Comemorações de 13 de julho

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Toda expressão e linguagem artítica possui uma forma e um conteúdo. Quando, nos dias 13 de julho comemoramos o Dia Internacional do Rock, estamos salutando o gênero musical mais expressivo da Música Serial Pop da segunda metade do século passado. Mas enquanto gênero, ele possui uma multiplicidade de formas e conteúdos, que se subdividem em outros sub-gêneros-, desde o Progressivo, Punk, Ska, Indie, Tecnopop, Pop, New wave.

No início, o Rock era Rock 'n' roll, uma síntese de duas linhas evolutivas da música popular estadunidense: a Rhythm and Blues com Country and Western, podemos dizer que ele possuia 80% do primeiro e 20% do segundo (no seu primo próximo, o Rockabilly, essa proporção é de 50% por 50%). Tinha, no máximo, doze compassos, com três ou quatro rifs da escala pentatônica, a apartir de uma forma simples que não passava de três minutos.

O parricídio ocorre em 1965, quando o Rock nasce enquanto gênero e se desgarrar das formas simples e limitantes do Rock'n'roll. No dia 24 de julho, Bob Dylan liberta o gênero de suas amarras formais, a forma é expandida-, o Bardo lança a peça LIKE A ROLLING STONES. No dia 06 de agosto, os Beatles lançam o álbum HELP-, o conteúdo se torna mais complexo e amplo. A música não possui mais temática unicamente adolescente (Teenager), ela agora diáloga com outros gêneros, como a música Modal Hindu, a Erudita, etc.

A canção não estaria mais presa a uma forma fixa, pequena e limitada-, seus limites formais foram ampliados. LIKE A ROLLING STONE inicia um processo cíclico de desenvolvimento formal da música pop serial, com o desenvolvimento da forma musical, foi-se do Progressivo-, com músicas que ocupam dois lados inteiros do Álbum como, por exemplo, Thick as a Brick (1972) da banda inglesa Jethro Tull -, para a volta de formas simples com o Punk, através de músicas como Blitzkrieg Bop e I wanna be sedated (1975), dos Ramones.

Com a disco HELP, os Beatles iniciam uma segunda fase em sua carreira e modifica a musica pop serial. Com a música YESTERDAY, a configuração básica e recorrente de banda de rock'n'roll é modificada-, a canção, composta por Paul MacCartney, é executada, não por uma guitarra, um baixo e uma bateria-, mas sim por um quarteto de cordas composto por dois violinos, uma viola e um violoncelo-, sendo esta uma formação padrão típica da MÚSICA DE CÂMARA ERUDITA.

Se hoje temos o que comemorar, saudemos os que primeiro trouxeram as boas novas: BOB DYLAN e THE BEATLES. Quem tiver ouvidos, ouçam-, mas no compasso máximo, na forma cíclica-, na ontogênese e na partenogênese do desenvolvimento da Música Serial Pop. As proles são muitas, há bastardos-, filhos pródigos. Harmonias complexas, simples-, escalas pentatônicas, diatônicas-, simultaneidades: modal, tonal-, serial.

Bob Dylan - Like a rolling stone



The Beatles - Yesterday


“O Encouraçado Potemkin”: das Reflexões de um Cineasta ao Sentido do Filme

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Talvez, uma das perguntas mais complexas e, muitas vezes, intermitentes acerca da Arte seja a questão do que torna algo, um objeto ou uma criação uma obra de Arte? Ou seja, quais os elementos que a constituem e que a diferenciam em relação às outras Artes? Quais são as suas especificidades? Sem dúvida, tais questões colocaram-se de forma contundente para os teóricos da estética cinematográfica no início do século XX, quando o Cinema ainda engatinhava. Neste período, o Cinema ainda era visto como teatro filmado ou um mero documentador da realidade. Contudo, um dos maiores teóricos e cineastas da história do Cinema, o russo Sergei Eisenstein (1898-1948) foi um dos pioneiros na defesa do Cinema como Arte, ao desenvolver reflexões sobre a Arte Cinematográfica e os seus elementos estruturais, que dariam sentido ao filme. Eisenstein não foi apenas um grande teórico, mas também um excelente cineasta. Um filme que sintetiza toda a sua teoria e concepção acerca da Sétima Arte é “O Encouraçado Potemkin” (Bronenosets Potyomkin, 1925, Rússia).

O Encouraçado Potemkin” é dividido em cinco partes. Na primeira “Homens e vermes”, há a exposição da situação do encouraçado. Vemos que os marinheiros são obrigados a comer carne estragada, o que gera descontentamento por parte deles para com seus superiores. Na segunda parte “O drama da pôpa”, os marinheiros recusam-se a tomar uma sopa feita com a carne estragada, o que gera a ira dos almirantes, que ordenam o fuzilamento dos marinheiros por insubordinação. Mas, os oficiais recusam-se a receber as ordens de atirar nos seus companheiros, quando se inicia o motim. Na terceira parte “O sangue pede vingança”, após revolta e a tomada do controle do encouraçado por parte dos revoltosos, o primeiro marinheiro, que se revoltara, é morto. Há o lamento fúnebre e o comício na cidade de Odessa. Na quarta parte “A escadaria de Odessa”, a população se confraterniza com os marinheiros do encouraçado e, em seguida, começa um tumulto ao longo da escadaria, oficiais do governo czarista abrem fogo contra a população. Na quinta parte “A passagem entre a esquadra”, o encouraçado objetiva passar por entre uma esquadra que deveria abatê-lo. Mas, a esquadra recusa-se a atirar. O encouraçado passa ao lado dela.

Na quarta parte, temos uma das seqüências mais conhecidas da história do cinema: “A escadaria de Odessa”. Inicialmente, em primeiro plano, temos um caos de corpos que se debatem numa caminhada em direção ao alto da escadaria. Depois, como nos descreve Eisenstein, tem-se um plano geral de pessoas caminhando rapidamente e desordenadamente, fogem escada abaixo dos oficiais czaristas, que atiram. Neste ponto, podemos identificar a teoria da montagem de Eisenstein de forma clara. Há “closes” nos rostos de dor de pessoas da multidão e, em seguida, vemos um plano geral, no qual os oficiais marcham atirando balas escada abaixo, o que realça a indignação do espectador e a unidade orgânica da justaposição de planos e de toda a cena. Há o pulo dos planos; do movimento caótico da multidão para o movimento rítmico dos oficiais. Nesta justaposição de planos está o efeito pretendido pelo cineasta e no qual reside toda a sua teoria cinematográfica.

Para Eisenstein, o que caracteriza o Cinema como Arte, e o que o diferencia das outras Artes é a Montagem. Toda a sua teoria acerca do sentido do filme se situa em torno da montagem cinematográfica. Ela daria sentido ao filme e, ao mesmo tempo, teria um sentido. Se pegarmos um exemplo, que o cineasta nos dá, de um plano no qual há o rosto de uma mulher e, em seguida, justapormos este plano a um outro plano, que tenha a imagem de um túmulo, pensaríamos que ela está triste, devido à morte de um ente querido. Agora, se pegarmos o mesmo plano da mulher e, em seguida, justapormos a um plano que tenha a imagem de uma mesa de comida, pensaríamos que ela está com fome. Mas, como isto pode acontecer se a imagem da mulher é igual nos dois exemplos? Isto se dá porque, quando dois planos são justapostos, inevitavelmente, criam um novo conceito, um novo sentido, que surge da justaposição dos planos.

Eisenstein foi um gênio. A sua teoria acerca da montagem cinematográfica, juntamente com a sua grande capacidade de dirigir grandes filmes como “A greve” (Statchka, 1924), “Outubro” (Oktiabr, 1927), “Alexandre Nevski” (Aleksandr Nevski, 1938); ajudaram a elevar o cinema a categoria de Sétima Arte. No “O Encouraçado Potemkin”, podemos notar toda a genialidade de Eisenstein como cineasta. O filme tem uma estrutura coesa e uma montagem que revela a concepção estrutural do grande cineasta russo. Na quarta parte “A escadaria de Odessa”, tem-se uma das cenas mais famosas da história do cinema: a cena do carrinho de bebê descendo, após a sua mãe ser morta, pelas escadas abaixo. Esta cena, ao lado de cenas como a Morte jogando xadrez com um Cavaleiro; a grande foto de Charles Foster Kane; Hynkel brincando com um globo; Sylvia Rank se banhando na fonte de Trevi, em Roma; um osso girando e ganhando o espaço; pessoas decorando livros inteiros em um bosque; são exemplos máximos da Sétima Arte. Já “O Encouraçado Potemkin” é um exemplo de como as reflexões de um grande cineasta podem dar sentido ao filme e, acima de tudo, especificidades ao Cinema.

Para ver: A Mãe (Vsevolod Pudovkin, Rússia, 1924)
Para ler: Lingüística. Poética. Cinema (Roman Jakobson, Editora Perspectiva, 2002)