Emir Kusturica, Cinema e os Eslavos do Sul

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Na história do Festival de Cinema de Cannes apenas três cineastas foram laureados duas vezes com a Palma de Ouro, são eles: o austríaco Michael Haneke (1942-) em 2009 com o filme “A Fita Branca” (Das weiße Band) e em 2012 com “Amor” (Amour); os irmãos belgas Luc (1954-) e Jean-Pierre Dardenne (1951-) com “Rosetta” em 1999 e “A Criança” (L’enfant) em 2005; e o cineasta sérvio Emir Kusturica (1954-) com “Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios” (Otac na službenom putu) em 1985 e “Underground: Mentiras de Guerra” (Underground) em 1995, sendo este último a sua grande obra prima. 

Underground: Mentiras de Guerra” é um filme que propõe representar a história do efêmero país dos “Eslavos do Sul” conhecido como Iugoslávia. A história se inicia no dia seis de abril de 1941 quando a Alemanha nazista ataca a cidade de Belgrado, inicialmente com a Luftwaffe, a força aérea alemã, e depois com Wehrmacht e a sua tentativa de blitzkrieg na região dos bálcãs. Marko e Blacky são dois amigos que criam uma resistência à invasão nazista. Com o auxílio do Exército Vermelho Soviético, Belgrado é libertada e cria-se a República Socialista Federativa da Iugoslávia, então aliada à União Soviética. 

Blacky refugia-se, em 1944, em um porão, enquanto Marko assume posições dentro do governo socialista iugoslavo, sendo homem de confiança do então líder da resistência e futuro presidente do país Josip Broz Tito (1892-1980). Um grupo de pessoas passa também a se esconder no porão. O inusitado é que Marko passa a dizer que a guerra não acabou, forçando todos que estão no porão a fabricarem armas durante a Guerra Fria. Todos deixam o porão apenas em 1992, em meio ao colapso da União Soviética e a Guerra da Iugoslávia, com a então desintegração do país dos “eslavos do sul”. 

Se no filme “Adeus, Lenin!” (Alemanha, 2003), do diretor Wolfgang Becker, a personagem Sra. Kerner representa simbolicamente a parte socialista da Alemanha, conhecida como DDR (Deutsche Demokratische Republik); em “Underground: Mentiras de Guerra” o porão representa simbolicamente a Iugoslávia. Por isso, Kusturica mistura o real com a ficção, recuperando elementos da história com uma narrativa que assemelha às narrativas fantásticas, tanto que o filme se inicia com a frase “Era uma vez uma terra que tinha uma capital de nome Belgrado”. A fusão entre real e ficcional é feita também a partir de imagens reais da época da guerra fria que servem como base de algumas cenas de passagem da narrativa do filme. 

O cinema de Emir Kusturica se assemelha muito ao estilo que se costumou chamar de “felliniano”. Com narrativas que questionam o estatuto do real, mas sem perder a verossimilhança, com elementos fantásticos, ou simplesmente com recursos carnavalesco, havendo a inversão de regras e dos estatutos sociais, com ocorrência do cômico, da ironia, criando um “mundo às avessas”. Sonho, realidade, ficção e história se misturam em uma narrativa coesa entre o cômico e o dramático, fundindo, assim, gêneros, que por muito tempo, não dialogavam entre si, tendo a música como base. 

A música para Emir Kusturica é algo importante não só para seus filmes, como também para a sua vida, tanto que possui uma banda chamada “Emir Kusturica & The No Smoking Orchestra”. Uma banda de me
tais que mescla elementos da música tradicional servia com gypsy e rock. Ao longo do filme, em diversas cenas há uma banda de metais que acompanha a ação e ajuda a criar o carnavalesco e, muitas vezes, o insólito na narrativa.

Outra relação com o cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993) em “Underground: Mentiras de Guerra” ocorre com a técnica do “mise en abyme", ou seja, “a obra dentro da obra”. No filme "8 ½ ", Fellini faz um filme dentro do filme. Uma obra que vai além do metacinema, do Cinema retratando o Cinema, para mostrar, em diversos níveis, um filme dentro de outro, que está dentro de outro filme. Kusturica também se utiliza do metacinema, pois há um filme sendo feito sobre Blacky, reconstituindo tudo o que foi mostrado no início da narrativa, ainda com os mesmo atores, havendo inclusive uma confusão, pois ao escapar do porão Blacky se depara com um set de filmagens e acredita ainda que a guerra esteja em curso, atirando nos figurantes com roupas nazistas, confundindo, assim, ficção com realidade. 

Uma mentira ainda é uma falsa verdade. Em “Underground: Mentiras de Guerra”, Marko manteve uma grande mentira por décadas, aprisionando vários indivíduos em um porão. Mas, o porão é a metáfora de um país, ou como diz Marko “O comunismo é um enorme porão”. Ao final do filme, todos estão entre o último conflito da Iugoslávia. Em seguida, ela não existe mais, estão em um outro mundo, reunidos, em um pedaço de terra que se desprende, há o efeito de afastamento e o ficcional é mostrado. Eis o fim: a partir das memórias do subterrâneo um país durou, nasceu, e se desintegrou: era uma vez um país, se desprende, agora só resta a memória, a história, a ficção. Um final digno como o de Macondo e seus cem anos de solidão.



‘Um Alguém Apaixonado’ e o Prazer dos Olhos

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Um alguém apaixonado’ (Like Someone in Love, França/Japão, 2012) é a última produção do diretor iraniano Abbas Kiarostami (1940-), sendo a sua segunda produção fora de seu país de origem. Filmado inteiramente no Japão e com equipe técnica e atores japoneses, tem-se um filme perfeito para se exemplificar e dialogar sobre elementos da linguagem cinematográfica, exigindo não um espectador passivo, mas, sim, uma interação constante entre espectador e obra, entre conceito e análise, entre Arte e crítica. 

Em ‘Um alguém apaixonado’, Kiarostami sai da sua zona de conforto e pontos comuns das suas narrativas anteriores de tom realista-existencialista de filmes como “Gosto de cereja” (Ta'm e Guilass, Irã, 1997), com o qual ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, ou mesmo ‘O Vento nos Levará’ (Bad ma ra khahad bord, Irã, 199), ou ainda ‘Dez’ (Dah, Irã, 2002) para trabalhar um drama. Na produção japonesa, tem-se a história da jovem universitária Akiko, que também é prostituta, e deve se encontrar para um proograma com o já idoso professor universitário chamado Watanabe Takashi. Ninguém de sua família, sua avó e seu noivo não sabem da sua profissão, o que gera desencontros e conflitos, respectivamente. 

O filme se passa apenas em três espaços: em um bar, na casa de Watanabe e na oficina, há os espaços de transição. Na cena inicial, no bar, Kiarostami começa a mostra a sua visão de Cinema em um diálogo que se estabelece entre duas personagens, o que provoca estranhamento. Recorrentemente, em um diálogo, a decupagem mais comum é plano e contra plano, ou seja, a alternância de planos entre falante e ouvinte. No entanto, o que se tem é que o falante não está no plano, está fora do enquadramento, mas no mesmo universo da ação, por isso não há uma voz em off. Se o cineasta francês Jean-Luc Godard (1930-) conseguiu um efeito diferente filmando um diálogo com os atores de costas em ‘Acossado’ (À bout de souffle, França, 1960), Kiarostami o filmou fora do enquadramento, como experimentação, assim a fonte da fala está no plano, mas não está no enquadramento. 

Na mesma cena, que se desenrola com unidade de tempo por vinte minutos, outro fator que se destaca é a profundidade de campo, o que amplia os elementos e a possibilidade de representação da limitada duas dimensões (altura e largura) para uma ilusória e bela profundidade, como difundida por Orson Welles (1915-1985) no seu filme ‘Cidadão Kane' (Citizen Kane, EUA, 1941). Com a profundidade de campo não se cria apenas a ilusão de profundidade como também amplia a possibilidade de deslocamento das personagens e também a quantidade de ações que podem ser representadas no enquadramento do plano. 

Escrever sobre ‘Um alguém apaixonado’ é discorrer sobre Cinema, no qual podemos destacar o plano-sequência, sendo caracterizado com uma tomada com unidade de tempo, ação e espaço, sem cortes Ele é o plano da contemplação da imagem e do efeito de atmosfera; da unidade explícita do espaço e da continuidade do tempo. Nele, a ação de desenvolve com um ritmo natural e livre, com deslocamentos das personagens, com a movimentação da câmera e do olhar do espectador. A ação está nos olhos, não nos cortes ou na montagem acelerada, com os seus diversos planos por minutos. 

Com a recorrência do plano-sequência, há poucas elipses, ou seja, a ação se desenvolve sem corte ou passagens de tempo. No cinema convencional, há as elipses, ou seja, há a seleção de faixas de ação e, consequentemente, de tempo que serão representados. Comumente, na decupagem de um filme comercial, caso a personagem tem que se deslocar de um ponto A para um ponto B, opta-se por omitir partes do percurso ou mesmo todo ele, o que não ocorre no cinema de Kiarostami, pois ação é mostrada como um todo, um conjunto completo de significado na sua completude, não na sua fragmentação. 

Alguns cineastas, que obtém sucesso fora da indústria cinematográfica, acabam sendo cooptados pela indústria hollywoodiana e saem do se país para serem, não mais artistas, mas, sim, empregados de grandes produtoras nos Estados Unidos. Não é o caso de Abbas Kiarostami que, ao produzir filmes fora do seu país, manteve-se fiel à sua Arte, realizando filmes com qualidade como é o caso da produção ‘Um alguém apaixonado’, sendo um filme para falar de Cinema, teorizar sobre. Alguns proclamam ser o seu Cinema “parado”, sem ação; mas devem perceber que o diretor faz um Cinema de contemplação da imagem; faz Arte, não produto para ser descartado a cada estação. Portanto, tem-se como destaca o título de um célebre livro de François Truffaut: “O prazer dos olhos”.

Trailer do filme:


‘Querida Wendy’: Um Filme Sobre Armas e Falo

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A maioria dos grandes artistas tende a ser egoístas, trabalham sozinhos e não dividem a fama ou o reconhecimento. No entanto, artistas excepcionais conseguem colaborar uns com os outros, como é o caso dos cineastas franceses François Truffaut (1932-1984) e Jean-Luc Godard (1930-), que trabalharam juntos na produção marco da Nouvelle vague francesa “Acossado” (À bout de souffle, 1960), tendo o primeiro como roteirista e o segundo como diretor. Outra parceria de outros excepcionais cineastas ocorreu na produção do filme “Querida Wendy” (Dear Wendy, Dinamarca, 2005), que possui o roteiro de Lars von Trier (1956-) e a direção de Thomas Vinterberg (1969-). 

“Querida Wendy” narra a história do jovem Dick, interpretado por Jamie Bell (1986-), que ficou famoso ao interpretar Billy Elliot; e um grupo de adolescente que mora em uma cidade fictícia do interior dos Estados Unidos. Eles formam um grupo “pacifista” de adoradores de armas. Cada membro do grupo possui a sua arma, nomeando-a e dedicando rituais a elas. A arma de Dick se chama “Wendy”, as da personagem Susan recebem a alcunha de Lee e Grant; já a de Freddie é nomeada de Badsteel (Mau aço), e a de Huey recebe o nome de Lyndon, em alusão ao filme de Stanley Kubrick. Os membros do grupo são chamados de “Dandis” e possuem a regra de “nunca sacarem as suas armas”, pois elas seriam apenas “amuletos”, que dão confiança e autocontrole. 

A narrativa do filme possui uma característica epistolar, há um narrador em off que está escrevendo uma carta para a sua querida arma, por isto o título “Querida Wendy” ser uma saudação, algo típico do gênero textual, havendo a interlocução entre o remetente (Dick) e o destinatário (Wendy). O que vemos materializadas em grande parte do filme são as palavras de Dick em sua carta, o que cria dois tempos: o passado da história, pois o narrador relembra como conheceu a sua querida, e o presente da escrita, ambos os tempos acabam se entrelaçando ao final do filme com a despedida e, consequentemente, o fim da carta, restando apenas o tempo presente e o desfecho em tiroteio da história. 

O cineasta Lars von Trier é um eximio analista e crítico da sociedade estadunidense. No seu filme “Dançando no escuro” (Dancer in the Dark, 2000), ele faz uma crítica ao “sonho americano” do imigrante em contraste com os valores e práticas dos estadunidenses, destacando as suas contradições de pensamento, o que também é feito nos filmes “Dogville” (2003) e “Manderlay” (2005). Já no roteiro de “Querida Wendy” Lars trabalha com o tema do fascínio pelas armas da sociedade estadunidense, tentando compreender de onde surge a “necessidade” e o discurso de justificação do uso de armas. 

Em “Querida Wendy”, os cineastas Lars von Trier e Thomas Vinterberg conseguem ir além do tema sociológico do uso de armas, trabalhando a questão pelo viés psicológico, já que armas são, neste contexto, elementos fálicos que dão poder e autoconfiança ao seu portador. O personagem principal é chamado de Dick, palavra que na língua inglesa é uma gíria para designar o pênis. Elementos fálicos são símbolos de poder, tais como o cetro que expõe o poder religioso e a espada que representa o poder social, em algumas grandes cidades há o obelisco. Na mitologia grega, os deuses possuem símbolos fálicos de poder, como Poseidon que tem o seu tridente. Na sociedade estadunidense e no filme a arma cumpre esta função simbólica. 

Outros filmes trabalham o fascínio da sociedade estadunidense por armas. Em “Tiros em Columbine” (Bowling for Columbine, EUA, 2002), o diretor estadunidense Michael Moore (1954-) faz um documentário tendo como ponto de partida o massacre que ocorreu na cidade de Columbine, em 1999, quando dois jovens estudantes entraram atirando em uma escola, matando alunos e professores e, em seguida, se suicidando. O diretor tenta relacionar o fascínio por armas com o alto índice de mortes e massacres similares ao de Columbine. Já o filme “Elefante” (Elephant, EUA, 2003), ganhador da Palma de Ouro de Cannes em 2003, recria o massacre de Columbine a partir de outros elementos ficcionais e de uma grande qualidade técnica, já que a história é contada a partir de vários pontos de vistas, criando uma narrativa polifônica e tecnicamente perfeita do diretor Gus Van Sant (1952-).

Em “Querida Wendy”, os dois maiores cineastas do movimento cinematográfico conhecido como Dogma 95 se uniram para fazer um excelente filme, com o roteiro e a obsessão de Lars von Trier em entender e criticar a sociedade estadunidense aliada à técnica e ao talento do diretor Thomas Vinterberg. No filme, os diretores partem do particular, analisando o fascínio pelas armas da sociedade estadunidense e caminham para o universal, ao trabalhar as armas como símbolos fálicos de poder, ritualizando o porte de armas, já que há cânticos, rituais e saudações para elas. No filme, mesmo que Dick caminhe sobre a mina e a praça da morte, nada temerá, pois ele tem a sua queria Wendy.

Fatih Akin e o Cinema Germânico-Turco Atual

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O cinema alemão possui dois grandes períodos: o primeiro representado pelo Expressionismo alemão, que floresceu durante as décadas de 1910 e 1920 com cineastas como Fritz Lang (1890-1976), Robert Wiene (1873-1938) e F. W. Murnau (1888-1931). Já o segundo ocorreu nas décadas de 1960 e 1970 com os diretores Wim Wenders (1945-), Werner Herzog (1942-) e Rainer Werner Fassbinder (1945-1982). O melhor cineasta alemão da atualidade se chama Fatih Akin, sendo de descendência turca, ele consegue fazer o que a sociedade alemã tem dificuldades: unir as culturas alemã e turca através de filmes como “Contra a parede” (2004) e “Do outro lado” (2008). 

Fatih Akin nasceu em Hamburgo, na Alemanha, em 1973. Seus pais são turcos que foram para a Alemanha junto com uma grande leva de imigrantes nas décadas de 1970 e 1980. Os grandes pólos de destino foram as cidades de Hamburgo, Mu
nique e Berlim, onde há o bairro turco de Kreuzberg. A sociedade alemã e a cultura turca, neste processo de contato, possuem certa dificuldade de diálogo e assimilação uma da outra, o que cria certa heterogeneidade cultural e conflitos, pois ambas as culturas dividem o mesmo espaço, mas não “se misturam”. O problema se agrava com as primeiras gerações de filhos dos imigrantes, que vivem entre as duas culturas: a materna, turca, e a do contexto, alemã.

Para os descendentes de imigrantes, a dificuldade é maior, há o peso da cultura materna e a riqueza da cultura alemã; há as tradições familiares e a liberdade social. Neste conflito, alguns poucos conseguem uma síntese das duas culturas, o que está acontecendo nas artes plásticas como se pode ver no principal centro artístico de Berlim, o Tacheles na Oranienburger Straßee e, principalmente, no cinema com o diretor Fatih Akin. Em seu cinema, há uma síntese da cultura alemã e turca, algo difícil de acontecer no âmbito social. 

No seu primeiro longa metragem “Em julho” (In Juli, 2.000) Fatih Akin já coloca em diálogo a cultura turca e alemã, o que também ocorre com o seu principal e mais premiado filme “Contra a parede” (Gegen Die Wand, 2004). No filme, temos a história de Síbel, interpretada por Sibel Kekilli, que era atriz de filmes pornogrâficos e, atualmente, na série Game of trhones, e Cahit (Birol Ünel) que se conhecem no hospital após ambos tentarem se suicidar, a primeira cortando os pulsos erroneamente na horizontal e o segundo jogando-se contra a parede, ao som da música “I feel you” do Depeche Mode. Síbel propõe que se casem, pois, assim, ela teria “liberdade” para ter uma vida sem o peso da tradição e as restrições familiares. Acabam se casando, ela para se libertar, ele por compaixão. 

No início do filme e na passagem de diversas cenas, há uma banda turca com o Estreito de Bósforo ao fundo tocando uma música, que serve como prólogo para a ação de algumas cenas. O que se percebe na narrativa é que ambos estão perdidos, Cahit vive uma crise existencial, enquanto Síbel busca uma liberdade de conduta longe das tradições culturais turcas. Casando-se, ela consegue o que tanto almeja liberdade sexual, social, mas não espiritual, ou seja, tudo o que Cahit possui. Elementos da cultura pop, tais como bandas new wave e pós-punk Depeche Mode, Siouxsie and the Banshees, Soft Cell e Einstürzende Neubauten mesclam-se com outros da cultura alemã e turca no filme. 

No seu filme “Do outro lado” (Auf der Anderen Seite, 2008), Fatih Akin aprofunda a questão da identidade do imigrante turco, bem como a perda e a busca de identidade pelos filhos dos imigrantes já influenciados pelas duas culturas. O diferencial neste filme em relação à produção “Contra a parede” é que há mais núcleos de personagens como também pelo fato de parte da narrativa se passar na Alemanha e outra parte em Istambul, na Turquia. Na primeira, um idoso aposentado turco, que mora em Hamburgo, se relaciona com uma prostituta turca e a convida para morar em sua casa com o seu filho, que é doutor e professor de literatura alemã. Com a morte da prostituta, o filho decidi ir até Istambul atrás da filha dela, acaba encontrando-a em um contexto de manifestações sociais. 

Nos filmes de Fatih Akin, as personagens sempre vão para a Turquia em busca de algo: amor, paz e essência. Há o retorno, para a raiz. Mesmo tendo liberdade dentro da cultura alemã, o vazio existencial é algo predominante. Mas, o fato é que a cultura alemã e a turca possuem uma relação de difícil diálogo, o que gera uma segregação social e cultural, sendo quebrada, atualmente, apenas pela arte e pelo cinema de Fatih Akin, que consegue fazer uma síntese das duas culturas. Akin é o melhor cineasta alemão da atualidade e sente o mesmo peso do cineasta francês Tony Gatlif (1948-), produto de duas culturas, em seu caso a francesa e a argelina, como expresso no filme “Exílios” (Exils, 2003). No caso da sociedade alemã, a Arte está sempre na vanguarda, sendo o cinema de Fatih Akin o seu arauto.

Cinema, Música e Videoclipe

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Em termos históricos, a música enquanto arte possui uma longevidade maior do que o cinema. Enquanto a primeira sempre acompanhou a humanidade; o segundo possui pouco mais de cem anos. A relação da música pop com o cinema é prolífera e se destaca na produção de videoclipes, seja com bandas e cantores utilizando trechos de filmes de diretores consagrados, como é o caso das bandas Queen, The Smashing Pumpkins e Arcade Fire; ou mesmo cineastas como Sofia Coppola, Gus Van Sant e Michel Gondry que dirigiram videoclipes para as bandas The White Stripes, Red Hot Chilli Pepers e para a cantora Björk. 

A banda inglesa Queen, formada pelo vocalista Freddie Mercury (1946-1991), pelo guitarrista Brian May (1947-) e pelos músicos John Deacon (1951-) e Roger Taylor (1949-), é uma das principais bandas dentro do gênero hard rock nas décadas de 1970 e 80. Sua relação com o cinema se dá no videoclipe da música “Radio Ga Ga”, lançada no disco “The Works” de 1984, com reprodução de trechos do filme “Metrópolis” (1927) do cineasta germânico Fritz Lang (1890-1976), sendo um dos maiores expoentes do expressionismo alemão. 

Em 1995, a banda estadunidense The Smashing Pumpkins lança o videoclipe da música “Tonight, Tonight” do disco “Mellon Collie and the Infinite Sadness”, gravado por Billy Corgan (1967-), D'arcy Wretzky (1968-) e James Iha (1968-). A banda insere trechos e se inspira no filme “Viagem à lua” (Le Voyage dans la lune, 1902) do cineasta francês e um dos pais do cinema narrativo Georges Méliès (1861-1938) para produzir o videoclipe, que é dirigido pelo casal de cineastas Jonathan Dayton (1957-) e Valerie Faris (1958-), mais conhecidos por dirigirem o filme “Pequena Miss Sunshine” (Little Miss Sunshine, 2006). 

A banda canadense Arcade Fire, formada pelo casal Win Butler (1980-) e Régine Chassagne (1977-), utilizou cenas do filme “Orfeu negro” (Orphée Noir, 1959), dirigido pelo cineasta francês Marcel Camus (1912-1982) na música “Afterlife” do disco “Reflektor” (2013). A produção é baseada na peça “Orfeu da Conceição” (1954) de autoria de Vinícius de Morais (1913-1980) com a trilha sonora de Tom Jobim (1927-1994) e Luiz Bonfá (1922-2001), recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes. O filme revisita o mito de grego de Orfeu e Eurídice. As cenas utilizadas no videoclipe dialogam com a letra da música, pois há uma relação entre a letra com cenas do filme e uma alusão à música “We can work it out” dos Beatles, no trecho “Can we work it out?”. 

Um videoclipe muito interessante é o da música “I Just Don’t Know What to do with Myself”, do disco Elephant (2003) da banda estadunidense The White Stripes, que é composta por Jack White (1975-) na guitarra e Meg White (1974-) na bateria. Neste videoclipe, tem-se a direção da cineasta Sophia Coppola (1971-) e conta com a participação da modelo Kate Moss (1974-), que faz a interpretação da canção a partir de gestos corporais rítmicos e sensuais, que dialogam, ao mesmo tempo, com o ritmo e faz um contraponto com a letra. No entanto, o que impera é a beleza da imagem com o ritmo do movimento da modelo no pole dance, além do contraste de luz e sombra da fotografia. 

The White Stripes trabalhou com outros cineastas em seus clipes, como é o caso do francês Michel Gondry (1963-), que dirigiu videoclipes para Paul McCartney (Dance Tonight), Beck (Cell Phone's Dead), Björk (Human Behaviour), Radiohead (Knives Out), The Rolling Stones (Like A Rolling Stone), Daft Punk (Around the World) e Massive Attack (Protection). O cineasta francês ficou famoso por dirigir os filmes “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004) e “A Natureza Quase Humana” (Human Nature, 2001). 

O diretor estadunidense Gus Van Sant (1952-) dirigiu o videoclipe da música "Under the Bridge" do disco “Blood Sugar Sex Magik” (1991) da banda Red Hot Chili Peppers. Gus Van Sant se destacou com filmes como “Elephant” (2003), com o qual ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes e “Last Days” (2005) que mostra de forma ficcional os últimos dias do vocalista do Nirvana Kurt Kobain (1967-1994); como também “Paranoid Park” (2007) no qual o cineasta faz uma releitura do romance “Crime e Castigo” (1866) do escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881).
  
Tudo começou com os Beatles que não queriam se apresentar ao vivo no programa do apresentador estadunidense Ed Sullivan (1901-1974) e resolveram mandar um “vídeo promocional” com a performance de uma de suas canções para ser exibido no programa. Com isso, criaram o objetivo do videoclipe: o de promover o artista e o torná-lo onipresente em canais de comunicação. O videoclipe nasce dependente da música e passa a se relacionar com o cinema. Cineastas passam a dirigi-los e, até mesmo, serem influenciados por ele, como o caso do diretor Darren Aronofsky (1969-) no filme “Réquiem para um Sonho” (Requiem for a Dream, 2000), com cortes rápidos e planos curtos. Música, Cinema, Videoclipe; Cinema, Videoclipe, Música; Videoclipe, Música, Cinema.

Programação de Novembro da Sessão Zoom

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Exibição do filme “As Hiper Mulheres” e debate com o diretor Takumã Kuikuro

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Exibição do filme “As Hiper Mulheres” e debate com o diretor Takumã Kuikuro. No dia 31 de outubro, haverá um debate promovido pela Fundação Araporã com o cineasta Takumã Kuikuro, do antropólogo e professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp Edgar Teodoro da Cunha, além do crítico de cinema e autor do site “Travessa Cinematográfica” Breno Rodrigues. 

Local e horário:
O evento acontecerá na sala de múltiplo uso 1 do SESC – Araraquara, localizado na rua Castro Alves, 1315, às 14h30. 

Antes do debate será exibido o documentário “As Hiper Mulheres”, exibido em diversos festivais no Brasil e exterior e ganhador de diversos prêmios, incluindo o Kikito Especial do Júri do Festival de Gramado e o Prêmio Al Jazeera de Melhor Documentário. “As Hiper Mulheres”, uma produção conjunta do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do projeto Vídeo nas Aldeias foi dirigido pelos cineastas Takumã Kuikuro e Leonardo Sette e pelo antropólogo Carlos Fausto. 

A exibição do filme e o debate são uma realização da Fundação Araporã, com apoio do Núcleo de Antropologia da Imagem e Performance da Unesp, do site Travessa Cinematográfica e do SESC Araraquara. Sinopse do filme: Temendo a morte da esposa idosa, um velho pede que seu sobrinho realize o Jamurikumalu, o maior ritual feminino do Alto Xingu (MT), para que ela possa cantar uma última vez. As mulheres do grupo começam os ensaios enquanto a única cantora que de fato sabe todas as músicas se encontra gravemente doente. 

Ficha técnica: 
Produção executiva: Carlos Fausto, Vincent Carelli 
Produção: Vídeo nas Aldeias, Museu Nacional (UFRJ) 
Roteiro: Carlos Fausto, Leonardo Sette, Takumã Kuikuro 
Fotografia e som: Mahajugi Kuikuro, Munai Kuikuro, Takumã Kuikuro 
Elenco: Tugupé, Sandaki, Kamankgagu, Kanu, Ajahi, Aulá, Amanhatsi 
Prêmios: Festival de Gramado: 2011 –Kikito Especial do Júri e Kikito Melhor Montagem Festival de Brasília do Cinema Brasileiro: 2011 – Melhor som Festival de Curitiba: Melhor Filme Prêmio Olhar, Prêmio da Crítica (Abraccine), Prêmio do Público, Olhar de Cinema Hollywood Brazilian Film Festival: Melhor Documentário Latin American Film Festival: Prêmio Al Jazeera de Melhor Documentário 

Convidados: 
Takumã Kuikuro nasceu e foi educado pela família na Reserva Indígena do Xingu. Em 2002 começou a participar de oficinas de audiovisual e desde então co-produziu e co-dirigiu os curtas O Dia em que a Lua Menstruou (2004) e O Cheiro de Pequi (2006). Recebeu prêmios no Brasil e Canadá. É o produtor executivo do curta Porcos Raivosos. As Hiper Mulheres é seu primeiro longa. 

Edgar Teodoro da Cunha é professor do Departamento de Antropologia, Política e Filosofia da UNESP (Câmpus Araraquara). É mestre e doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo. Coordena o Núcleo de Antropologia da Imagem e Performance da Unesp. É co-atuor do livro “Antropologia e Imagem” (Zahar, 2006), co-organizador de “Escrituras da imagem” (Edusp, 2004), “Imagem-conhecimento” (Papirus, 2009) e dirigiu os documentários “Jean Rouch, subvertendo fronteiras” (2000), “Ritual da vida” (2005) e “Mbaraká, a palavra que age” (2011).

Breno Rodrigues de Paula é formado em Letras e mestre em Estudos literários pela UNESP de Araraquara-SP. Participou do projeto Cine Campus e organizou diversas mostras e ciclos de Cinema. Ministrou palestras em faculdades e escolas e foi curador do Festival Internacional do Minuto. Possui uma coluna quinzenal sobre cinema no jornal Tribuna Impressa e dirigiu curta-metragens, documentários e programas de entrevistas com cineastas. É membro da Sessão Zoom.

Trailer do filme:

Stanley Kubrick

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Treze, com apenas treze filmes o diretor estadunidense Stanley Kubrick (1928-1999) conseguiu se destacar na história do Cinema como um dos maiores cineastas de todos os tempos, ao lado de nomes como: Sergei Eisenstein (1898-1948), Fritz Lang (1890-1976), Federico Fellini (1920-1993), Ingmar Bergman (1918-2007), Jean-Luc Godard (1930-) e Wim Wenders (1945-). Kubrick será o grande homenageado na 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo deste ano, terá também uma exposição no MIS (Museu da Imagem e do Som ) de São Paulo. 

Stanley Kubrick é um diretor de cinema único, singular; fez apenas treze filmes ao longo de quarenta e seis anos de carreira, de 1953, data do lançamento da sua primeira produção “Medo e Desejo” até o seu último filme “De Olhos Bem Fechados”, lançado no ano de sua morte, 1999. O interessante que cada filme é único dentro da filmografia do diretor, pois ele foi um dos poucos diretores da história do cinema a conseguir realizar obras a partir de diversos gêneros cinematográficos, passando pelo thriller, ficção científica, drama, guerra, drama histórico, comédia, terror, sendo, ainda, um grande “tradutor” de obras literárias para o cinema. 

Na década de 1950, Kubrick faz a sua estréia na direção com “Medo e Desejo” (Fear and Desire), em 1953. O filme narra a história de soldados que tentam sobreviver atrás das linhas inimigas. O diretor sempre renegou e chegou a recolheu a cópia do filme, ficando fora de catálogo por muito tempo. Em 1955, Kubrick lança “A Morte Passou por Perto” (Killer's Kiss), sendo responsável ainda pela produção, montagem e fotografia. O filme é um thriller com uma trama centrada na relação do boxeador Davey Gordon com a dançarina Glória, que é namorada de um criminoso. A trama se desenvolve a partir do conflito amoroso e de poder. 

No seu terceiro filme, lançado em 1956, Kubrick começa a desenvolver o seu estilo e a apresentar sua genialidade. “O Grande Golpe” (The Killing) pode ser caracterizado como um filme noir, narrando a tentativa de um grupo de bandidos de roubar um hipódromo. O destaque do filme é roteiro com o uso de uma cronologia não linear e o fato da história ser mostrada a partir de vários pontos de vistas, forma que inspirou inclusive Quentin Tarantino (1963-) na produção “Pulp Fiction: tempos de violência” (Pulp Fiction, EUA, 1994). O quarto, e último filme da década de 1950, é “Glória Feita de Sangue” (Paths of Glory, 1957). Novamente, o diretor trabalha o drama em um contexto de guerra, neste caso da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), sendo lembrando por ser uma obra pacifista e pela atuação de Kirk Douglas (1916-). 

Na década de 1960, Kubrick tem o seu ápice criativo e a consolidação do seu prestígio. Com “Spartacus” (1960) o diretor abre a sequência de cinco filmes, que serão o ápice de sua criatividade. Nele há a famosa cena da revolta dos escravos e a fala em coro: “Eu sou Espártaco” (I’m Spartacus). Em 1962, Kubrick adapta “Lolita”, o romance homônimo do escritor Vladimir Nabokov (1899-1977), que é o responsável pelo roteiro. Há a participação do ator Peter Sellers (1925-1980), que será o grande destaque do filme “Dr. Fantástico” (Dr. Strangeloveor: How I Learnedto Stop Worryingand Love theBomb, 1964), sendo uma paródia da tensa relação entre Estados Unidos e União Soviética no contexto da Guerra Fria e da iminente guerra nuclear no período. O último filme da década influenciou não apenas David Bowie, mas também os adeptos da teoria da conspiração, pois “2001: Odisséia no Espaço” (2001: A Space Odyssey, 1968) é um filme de ficção científica que trata do tema da exploração espacial. 

A década de 1970 possui um filme, a grande obra prima, que poderia se encaixar nas produções da década anterior. “Laranja Mecânica” (A Clockwork Orange, 1971) é um dos dois filmes produzidos na década, o outro é “Barry Lyndon” (1975). O primeiro é uma obra distópica futurista enquanto o segundo é um drama histórico. Kubrick trabalha os anos 70 olhando para o futuro e para o passado. A década de 1980 inicia-se com a produção “O Iluminado” (The Shining), baseada no livro homônimo do escritor Stephen King (1947-), que disse não gostar da adaptação, contrariando a opinião de Joey Tribbiani. Sete anos depois, em 1987, o diretor filma “Nascido para Matar” (Full Metal Jacket), que narra o treinamento e a incursão de soldados estadunidenses na Guerra do Vietnã. Do penúltimo ao último filme de Kubrick há uma pausa de doze anos. “De Olhos bem Fechados” (Eyes Wide Shut, 1999). No seu último filme o diretor trabalha as relações pessoais a partir da óptica de um casal, que vive um vazio existencial da sociedade burguesa. 

São treze filmes. Uma filmografia curta em termos de quantidade, mas excelente em qualidade. A exposição, que ocorre no MIS (Museu da Imagem e Som) de São Paulo desde o dia 11 de outubro, reúne objetos de cena e figurinos de filmes de Stanley Kubrick. Ela é organizada pelo Museu Alemão do Cinema (DeutschesFilmmuseum), pela viúva do cineasta, Christiane Kubrick, e pelo Arquivo Stanley Kubrick da Universidade de Artes de Londres. No dia 18 de outubro, a 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo faz uma retrospectiva de todos os filmes do diretor. Outubro é o mês do brumário e de Kubrick.

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Abbey Road: o último e o penúltimo disco dos Beatles

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Muito se escreveu, e tem-se escrito, sobre os Beatles. A banda inglesa revolucionou a Música Serial Pop, elevando-a a um patamar artístico dentro da musica pop mundial. A sua discografia representa todo um percurso de ascensão criativa, desde o primeiro álbum de estúdio Please, Please Me (U.K., 1962), passando por álbuns como Help (U.K., 1964); Revolver (U.K., 1966); Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (U.K., 1967); White Album (U.K., 1968) e, o seu último álbum de estúdio, Abbey Road (U.K., 1969), que a consolidou como a principal banda de rock da segunda metade do século XX. 

O Álbum Branco havia sido lançado em 30 de novembro de 1968, podendo ser considerado como parte do grupo de obras em termos artísticos mais elevadas já criadas ao lado da “Capela Sistina”, da “Nona Sinfonia”, de “Os Irmãos Karamazov”, de ‘O Sétimo Selo”, da “Balada do Mar Salgado”. Nele, os Beatles conseguiram atingir o seu ápice criativo. No início de 1969, John, Paul, George e Ringo se reuniram para gravar um novo e audacioso projeto, que se mostrou conturbado e caótico, sem falar de traumático. Queriam um álbum mais sintético e puro, sem o avant-gard de Sgt. Pepper ou de White Album, executaram Let It Be, que posteriormente resultou em um filme e em um álbum homônimo lançado em 1970. Após abandonar este projeto, o Fab Four entra novamente no estúdio Abbey Road, em Londres, para gravar o seu último álbum de estúdio, intitulado Abbey Road

Abbey Road é o disco mais popular e o mais vendido de todos os outros treze da discografia oficial dos Beatles. São, ao todo, dezessete músicas, se bem que na contra capa aparecem apenas o nome de dezesseis; Paul havia “escondido” uma faixa surpresa “Her Majesty” no Lado B. A álbum possui uma estrutura interessante, dual, mas sintética. O Lado A, com as suas seis faixas, estaria relacionado com a proposta das músicas do White Album-, músicas mais “rockeiras”. O Lado B, com a exceção de “Here Comes The Sun”, pode ser considerado a primeira tentativa de se compor uma “Ópera Rock”. Todas as nove canções se encaixam em uma estrutura coesa, começando com a sombria “Because”, indo até o término com a frenética e depois calma “The End”, terminando como se fosse uma voyage, no sentido baudelairiano do termo; mas depois da pausa, tem-se o presente para ela. Alguns anos depois os Sexs Pistols fariam uma canção afirmando o contrário. 

Se utilizássemos a teoria do crítico estadunidense Harold Bloom sobre a “Angústia da influência”, diríamos que os Beatles se encontram no centro do cânone da música pop serial. Basta vermos o impacto que as composições e os álbuns causam nos procedentes. “Come Together” é a faixa que abre o álbum, com um dos riffs e um dos refrões mais populares de todos os tempos: “Come together / right now / over me”. O vocal de John é “arrastado”, a sua prosódia está em um meio termo entre o falado e o cantado-, modelo este que seria a base do Rap. 

A segunda composição “Something” é a segunda música mais regravada do Beatles, perdendo apenas para “Yesterday”. Contrariando Frank Sinatra, que dizia ser “Something” a sua composição predileta da dupla Lennon-McCartney. A autoria é de George Harrison, que a compôs em homenagem a sua esposa Pattie Boyd, que ainda ganharia “Layla” de Eric Clapton. Além da letra e da melodia, tem-se o espetacular baixo de Paul, o que resultou em uma das mais famosas lendas sobre os Beatles: a de que Paul queria “sacanear” o George, criando uma composição para baixo fenomenal.

A faixa seguinte é uma típica composição Lennon-McCartney “Maxwell’s Silver Hammer”, um rock experimental com as marteladas de Mal Evans-, o que contrasta com faixa seguinte “Oh! Darling”: uma típica composição, chorosa, de Paul, com uma levada que caminha entre o vocal de Blues e de Soul. Em seguida, há a “faixa Ringo” de cada álbum: “Octopus Garden”-, uma boa composição do baterista. O Lado A termina com a pesada “I Want You (She’s so Heavy)”; uma verdadeira precursora do Hard Rock e do Heavy Metal. Uma típica canção Lennon, que se assemelhando às outras como “Yer Blues”; “Happiness Is A Harm Gun”; “Tomorow Never Knows”. A melodia é lenta, com destaque para os solos de guitarra de George e para a bateria de Ringo, que dão um tom pesado (heavy) para a música. A faixa é uma composição pesada e sombria. 

Here Comes The Sun” abre o Lado B, sendo outra famosa composição de George Harrison, que se mostra um excelente compositor. Em seguida, têm-se quase dezessete minutos ininterruptos de música, todas as outras nove composições se encaixam como se fossem uma única faixa. Começa-se com “Because”, com um vocal de John, passando por “You Never Give Me Your Money”, cantada apor Paul; por “Sun King”, com trechos em vários idiomas; “Mean Mr. Mustard” e “Polytheme Pam”, tendo um crescendo com “She Came In Trhough The Bathroom Window”-, chegando à calma “Golden Slumber” (inspirada em uma música de acalanto), que se segue por “Carry That Weight” e termina com “The End”, neste ponto tem-se o melhor solo de bateria jamais tocado por Ringo. 

O fim da opereta é anunciado, o álbum é lançado-, os quatro atravessam as faixas da rua Abbey Road. Há a teoria da conspiração: “Paul is Dead”, seus olhos estão fechados-, está descalço. Deixando de lado a teoria de lado, o A e o B são ambos diferentes; mas com uma grande qualidade a sua maneira; o que originou um álbum sintético, com características de todos os álbuns anteriores concebidos pelo Fab Four. O disco começa com “Come Together”; “The End” não é niilista como a de Morrison. Ouçam o disco em estéreo ou mono (se possível em um conjunto Marantz), acabou o Lado A-, a agulha subiu após “I Want You (She’s so Heavy)”, levante-se e vire-o: “Here Comes The Sun”.