9 Canções: Entrelaçando Eros e Orfeu.

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O diretor inglês Michael Winterbotton é um cineasta instigante. No seu filme “9 canções” (9 songs, 2004) ele nos coloca em frente a dois princípios de prazer
que, quando se cruzam ou se entrelaçam, causam um estranhamento no princípio de realidade do espectador. O filme é estruturado a partir da alternância entre cenas de músicas em shows de rock com cenas íntimas do casal Matt e Lisa, como se vê uma estrutura simples e coesa. No entanto, o seu conteúdo se baseia em Eros e Orfeu, no qual reside a complexidade e o estímulo do juízo de valor dos espectadores.

O pensador francês Herbert Marcuse, ao estudar a relação antagônica entre Eros e a Civilização a partir de uma interpretação filosófica do pensamento de Freud, ressalta que a “evolução da civilização” surge com o princípio de realidade em detrimento do princípio de prazer. O princípio de prazer, de satisfação seria substituído pelo princípio de realidade, de labuta. As forças sexuais seriam destinadas à labuta e, consequentemente, o prazer é abolido. Nesta teoria, Orfeu (“espírito da música”) teria uma função importante que é a de fazer a passagem do princípio de realidade para o princípio de prazer, de dar ritmo a esta passagem.

O interlúdio acima fez-se necessário na medida em que todo o conteúdo do filme se
alterna entre cenas de sexo e “cenas de música”. As cenas de sexo mostram um casal que usufruem ao extremo das sensações de prazer geradas por Eros. Deveras o filme não aborda profundamente as emoções humanas. Ele dá ênfase às sensações humanas e aos seus anseios de prazer. Mas, as cenas de sexo não se inseririam numa “categoria pornográfica”, visto que tem-se apenas a visão de um casal tendo prazer com o ato sexual. Não há o sobressalto do grotesco, pelo contrário, o que vemos é uma relação simples e sublime.

Como ressaltamos no interlúdio, Orfeu é um princípio de prazer, que tem a função de
dar ritmo a passagem do princípio de realidade para o princípio de prazer. No filme, o que dá ritmo a estrutura da narrativa cinematográfica são as nove canções: Movin’on up (Primal screan); Whatever hapenned to me rock and roll (Black Rebel Motorcycle Club); Fallen angel (Elbow); Nadia (Michael Nyman); Slow Life (Super Fury Animals); You here the last high (The Dands Warhols); C’mon, C’mon (The Von Blondies); Love Burns (Black Rebel Motorcycle Club); Jacqueline (Franz Ferdinad).

Para finalizar, Winterbotton entrelaça Eros e Orfeu no seu filme “9 canções”. O Eros órfico transforma o ser; domina a crueldade e a morte através da libertação. A sua linguagem é a canção e a sua existência é a contemplação. A canção ordena o prazer. Eis que surge a imagem "do corpo e da lira”, que no filme são representados por Matt e Lisa e pelos shows. Como diz a música: “Quando a música acabar apague as luzes, pois, a música é a sua melhor amiga.” Quando a nona música acabar, ascenda as luzes. Mas, infelizmente, algumas pessoas saem na terceira, quarta música, ainda no escuro do cinema. Talvez seja pelo pudor, por uma moralidade baseada em um princípio extremado de realidade. Mas o que temos no filme é a mais pura e simples estética cinematográfica: há Eros e Orfeu.


Ficha Técnica

Título Original: 9 Songs
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 66 minutos
Ano de Lançamento (Inglaterra): 2004
Site Oficial: www.tiscali.co.uk/9songs
Estúdio: Revolution Films
Distribuição: Tartan USA / Lumière
Direção: Michael Winterbottom
Roteiro: Michael Winterbottom
Produção: Andrew Eaton e Michael Winterbottom
Música: Michael Nyman
Fotografia: Marcel Zyskind
Edição: Mat Whitecross e Michael Winterbottom