Nina Simone: entre a música e o ativismo

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Palmas, o público aplaude de pé, é ovacionada, seu nome é anunciado. Ela entra no palco, está vestindo um vestido negro, saúda os presentes, está com o olhar atônito, se senta defronte ao piano, dedilha algumas notas, diz que começará do início, com uma garotinha chamada “Blue”. Outrora fora Eunice Kathleen Waymon, nascida em 1933 na cidade Tryon no estado da Carolina do Norte, EUA; agora é mundialmente conhecida como Nina Simone, nome artístico adotado em 1953 quando decide tocar e cantar músicas de blues e jazz na cidade de Atlantic City. No documentário "What Happened, Miss Simone?" (EUA, 2015), dirigido por Liz Garbus, lançado mundialmente no Festival de Cinema de Sundance, tem-se todas as facetas da artista: cantora, mãe, ativista e mulher.

Com imagens da apresentação de Nina Simone, o documentário volta-se para o ano de 1968. Há uma entrevista com um jornalista, que pergunta para a cantora, envolta e engajada na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, o que é “liberdade”. Nina responde que liberdade é não ter medo. No entanto, ela conviveu com o medo, com a segregação racial. Na infância começou os seus estudos em piano clássico, teve duas idosas brancas como professoras, todavia, para chegar às aulas percorria uma linha de trem que separava a cidade, segregando-a entre brancos e negros. Era um prodígio no piano, no início da fase adulta tenta ser aceita no Instituto Curtis, na Filadélfia, é rejeitada não pela sua habilidade, mas pela cor da sua pele.

Com um fundo que juntara para a sua educação musical, iniciou os estudos na conceituada escola de Juilliard, em Nova Iorque. Quando era criança tocava piano na igreja, depois com os estudos musicais sentia o isolamento, estudava horas por dia. Com o fim do fundo, teve que tocar em bares noturnos para sobreviver, deixando a música clássica e a gospel, executando canções de blues e jazz. Para que a mãe não descobrisse que estava “tocando música do Diabo”, aquela baseada no trítono e na escala pentatônica, adota o nome de Nina Simone. Se destaca, pois, segundo o documentário, a profundidade e escuridão das apresentações colocava para fora o que a cantora tinha na alma, chegando diretamente ao espectador. 

Nina Simone ganha destaque em 1960 quando se apresenta no Newport Jazz Festival, sua carreira passa a ser gerida pelo marido Andy, com quem se casa em 1961, que impõe à cantora uma conduta e um modelo de negócios, culminando no ápice com a apresentação no Carnegie Hall, sendo a primeira mulher negra a tocar na tradicional casa de shows nova-iorquina. A vida familiar passa a ser opressora, Nina é espancada com frequência pelo autoritário marido, sofre violência de diversos tipos. Segundo o documentário, se sentia deprimida, tendo poucos momentos de felicidades, um deles é o nascimento da filha Lisa Simone Kelly

A carreira, a consciência musical e política de Nina Simone mudam a partir de 1963, quando entra em sintonia com as manifestações contra a segregação racial e a favor dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. Compõe a canção “Mississippi Goddam”, aludindo ao atentado feito pelos membros da ku klux klan que explodem uma bomba em igreja batista de Birmingham, Alabama, matando diversas crianças. O documentário mostra a transformação na carreira e na vida da cantora quando ela passa a se engajar, participando de protestos como a “marcha de Selma a Montgomery”, em 1965, ou mesmo o contato com Martin Luther King e Malcolm X

Nina Simone escolhe refletir o seu tempo, as situações em que se encontra pessoalmente e socialmente. Se questiona como ser artista e não refletir a sua época, como na composição “Ain't Got No/i Got Life”. Apoia a ação violenta, como proposta pelos Panteras Negras, prega a revolta, cenas de discursos da cantora são mostrados no documentário, paga um preço pelo engajamento, sendo rejeitada pela indústria musical. Se Martin Luther King tinha a paixão e poesia nas palavras, Malcolm X uma excelente oratória, Nina Simone tinha a sua música, a sua alma e o seu talento musical, contribuindo, assim, para a luta histórica pelo fim da segregação racial nos Estados Unidos. 

Assistir ao documentário "What Happened, Miss Simone?" não é apenas ter contato com a vida e a carreira de Nina Simone, é entrar em contato também com parte da história dos Estados Unidos, com acontecimentos importantes da segunda metade do século XX. A luta pelos direitos civis dos afrodescendentes, fatos marcantes como o atentado em Birmingham, a “Marcha de Selma”, os assassinatos de Martin Luther King e Malcolm X são mostrados. A vida de Nina Simone na sua esfera particular e musical é mostrada. Alguns pontos são polêmicos, como a relação com o marido, que ganha muita voz no documentário; outros inspiradores como o engajamento da cantora, refletido em composições atemporais: “I've got life/ I've got my freedom/I've got the life”.

Trailer do filme



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