processo de parto de um filme. Acabou cometendo uma obra que, além de deliciosa de ver, mostra bem como se pode ser leve e divertido sem ser fútil. Esse é daqueles filmes pra fazer a gente sair do cinema incomparavelmente mais apaixonado pelo cinema do que era ao entrar...
Truffaut (que ataca também de ator e interpreta justamente o diretor do "filme dentro do filme") nos oferece aqui um delicioso painel do que significa ser um cineasta e de todas as aporrinhações que tornam esse trabalho um tanto complicado, estressante e cheio de imprevistos. Não é somente pelas gags, aliás engraçadíssimas, que vale esse A Noite Americana - ele vai muito além disso. A idéia principal é demonstrar o quanto de jogo-de-cintura, de corrida-contra-o-tempo, de fria paciência, de veloz improvisação e de criatividade é necessário para que o diretor consiga sobreviver ao caos do set e aos ataques do acaso... De certo modo, Truffaut faz elogio próprio, glorifica sua própria profissão, faz do cineasta um símbolo da bravura e do heroísmo, mas nem dá pra se sentir mal com esse "narcisismo". No fundo, o que acontece é que Truffaut nos faz sentir todo o imenso prazer que ele sinceramente sente como cineasta e amante de cinema - e um pouco desse amor e dessa empolgação dele certamente nos é transmitido e fica impregnado (felizmente!) em nós...
O que A Noite Americana deixa claro é que o cinema, como arte essencialmente coletiva, sofre com certas desvantagens e complicações: é preciso contar com a cooperação de pessoas frequentemente instáveis, excêntricas e falíveis, que possuem frequentemente interesses conflitantes e vícios abundantes, especialmente a vaidade e a ambição, num set superlotado e onde os mínimos detalhes tem que ser levados em conta. O acaso e o azar também não poupam ninguém: muitas vezes um ator morre durante as filmagens, ou uma atriz entra em crise nervosa e histérica, ou casinhos de amor, ciúme e traição ameaçam transformar o set num palco para o correr de sangue... Aos trancos e barrancos, e no improviso, vai-se seguindo em frente... E é papel do diretor ser o maestro desses músicos tão dissonantes a fim de tentar tirar daí alguma melodia digna. Tudo isso está maravilhosamente exemplificado nos inúmeros episódios do filme.
Além disso, A Noite Americana é também uma Aula de Desilusão, que põe às claras o quanto o cinema se utiliza de inúmeras técnicas de ilusionismo para se tornar uma verdadeira arte da enganação - o que todos sabemos bem, mas às vezes preferimos esquecer. As cenas em que a equipe de produção fabrica tempestades e nevascas artificiais, ou o jeito que arrumam pra filmar o desastre automobilístico, no contínuo esforço de fazer o fake parecer autêntico, diverte e instrui tanto quanto os melhores making-ofs que já se viu. Mostrando o quanto é difícil tornar verossímil o artificial, o filme acaba por nos fazer admirar ainda mais o esforço de todos os envolvidos com o cinema e a fabricação desses "mundos artificiais" a serem projetados numa tela de uma sala escura... A Noite Americana, no fundo, prova que fazer um filme é uma dureza, uma batalha, uma guerra - mas tornando essa dificuldade patente, nos faz achar o resultado - os filmes em si - ainda mais meritórios e admiráveis...
Apesar de ser um filme de ficção, e com um roteiro muito bem bolado, A Noite Americana mostra Truffaut engajado numa certa visão do cinema que me parece, paradoxalmente, anti-cinematográfica, como se dissesse que, apesar de tudo, o cinema não importa tanto assim: a vida vale mais, e a vida é o mais urgente. De certo modo, saímos desse filme com a certeza de que a vida é muito mais interessante do que um filme costuma ser, e que as pessoas reais são muito mais dignas de serem filmadas e terem suas vidas expostas do que quaisquer personagens... A
Noite Americana não deixa de ser crítica cinematográfica, eis o ponto. Truffaut sugere que o cinema tradicional, representado aqui pelo "filme dentro do filme", costuma registrar em fita uma realidade manipulada para parecer cheia de sentido, de ordem, de drama e de espetacularidade, quando nossas vidas, mais absurdas, menos gloriosas, não se assemelham muito às pinturas (distorcidas) que dela fazem a maioria dos cineastas. De modo que Truffaut, mesmo que encerrado no cinema de ficção, volta seu olhar para a vida, não tenta maquiar a verdade dela, não tenta embelezar nem distorcer, prefere o real ao imaginário... Filmando uma filmagem, o que Truffaut fez, na verdade, foi escolher registrar a vida como ela é - ou ao menos uma parcela desse negócio imenso e inesgotável que é a tal da vida como ela é.
E eu não posso deixar de considerar essa uma excelente decisão: Truffaut usa aqui o cinema, não para iludir ou para distorcer, mas para registrar, com um olhar cheio de amor e de afirmação, a vida em si, a vida e sua adorável imperfeição, a vida e sua bela anarquia... O resultado não poderia ser mais positivo: é possível sair da sessão, ao mesmo tempo, com um maior amor pelo cinema e um maior amor pela vida, ao mesmo tempo, o que não é um efeito dos mais comuns, apesar das aparências. A moral da história? Arrisco essa: a vida é mais fácil de amar porque existem filmes, e os filmes são mais fáceis de amar quando não mentem sobre a vida...
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