Avenida Espanha com Rua 6

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Em Araraquara, no interior de São Paulo, somos noventa por cento de cheiro de laranja no ar, outros tantos por cento de Arte nas almas. Por isso somos, na maioria das vezes, fechados para o exterior, apenas cumprimentamos os que cruzam os nossos caminhos pelas ruas e avenidas da cidade, não por despeito ou ar de superioridade, mas porque nos fechamos em nós mesmos, em um mundo interior. 

Costumo dizer que possuo uma alma, uma ética mineira. Morei quinze anos de minha vida em Minas Gerais. Principalmente cresci em Minas, de onde trouxe sentimentos diversos, uma espiritualidade, uma melancolia que tanto diverte, um mistério que a alguns encanta. A dor de amar é doce lembrança mineira, dos amores adolescentes, idealizados com garotas simples de cabelos soltos, olhares sonhadores, sorrisos sorrateiros. De quando havia a crença na perenidade da vida, das pessoas, das paixões. Minas é um estado geral da alma, uma eterna briga entre ora o ser maior do que o mundo, ora menor. O estado gauche da vida é uma condição da existência tranquila do sertão da alma mineira. Mas, hoje, ela é apenas um retrato na parede, mas como marca. Minas é isto: empurramos para trás, mas de repente ela volta a rodear-nos dos lados. A gerais é quando menos se espera. 

Caminhando pela pedregosa Rua 5, percebo a minha outra metade, o que faz a mente pulsar, o conhecimento ferver, movimentar e, em alguns casos, aprisionar os pensamentos em estruturas dominantes, principalmente acadêmicas. Araraquara me deu o método, o conhecimento, deu forma artística, o caminho da expressão. Subo a Avenida Espanha, me sento no meu lugar predileto da cidade ao final da tarde para beber um café, comer algo, escrever outras poucas coisas de tantos devaneios. 

Araraquara aterrou o meu ser, talvez por isso gosto de caminhar pelos seus caminhos centrais, não é possível se perder nas grades das suas ruas e avenidas. Também não sinto mais o cheiro de laranja nas minhas narinas tão fatigadas. Nos últimos dias, percebo o lado mineiro se sobressaindo no prosear com o outro, no prazer de ouvir histórias, em tomar cafés. 

Em uma tarde, Ademir criou coragem, me perguntou em que eu trabalhava nos diversos finais de tarde em seu estabelecimento, ficou curioso em saber o que fazia sentado, introspectivo. Sempre que me servia o café, era formal, educado, marca da sua descendência japonesa. Quando respondi que estava terminando o meu livro de relatos de viagem, ele ficou contente, feliz, creio que pela descoberta, me ofereceu um café, bebi, agradeci, passamos a conversar com mais frequência. O café e o Ademir me lembraram que preciso ser mais mineiro.