Bate-papo sobre História em Quadrinhos e Cinema

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Bate-papo sobre Crítica Cinematográfica

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Bate-papo sobre Crítica Cinematográfica com o jornalista e crítico de cinema Christian Petermann, com o produtor audiovisual Fernando Reis Coelho, dono do site "Tem um coelho no cinema", e com a mediação de Breno Rodrigues de Paula, dono do site Travessa Cinematográfica" (www.travessacinematografica.com.br).
Local: SESC Araraquara
Data: 11/03/2015 (quarta-feira)
Horário: 20h00
Gratuito



Os Relatos Selvagens Humanos

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Nas formas artísticas breves, dentro da literatura o conto possui uma posição de destaque com narrativas curtas e devido a sua síntese dos meios narrativos. O escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), juntamente com o seu conterrâneo Julio Cortázar (1914-1984), é um dos maiores contista da literatura universal ao lado de nomes como Edgar Allan Poe (1809-1849), Machado de Assis (1839-1908) e Guy de Maupassant (1850-1893). O cineasta argentino Damián Szifron (1975-) também se utiliza de narrativas breves através de seis relatos banais do cotidiano social para realizar o filme “Relatos Selvagens” (Relatos salvajes, 2014), fundindo gêneros como humor, drama e suspense. 

Nos dois primeiros relatos, a vingança é a responsável pelas ações selvagens, ou melhor primitivas, das personagens. No primeiro, “Pasternak”, em um avião tem-se um grupo de passageiros que descobrem possuir uma conexão em comum: a relação com o músico Gabriel Pasternak. Todos os responsáveis pelos traumas e frustrações de Pasternak estão a bordo, a tragédia através da vingança é inevitável. No segundo relato, “Las ratas” (Os ratos), uma garçonete chamada Moza reconhece o político que fora responsável pelas tragédias familiares da jovem. Ela perdeu o pai, que se suicidou. Agora, no restaurante, há a possibilidade de vingança, que pode ocorrer com venenos para ratos na comida servida ao político. 

No relato “Él más fuerte” (O mais forte), tem-se a diferenciação social inicial de dois homens: um possui um carro importado e todos os apetrechos da sua classe social enquanto um outro está em uma posição social inferior. No entanto, ambos estão em posição de igualdade em um duelo selvagem de força física e agressões mútuas, no qual a tecnologia acaba servindo como armas primitivas para a agressão. Em “Bombita” (Bombinha), há o relato da história do engenheiro Simon Fisher que se revolta contra o departamento de trânsito de Buenos Aires por guinchar indevidamente o seu carro. A revolta de Simon contra a burocracia das instituições sociais e a “coisificação do homem” cria uma narrativa similar à de Joseph K do romance o “O processo”, de Franz Kafka

No quinto relato, “La propuesta” (A proposta), o jovem de família rica Santiago atropela e mata uma mulher grávida na principal via de Buenos Aires. Fugindo, e sem prestar socorro à vítima, Santiago chega à casa dos pais, onde com a ajuda do advogado da família começam a arquitetar um plano para culpar um humilde caseiro, que recebe uma proposta para assumir o crime. Assim, as primitivas sobrevivência e cobiça se tornam a base do relato. Em “Hasta que la muerte nos separe” (Até que a morte nos separe), há o relato de uma noiva que descobre na festa do casamento que o marido a trai, revoltada começa a destacar e a atacar todas as máscaras sociais para, assim, se libertar e praticar o mais selvagem e primitivo de todos os atos: o sexo. 

O homem é um animal, que ao criar o contrato social, ou seja, um conjunto de regras e leis para o convívio social, foi se afastando do seu estágio e de condutas selvagens e primitivas. “O contrato social” teve como objetivo “domar o homem”, dominar os seus instintos mais primitivos (e como somos também animais) animalescos e instintivos, impondo modelos de condutas pretensamente racionais. Em “Relatos selvagens” há justamente relatos baseados em condutas “selvagens”, primitivas, mas não se pode levar em conta o indevido aspecto pejorativo do termo. No filme, as condutas humanas são despidas de qualquer marca de civilidade e não são regidas pelo contrato social que é quebrado pela vingança, pelo instinto de sobrevivência, pela revolta e pela libertação. 

A luta das personagens em “Relatos selvagens” é contra o “Leviatã”, ou seja, contra o contrato social, todas as ações, em menor ou maior grau, questionam as relações sociais estabelecidas e/ou as instituições sociais. Pasternak se revolta contra a terapia, a escola de música, as relações familiares e sociais; a garçonete se revolta contra a estrutura social que privilegia um político sem caráter. Já Bombita ataca o “Leviatã”, o Estado, que com as suas repartições pública burocráticas dominam o homem. O contrato social não doma o homem, pelo contrário, ele coloca máscaras sociais para encobrir os instintos humanos primitivos e somente com todas as máscaras despidas que o amor pode surgir na sua forma plena e primitiva através do sexo, como ocorre com o relato da noiva Romina. 

O filme “Relatos selvagens” com os seus seis relatos destaca o ser humano motivado por impulsos selvagens (primitivos) em um mundo pretensamente baseado no contrato social e na razão. As ações relatadas são selvagens porque atacam direta e/ou indiretamente a ordem social e as instituições sociais. Mas, a selvageria é lúcida, de modo que a sociedade é a desordem, o caos para o homem e, muitas vezes, sem sentido, como a burocracia. O contrato social e o positivismo não cumpriram o que prometeram, cabe ao homem voltar a ser um “bom selvagem”, como ocorre com os relatos de Gabriel Pasternak, Moza, Bombita e Romina.

Trailer do filme: