“Boyhood”: Um Filme Sobre o Tempo

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A mudança das estações, o envelhecimento do corpo são as duas principais formas de percepção da passagem do tempo. Elemento que fascina, angustia e encanta a mente humana. Há a tentativa de compreendê-lo, domá-lo, manipulá-lo, na maioria das vezes sem êxito, com exceção da Arte e, principalmente, do Cinema que pode retê-lo. O filme “Boyhood: da infância à juventude” (EUA, 2014) retêm o tempo na sua duração, o diretor estadunidense Richard Linklater (1960-) filma a vida de um garoto durante doze anos, dos seus sete aos dezoito anos de idade. Entre 2002 a 2013, o elenco se reunia uma vez por ano, durante três a quatro dias, para filmar a trama e mostrar as suas transformações. 

No início do filme “Boyhood: da infância à juventude”, Mason (Ellar Coltrane) é um garoto de sete anos que mora com a irmã Samantha (Lorelei Linklater) e com a mãe Olivia (Patricia Arquette) em uma casa simples em alguma cidade do estado do Texas. O seu pai Mason (Ethan Hawke) havia deixado a família alguns anos antes. Seus setes anos são marcados pela mudança de cidade e a tentativa de compreensão do mundo a sua volta. Ao final do filme, Mason tem dezoito anos e está nos seus primeiros dias na faculdade e na fase adulta, morando sozinho em uma nova cidade, com novas pessoas e novas experiências. 

Como é preciso atar as duas pontas, o filme mostra de forma linear a partir de um enredo simples, sem tramas ou jogos temporais, a vida de Mason e de sua família. O seu pai o visita no seu oitavo ano. Com nove anos ele vai a uma aula da mãe, que está tentando se formar em psicologia, e percebe a relação dela com o professor. Vai ao lançamento do livro “Harry Potter e o enigma do príncipe”. No ano seguinte, sua mãe se casa com o professor universitário, Mason passa um final de semana na casa do pai. Com onze anos, há o início da atração e do descobrimento da sexualidade, na escola recebe um bilhete de uma pretensa namorada, Olivia se separa. Aos treze anos, Mason acampa com o pai.

Aos quatorze anos, sua mãe se torna professora universitária, sua irmã adolescente. Mason está na oitava série e bebe a primeira cerveja. No seus aniversário de quinze anos há um bolo, festa, e a visita do pai, o contato com os avós maternos em uma típica casa e família texana. Com dezesseis, Mason se encanta pela fotografia, está entre a Arte e a obrigação de fotografar, tendo que se relacionar com um novo padrasto veterano da guerra do Iraque. No ano seguinte, arruma trabalho em uma lanchonete e visita a irmã na faculdade, namora o seu grande amor da adolescência. Por fim, com dezoito anos, termina o colegial, vai para a faculdade. 

O filme mostra a vida de Mason a partir de dois importantes períodos: a infância e a juventude. O primeiro é o período de descobertas, é a percepção do mundo ao redor de um ponto de vista de baixo para cima, o que o diretor coloca como recorrente através da câmera alta e câmera baixa, alternando com frequência o plano e contra-plano, o que reforça o ponto de vista da personagem. As ações dos adultos condicionam a de Mason, cabe-lhe apenas segui-las. Na adolescência, Mason constrói a sua identidade, seja afirmando uma aparência com cabelos longos ou unhas pintadas, ou mesmo negando alguma prática, ou ainda expressando-se a partir da fotografia. 

O diretor Richard Linklater mostra a passagem do tempo através das transformações físicas que ele provoca nas personagens: no envelhecimento da pele, na transformação do cabelo, alternando em longos e curtos, como também na direção de arte com objetos de cenas típicos e representativos de cada ano, seja um computador, um console de videogame, ou mesmo acontecimentos históricos para os Estados Unidos como a invasão do Iraque em 2003, mesmo as eleições presidenciais de 2008, que elegeram Barack Obama como presidente. Outro elemento que situa historicamente a narrativa é a trilha sonora com músicas como “Yellow” do Coldplay, “She’s long gone” da banda The Black Keys, e músicas de bandas como The Flaming Lips, Wilco e Arcade Fire

Ver as personagens envelheceram durante doze anos ao longo do filme “Boyhood: da infância à juventude” é uma experiência para o espectador, pois o tempo está condensado e apreendido. O cineasta francês François Truffaut (1932-1984) também mostra a passagem da vida do seu personagem Antoine Doinel, interpretado pelo ator Jean-Pierre Léaud (1944-), ao longo de cinco filmes: “Os Incompreendidos” (1959), “O Amor aos Vinte Anos” (1962), “Beijos Proibidos” (1968), “Domicílio Conjugal” (1970) e “Amor em Fuga” (1979). Assim, pode-se acompanhar a vida de Antoine Doinel dos seus quinze anos até os trinta e poucos anos, apreendendo o tempo e diluindo-o em cinco filmes. 

O filósofo francês Henri Bergson (1859-1941) formulou o conceito de “la durée”, ou duração, no qual o tempo é caracterizado pela duração de momentos temporais que compõem uma experiência humana. O filme “Boyhood: da infância à juventude” mostra a duração, a natureza própria do tempo enraizada no envelhecimento do corpo, nas experiências e nas relações pessoais humanas. O Cinema é uma Arte temporal, Richard Linklater fez um filme sobre o tempo, o tempo presente, a vida presente, mas contínuo, sendo a matéria do filme o próprio tempo.

Trailer do filme