‘Querida Wendy’: Um Filme Sobre Armas e Falo

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A maioria dos grandes artistas tende a ser egoístas, trabalham sozinhos e não dividem a fama ou o reconhecimento. No entanto, artistas excepcionais conseguem colaborar uns com os outros, como é o caso dos cineastas franceses François Truffaut (1932-1984) e Jean-Luc Godard (1930-), que trabalharam juntos na produção marco da Nouvelle vague francesa “Acossado” (À bout de souffle, 1960), tendo o primeiro como roteirista e o segundo como diretor. Outra parceria de outros excepcionais cineastas ocorreu na produção do filme “Querida Wendy” (Dear Wendy, Dinamarca, 2005), que possui o roteiro de Lars von Trier (1956-) e a direção de Thomas Vinterberg (1969-). 

“Querida Wendy” narra a história do jovem Dick, interpretado por Jamie Bell (1986-), que ficou famoso ao interpretar Billy Elliot; e um grupo de adolescente que mora em uma cidade fictícia do interior dos Estados Unidos. Eles formam um grupo “pacifista” de adoradores de armas. Cada membro do grupo possui a sua arma, nomeando-a e dedicando rituais a elas. A arma de Dick se chama “Wendy”, as da personagem Susan recebem a alcunha de Lee e Grant; já a de Freddie é nomeada de Badsteel (Mau aço), e a de Huey recebe o nome de Lyndon, em alusão ao filme de Stanley Kubrick. Os membros do grupo são chamados de “Dandis” e possuem a regra de “nunca sacarem as suas armas”, pois elas seriam apenas “amuletos”, que dão confiança e autocontrole. 

A narrativa do filme possui uma característica epistolar, há um narrador em off que está escrevendo uma carta para a sua querida arma, por isto o título “Querida Wendy” ser uma saudação, algo típico do gênero textual, havendo a interlocução entre o remetente (Dick) e o destinatário (Wendy). O que vemos materializadas em grande parte do filme são as palavras de Dick em sua carta, o que cria dois tempos: o passado da história, pois o narrador relembra como conheceu a sua querida, e o presente da escrita, ambos os tempos acabam se entrelaçando ao final do filme com a despedida e, consequentemente, o fim da carta, restando apenas o tempo presente e o desfecho em tiroteio da história. 

O cineasta Lars von Trier é um eximio analista e crítico da sociedade estadunidense. No seu filme “Dançando no escuro” (Dancer in the Dark, 2000), ele faz uma crítica ao “sonho americano” do imigrante em contraste com os valores e práticas dos estadunidenses, destacando as suas contradições de pensamento, o que também é feito nos filmes “Dogville” (2003) e “Manderlay” (2005). Já no roteiro de “Querida Wendy” Lars trabalha com o tema do fascínio pelas armas da sociedade estadunidense, tentando compreender de onde surge a “necessidade” e o discurso de justificação do uso de armas. 

Em “Querida Wendy”, os cineastas Lars von Trier e Thomas Vinterberg conseguem ir além do tema sociológico do uso de armas, trabalhando a questão pelo viés psicológico, já que armas são, neste contexto, elementos fálicos que dão poder e autoconfiança ao seu portador. O personagem principal é chamado de Dick, palavra que na língua inglesa é uma gíria para designar o pênis. Elementos fálicos são símbolos de poder, tais como o cetro que expõe o poder religioso e a espada que representa o poder social, em algumas grandes cidades há o obelisco. Na mitologia grega, os deuses possuem símbolos fálicos de poder, como Poseidon que tem o seu tridente. Na sociedade estadunidense e no filme a arma cumpre esta função simbólica. 

Outros filmes trabalham o fascínio da sociedade estadunidense por armas. Em “Tiros em Columbine” (Bowling for Columbine, EUA, 2002), o diretor estadunidense Michael Moore (1954-) faz um documentário tendo como ponto de partida o massacre que ocorreu na cidade de Columbine, em 1999, quando dois jovens estudantes entraram atirando em uma escola, matando alunos e professores e, em seguida, se suicidando. O diretor tenta relacionar o fascínio por armas com o alto índice de mortes e massacres similares ao de Columbine. Já o filme “Elefante” (Elephant, EUA, 2003), ganhador da Palma de Ouro de Cannes em 2003, recria o massacre de Columbine a partir de outros elementos ficcionais e de uma grande qualidade técnica, já que a história é contada a partir de vários pontos de vistas, criando uma narrativa polifônica e tecnicamente perfeita do diretor Gus Van Sant (1952-).

Em “Querida Wendy”, os dois maiores cineastas do movimento cinematográfico conhecido como Dogma 95 se uniram para fazer um excelente filme, com o roteiro e a obsessão de Lars von Trier em entender e criticar a sociedade estadunidense aliada à técnica e ao talento do diretor Thomas Vinterberg. No filme, os diretores partem do particular, analisando o fascínio pelas armas da sociedade estadunidense e caminham para o universal, ao trabalhar as armas como símbolos fálicos de poder, ritualizando o porte de armas, já que há cânticos, rituais e saudações para elas. No filme, mesmo que Dick caminhe sobre a mina e a praça da morte, nada temerá, pois ele tem a sua queria Wendy.

Fatih Akin e o Cinema Germânico-Turco Atual

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O cinema alemão possui dois grandes períodos: o primeiro representado pelo Expressionismo alemão, que floresceu durante as décadas de 1910 e 1920 com cineastas como Fritz Lang (1890-1976), Robert Wiene (1873-1938) e F. W. Murnau (1888-1931). Já o segundo ocorreu nas décadas de 1960 e 1970 com os diretores Wim Wenders (1945-), Werner Herzog (1942-) e Rainer Werner Fassbinder (1945-1982). O melhor cineasta alemão da atualidade se chama Fatih Akin, sendo de descendência turca, ele consegue fazer o que a sociedade alemã tem dificuldades: unir as culturas alemã e turca através de filmes como “Contra a parede” (2004) e “Do outro lado” (2008). 

Fatih Akin nasceu em Hamburgo, na Alemanha, em 1973. Seus pais são turcos que foram para a Alemanha junto com uma grande leva de imigrantes nas décadas de 1970 e 1980. Os grandes pólos de destino foram as cidades de Hamburgo, Mu
nique e Berlim, onde há o bairro turco de Kreuzberg. A sociedade alemã e a cultura turca, neste processo de contato, possuem certa dificuldade de diálogo e assimilação uma da outra, o que cria certa heterogeneidade cultural e conflitos, pois ambas as culturas dividem o mesmo espaço, mas não “se misturam”. O problema se agrava com as primeiras gerações de filhos dos imigrantes, que vivem entre as duas culturas: a materna, turca, e a do contexto, alemã.

Para os descendentes de imigrantes, a dificuldade é maior, há o peso da cultura materna e a riqueza da cultura alemã; há as tradições familiares e a liberdade social. Neste conflito, alguns poucos conseguem uma síntese das duas culturas, o que está acontecendo nas artes plásticas como se pode ver no principal centro artístico de Berlim, o Tacheles na Oranienburger Straßee e, principalmente, no cinema com o diretor Fatih Akin. Em seu cinema, há uma síntese da cultura alemã e turca, algo difícil de acontecer no âmbito social. 

No seu primeiro longa metragem “Em julho” (In Juli, 2.000) Fatih Akin já coloca em diálogo a cultura turca e alemã, o que também ocorre com o seu principal e mais premiado filme “Contra a parede” (Gegen Die Wand, 2004). No filme, temos a história de Síbel, interpretada por Sibel Kekilli, que era atriz de filmes pornogrâficos e, atualmente, na série Game of trhones, e Cahit (Birol Ünel) que se conhecem no hospital após ambos tentarem se suicidar, a primeira cortando os pulsos erroneamente na horizontal e o segundo jogando-se contra a parede, ao som da música “I feel you” do Depeche Mode. Síbel propõe que se casem, pois, assim, ela teria “liberdade” para ter uma vida sem o peso da tradição e as restrições familiares. Acabam se casando, ela para se libertar, ele por compaixão. 

No início do filme e na passagem de diversas cenas, há uma banda turca com o Estreito de Bósforo ao fundo tocando uma música, que serve como prólogo para a ação de algumas cenas. O que se percebe na narrativa é que ambos estão perdidos, Cahit vive uma crise existencial, enquanto Síbel busca uma liberdade de conduta longe das tradições culturais turcas. Casando-se, ela consegue o que tanto almeja liberdade sexual, social, mas não espiritual, ou seja, tudo o que Cahit possui. Elementos da cultura pop, tais como bandas new wave e pós-punk Depeche Mode, Siouxsie and the Banshees, Soft Cell e Einstürzende Neubauten mesclam-se com outros da cultura alemã e turca no filme. 

No seu filme “Do outro lado” (Auf der Anderen Seite, 2008), Fatih Akin aprofunda a questão da identidade do imigrante turco, bem como a perda e a busca de identidade pelos filhos dos imigrantes já influenciados pelas duas culturas. O diferencial neste filme em relação à produção “Contra a parede” é que há mais núcleos de personagens como também pelo fato de parte da narrativa se passar na Alemanha e outra parte em Istambul, na Turquia. Na primeira, um idoso aposentado turco, que mora em Hamburgo, se relaciona com uma prostituta turca e a convida para morar em sua casa com o seu filho, que é doutor e professor de literatura alemã. Com a morte da prostituta, o filho decidi ir até Istambul atrás da filha dela, acaba encontrando-a em um contexto de manifestações sociais. 

Nos filmes de Fatih Akin, as personagens sempre vão para a Turquia em busca de algo: amor, paz e essência. Há o retorno, para a raiz. Mesmo tendo liberdade dentro da cultura alemã, o vazio existencial é algo predominante. Mas, o fato é que a cultura alemã e a turca possuem uma relação de difícil diálogo, o que gera uma segregação social e cultural, sendo quebrada, atualmente, apenas pela arte e pelo cinema de Fatih Akin, que consegue fazer uma síntese das duas culturas. Akin é o melhor cineasta alemão da atualidade e sente o mesmo peso do cineasta francês Tony Gatlif (1948-), produto de duas culturas, em seu caso a francesa e a argelina, como expresso no filme “Exílios” (Exils, 2003). No caso da sociedade alemã, a Arte está sempre na vanguarda, sendo o cinema de Fatih Akin o seu arauto.

Cinema, Música e Videoclipe

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Em termos históricos, a música enquanto arte possui uma longevidade maior do que o cinema. Enquanto a primeira sempre acompanhou a humanidade; o segundo possui pouco mais de cem anos. A relação da música pop com o cinema é prolífera e se destaca na produção de videoclipes, seja com bandas e cantores utilizando trechos de filmes de diretores consagrados, como é o caso das bandas Queen, The Smashing Pumpkins e Arcade Fire; ou mesmo cineastas como Sofia Coppola, Gus Van Sant e Michel Gondry que dirigiram videoclipes para as bandas The White Stripes, Red Hot Chilli Pepers e para a cantora Björk. 

A banda inglesa Queen, formada pelo vocalista Freddie Mercury (1946-1991), pelo guitarrista Brian May (1947-) e pelos músicos John Deacon (1951-) e Roger Taylor (1949-), é uma das principais bandas dentro do gênero hard rock nas décadas de 1970 e 80. Sua relação com o cinema se dá no videoclipe da música “Radio Ga Ga”, lançada no disco “The Works” de 1984, com reprodução de trechos do filme “Metrópolis” (1927) do cineasta germânico Fritz Lang (1890-1976), sendo um dos maiores expoentes do expressionismo alemão. 

Em 1995, a banda estadunidense The Smashing Pumpkins lança o videoclipe da música “Tonight, Tonight” do disco “Mellon Collie and the Infinite Sadness”, gravado por Billy Corgan (1967-), D'arcy Wretzky (1968-) e James Iha (1968-). A banda insere trechos e se inspira no filme “Viagem à lua” (Le Voyage dans la lune, 1902) do cineasta francês e um dos pais do cinema narrativo Georges Méliès (1861-1938) para produzir o videoclipe, que é dirigido pelo casal de cineastas Jonathan Dayton (1957-) e Valerie Faris (1958-), mais conhecidos por dirigirem o filme “Pequena Miss Sunshine” (Little Miss Sunshine, 2006). 

A banda canadense Arcade Fire, formada pelo casal Win Butler (1980-) e Régine Chassagne (1977-), utilizou cenas do filme “Orfeu negro” (Orphée Noir, 1959), dirigido pelo cineasta francês Marcel Camus (1912-1982) na música “Afterlife” do disco “Reflektor” (2013). A produção é baseada na peça “Orfeu da Conceição” (1954) de autoria de Vinícius de Morais (1913-1980) com a trilha sonora de Tom Jobim (1927-1994) e Luiz Bonfá (1922-2001), recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes. O filme revisita o mito de grego de Orfeu e Eurídice. As cenas utilizadas no videoclipe dialogam com a letra da música, pois há uma relação entre a letra com cenas do filme e uma alusão à música “We can work it out” dos Beatles, no trecho “Can we work it out?”. 

Um videoclipe muito interessante é o da música “I Just Don’t Know What to do with Myself”, do disco Elephant (2003) da banda estadunidense The White Stripes, que é composta por Jack White (1975-) na guitarra e Meg White (1974-) na bateria. Neste videoclipe, tem-se a direção da cineasta Sophia Coppola (1971-) e conta com a participação da modelo Kate Moss (1974-), que faz a interpretação da canção a partir de gestos corporais rítmicos e sensuais, que dialogam, ao mesmo tempo, com o ritmo e faz um contraponto com a letra. No entanto, o que impera é a beleza da imagem com o ritmo do movimento da modelo no pole dance, além do contraste de luz e sombra da fotografia. 

The White Stripes trabalhou com outros cineastas em seus clipes, como é o caso do francês Michel Gondry (1963-), que dirigiu videoclipes para Paul McCartney (Dance Tonight), Beck (Cell Phone's Dead), Björk (Human Behaviour), Radiohead (Knives Out), The Rolling Stones (Like A Rolling Stone), Daft Punk (Around the World) e Massive Attack (Protection). O cineasta francês ficou famoso por dirigir os filmes “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004) e “A Natureza Quase Humana” (Human Nature, 2001). 

O diretor estadunidense Gus Van Sant (1952-) dirigiu o videoclipe da música "Under the Bridge" do disco “Blood Sugar Sex Magik” (1991) da banda Red Hot Chili Peppers. Gus Van Sant se destacou com filmes como “Elephant” (2003), com o qual ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes e “Last Days” (2005) que mostra de forma ficcional os últimos dias do vocalista do Nirvana Kurt Kobain (1967-1994); como também “Paranoid Park” (2007) no qual o cineasta faz uma releitura do romance “Crime e Castigo” (1866) do escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881).
  
Tudo começou com os Beatles que não queriam se apresentar ao vivo no programa do apresentador estadunidense Ed Sullivan (1901-1974) e resolveram mandar um “vídeo promocional” com a performance de uma de suas canções para ser exibido no programa. Com isso, criaram o objetivo do videoclipe: o de promover o artista e o torná-lo onipresente em canais de comunicação. O videoclipe nasce dependente da música e passa a se relacionar com o cinema. Cineastas passam a dirigi-los e, até mesmo, serem influenciados por ele, como o caso do diretor Darren Aronofsky (1969-) no filme “Réquiem para um Sonho” (Requiem for a Dream, 2000), com cortes rápidos e planos curtos. Música, Cinema, Videoclipe; Cinema, Videoclipe, Música; Videoclipe, Música, Cinema.

Programação de Novembro da Sessão Zoom

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Exibição do filme “As Hiper Mulheres” e debate com o diretor Takumã Kuikuro

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Exibição do filme “As Hiper Mulheres” e debate com o diretor Takumã Kuikuro. No dia 31 de outubro, haverá um debate promovido pela Fundação Araporã com o cineasta Takumã Kuikuro, do antropólogo e professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp Edgar Teodoro da Cunha, além do crítico de cinema e autor do site “Travessa Cinematográfica” Breno Rodrigues. 

Local e horário:
O evento acontecerá na sala de múltiplo uso 1 do SESC – Araraquara, localizado na rua Castro Alves, 1315, às 14h30. 

Antes do debate será exibido o documentário “As Hiper Mulheres”, exibido em diversos festivais no Brasil e exterior e ganhador de diversos prêmios, incluindo o Kikito Especial do Júri do Festival de Gramado e o Prêmio Al Jazeera de Melhor Documentário. “As Hiper Mulheres”, uma produção conjunta do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do projeto Vídeo nas Aldeias foi dirigido pelos cineastas Takumã Kuikuro e Leonardo Sette e pelo antropólogo Carlos Fausto. 

A exibição do filme e o debate são uma realização da Fundação Araporã, com apoio do Núcleo de Antropologia da Imagem e Performance da Unesp, do site Travessa Cinematográfica e do SESC Araraquara. Sinopse do filme: Temendo a morte da esposa idosa, um velho pede que seu sobrinho realize o Jamurikumalu, o maior ritual feminino do Alto Xingu (MT), para que ela possa cantar uma última vez. As mulheres do grupo começam os ensaios enquanto a única cantora que de fato sabe todas as músicas se encontra gravemente doente. 

Ficha técnica: 
Produção executiva: Carlos Fausto, Vincent Carelli 
Produção: Vídeo nas Aldeias, Museu Nacional (UFRJ) 
Roteiro: Carlos Fausto, Leonardo Sette, Takumã Kuikuro 
Fotografia e som: Mahajugi Kuikuro, Munai Kuikuro, Takumã Kuikuro 
Elenco: Tugupé, Sandaki, Kamankgagu, Kanu, Ajahi, Aulá, Amanhatsi 
Prêmios: Festival de Gramado: 2011 –Kikito Especial do Júri e Kikito Melhor Montagem Festival de Brasília do Cinema Brasileiro: 2011 – Melhor som Festival de Curitiba: Melhor Filme Prêmio Olhar, Prêmio da Crítica (Abraccine), Prêmio do Público, Olhar de Cinema Hollywood Brazilian Film Festival: Melhor Documentário Latin American Film Festival: Prêmio Al Jazeera de Melhor Documentário 

Convidados: 
Takumã Kuikuro nasceu e foi educado pela família na Reserva Indígena do Xingu. Em 2002 começou a participar de oficinas de audiovisual e desde então co-produziu e co-dirigiu os curtas O Dia em que a Lua Menstruou (2004) e O Cheiro de Pequi (2006). Recebeu prêmios no Brasil e Canadá. É o produtor executivo do curta Porcos Raivosos. As Hiper Mulheres é seu primeiro longa. 

Edgar Teodoro da Cunha é professor do Departamento de Antropologia, Política e Filosofia da UNESP (Câmpus Araraquara). É mestre e doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo. Coordena o Núcleo de Antropologia da Imagem e Performance da Unesp. É co-atuor do livro “Antropologia e Imagem” (Zahar, 2006), co-organizador de “Escrituras da imagem” (Edusp, 2004), “Imagem-conhecimento” (Papirus, 2009) e dirigiu os documentários “Jean Rouch, subvertendo fronteiras” (2000), “Ritual da vida” (2005) e “Mbaraká, a palavra que age” (2011).

Breno Rodrigues de Paula é formado em Letras e mestre em Estudos literários pela UNESP de Araraquara-SP. Participou do projeto Cine Campus e organizou diversas mostras e ciclos de Cinema. Ministrou palestras em faculdades e escolas e foi curador do Festival Internacional do Minuto. Possui uma coluna quinzenal sobre cinema no jornal Tribuna Impressa e dirigiu curta-metragens, documentários e programas de entrevistas com cineastas. É membro da Sessão Zoom.

Trailer do filme:

Stanley Kubrick

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Treze, com apenas treze filmes o diretor estadunidense Stanley Kubrick (1928-1999) conseguiu se destacar na história do Cinema como um dos maiores cineastas de todos os tempos, ao lado de nomes como: Sergei Eisenstein (1898-1948), Fritz Lang (1890-1976), Federico Fellini (1920-1993), Ingmar Bergman (1918-2007), Jean-Luc Godard (1930-) e Wim Wenders (1945-). Kubrick será o grande homenageado na 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo deste ano, terá também uma exposição no MIS (Museu da Imagem e do Som ) de São Paulo. 

Stanley Kubrick é um diretor de cinema único, singular; fez apenas treze filmes ao longo de quarenta e seis anos de carreira, de 1953, data do lançamento da sua primeira produção “Medo e Desejo” até o seu último filme “De Olhos Bem Fechados”, lançado no ano de sua morte, 1999. O interessante que cada filme é único dentro da filmografia do diretor, pois ele foi um dos poucos diretores da história do cinema a conseguir realizar obras a partir de diversos gêneros cinematográficos, passando pelo thriller, ficção científica, drama, guerra, drama histórico, comédia, terror, sendo, ainda, um grande “tradutor” de obras literárias para o cinema. 

Na década de 1950, Kubrick faz a sua estréia na direção com “Medo e Desejo” (Fear and Desire), em 1953. O filme narra a história de soldados que tentam sobreviver atrás das linhas inimigas. O diretor sempre renegou e chegou a recolheu a cópia do filme, ficando fora de catálogo por muito tempo. Em 1955, Kubrick lança “A Morte Passou por Perto” (Killer's Kiss), sendo responsável ainda pela produção, montagem e fotografia. O filme é um thriller com uma trama centrada na relação do boxeador Davey Gordon com a dançarina Glória, que é namorada de um criminoso. A trama se desenvolve a partir do conflito amoroso e de poder. 

No seu terceiro filme, lançado em 1956, Kubrick começa a desenvolver o seu estilo e a apresentar sua genialidade. “O Grande Golpe” (The Killing) pode ser caracterizado como um filme noir, narrando a tentativa de um grupo de bandidos de roubar um hipódromo. O destaque do filme é roteiro com o uso de uma cronologia não linear e o fato da história ser mostrada a partir de vários pontos de vistas, forma que inspirou inclusive Quentin Tarantino (1963-) na produção “Pulp Fiction: tempos de violência” (Pulp Fiction, EUA, 1994). O quarto, e último filme da década de 1950, é “Glória Feita de Sangue” (Paths of Glory, 1957). Novamente, o diretor trabalha o drama em um contexto de guerra, neste caso da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), sendo lembrando por ser uma obra pacifista e pela atuação de Kirk Douglas (1916-). 

Na década de 1960, Kubrick tem o seu ápice criativo e a consolidação do seu prestígio. Com “Spartacus” (1960) o diretor abre a sequência de cinco filmes, que serão o ápice de sua criatividade. Nele há a famosa cena da revolta dos escravos e a fala em coro: “Eu sou Espártaco” (I’m Spartacus). Em 1962, Kubrick adapta “Lolita”, o romance homônimo do escritor Vladimir Nabokov (1899-1977), que é o responsável pelo roteiro. Há a participação do ator Peter Sellers (1925-1980), que será o grande destaque do filme “Dr. Fantástico” (Dr. Strangeloveor: How I Learnedto Stop Worryingand Love theBomb, 1964), sendo uma paródia da tensa relação entre Estados Unidos e União Soviética no contexto da Guerra Fria e da iminente guerra nuclear no período. O último filme da década influenciou não apenas David Bowie, mas também os adeptos da teoria da conspiração, pois “2001: Odisséia no Espaço” (2001: A Space Odyssey, 1968) é um filme de ficção científica que trata do tema da exploração espacial. 

A década de 1970 possui um filme, a grande obra prima, que poderia se encaixar nas produções da década anterior. “Laranja Mecânica” (A Clockwork Orange, 1971) é um dos dois filmes produzidos na década, o outro é “Barry Lyndon” (1975). O primeiro é uma obra distópica futurista enquanto o segundo é um drama histórico. Kubrick trabalha os anos 70 olhando para o futuro e para o passado. A década de 1980 inicia-se com a produção “O Iluminado” (The Shining), baseada no livro homônimo do escritor Stephen King (1947-), que disse não gostar da adaptação, contrariando a opinião de Joey Tribbiani. Sete anos depois, em 1987, o diretor filma “Nascido para Matar” (Full Metal Jacket), que narra o treinamento e a incursão de soldados estadunidenses na Guerra do Vietnã. Do penúltimo ao último filme de Kubrick há uma pausa de doze anos. “De Olhos bem Fechados” (Eyes Wide Shut, 1999). No seu último filme o diretor trabalha as relações pessoais a partir da óptica de um casal, que vive um vazio existencial da sociedade burguesa. 

São treze filmes. Uma filmografia curta em termos de quantidade, mas excelente em qualidade. A exposição, que ocorre no MIS (Museu da Imagem e Som) de São Paulo desde o dia 11 de outubro, reúne objetos de cena e figurinos de filmes de Stanley Kubrick. Ela é organizada pelo Museu Alemão do Cinema (DeutschesFilmmuseum), pela viúva do cineasta, Christiane Kubrick, e pelo Arquivo Stanley Kubrick da Universidade de Artes de Londres. No dia 18 de outubro, a 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo faz uma retrospectiva de todos os filmes do diretor. Outubro é o mês do brumário e de Kubrick.

Sessão Zoom exibe "Cairo 678"

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Abbey Road: o último e o penúltimo disco dos Beatles

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Muito se escreveu, e tem-se escrito, sobre os Beatles. A banda inglesa revolucionou a Música Serial Pop, elevando-a a um patamar artístico dentro da musica pop mundial. A sua discografia representa todo um percurso de ascensão criativa, desde o primeiro álbum de estúdio Please, Please Me (U.K., 1962), passando por álbuns como Help (U.K., 1964); Revolver (U.K., 1966); Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (U.K., 1967); White Album (U.K., 1968) e, o seu último álbum de estúdio, Abbey Road (U.K., 1969), que a consolidou como a principal banda de rock da segunda metade do século XX. 

O Álbum Branco havia sido lançado em 30 de novembro de 1968, podendo ser considerado como parte do grupo de obras em termos artísticos mais elevadas já criadas ao lado da “Capela Sistina”, da “Nona Sinfonia”, de “Os Irmãos Karamazov”, de ‘O Sétimo Selo”, da “Balada do Mar Salgado”. Nele, os Beatles conseguiram atingir o seu ápice criativo. No início de 1969, John, Paul, George e Ringo se reuniram para gravar um novo e audacioso projeto, que se mostrou conturbado e caótico, sem falar de traumático. Queriam um álbum mais sintético e puro, sem o avant-gard de Sgt. Pepper ou de White Album, executaram Let It Be, que posteriormente resultou em um filme e em um álbum homônimo lançado em 1970. Após abandonar este projeto, o Fab Four entra novamente no estúdio Abbey Road, em Londres, para gravar o seu último álbum de estúdio, intitulado Abbey Road

Abbey Road é o disco mais popular e o mais vendido de todos os outros treze da discografia oficial dos Beatles. São, ao todo, dezessete músicas, se bem que na contra capa aparecem apenas o nome de dezesseis; Paul havia “escondido” uma faixa surpresa “Her Majesty” no Lado B. A álbum possui uma estrutura interessante, dual, mas sintética. O Lado A, com as suas seis faixas, estaria relacionado com a proposta das músicas do White Album-, músicas mais “rockeiras”. O Lado B, com a exceção de “Here Comes The Sun”, pode ser considerado a primeira tentativa de se compor uma “Ópera Rock”. Todas as nove canções se encaixam em uma estrutura coesa, começando com a sombria “Because”, indo até o término com a frenética e depois calma “The End”, terminando como se fosse uma voyage, no sentido baudelairiano do termo; mas depois da pausa, tem-se o presente para ela. Alguns anos depois os Sexs Pistols fariam uma canção afirmando o contrário. 

Se utilizássemos a teoria do crítico estadunidense Harold Bloom sobre a “Angústia da influência”, diríamos que os Beatles se encontram no centro do cânone da música pop serial. Basta vermos o impacto que as composições e os álbuns causam nos procedentes. “Come Together” é a faixa que abre o álbum, com um dos riffs e um dos refrões mais populares de todos os tempos: “Come together / right now / over me”. O vocal de John é “arrastado”, a sua prosódia está em um meio termo entre o falado e o cantado-, modelo este que seria a base do Rap. 

A segunda composição “Something” é a segunda música mais regravada do Beatles, perdendo apenas para “Yesterday”. Contrariando Frank Sinatra, que dizia ser “Something” a sua composição predileta da dupla Lennon-McCartney. A autoria é de George Harrison, que a compôs em homenagem a sua esposa Pattie Boyd, que ainda ganharia “Layla” de Eric Clapton. Além da letra e da melodia, tem-se o espetacular baixo de Paul, o que resultou em uma das mais famosas lendas sobre os Beatles: a de que Paul queria “sacanear” o George, criando uma composição para baixo fenomenal.

A faixa seguinte é uma típica composição Lennon-McCartney “Maxwell’s Silver Hammer”, um rock experimental com as marteladas de Mal Evans-, o que contrasta com faixa seguinte “Oh! Darling”: uma típica composição, chorosa, de Paul, com uma levada que caminha entre o vocal de Blues e de Soul. Em seguida, há a “faixa Ringo” de cada álbum: “Octopus Garden”-, uma boa composição do baterista. O Lado A termina com a pesada “I Want You (She’s so Heavy)”; uma verdadeira precursora do Hard Rock e do Heavy Metal. Uma típica canção Lennon, que se assemelhando às outras como “Yer Blues”; “Happiness Is A Harm Gun”; “Tomorow Never Knows”. A melodia é lenta, com destaque para os solos de guitarra de George e para a bateria de Ringo, que dão um tom pesado (heavy) para a música. A faixa é uma composição pesada e sombria. 

Here Comes The Sun” abre o Lado B, sendo outra famosa composição de George Harrison, que se mostra um excelente compositor. Em seguida, têm-se quase dezessete minutos ininterruptos de música, todas as outras nove composições se encaixam como se fossem uma única faixa. Começa-se com “Because”, com um vocal de John, passando por “You Never Give Me Your Money”, cantada apor Paul; por “Sun King”, com trechos em vários idiomas; “Mean Mr. Mustard” e “Polytheme Pam”, tendo um crescendo com “She Came In Trhough The Bathroom Window”-, chegando à calma “Golden Slumber” (inspirada em uma música de acalanto), que se segue por “Carry That Weight” e termina com “The End”, neste ponto tem-se o melhor solo de bateria jamais tocado por Ringo. 

O fim da opereta é anunciado, o álbum é lançado-, os quatro atravessam as faixas da rua Abbey Road. Há a teoria da conspiração: “Paul is Dead”, seus olhos estão fechados-, está descalço. Deixando de lado a teoria de lado, o A e o B são ambos diferentes; mas com uma grande qualidade a sua maneira; o que originou um álbum sintético, com características de todos os álbuns anteriores concebidos pelo Fab Four. O disco começa com “Come Together”; “The End” não é niilista como a de Morrison. Ouçam o disco em estéreo ou mono (se possível em um conjunto Marantz), acabou o Lado A-, a agulha subiu após “I Want You (She’s so Heavy)”, levante-se e vire-o: “Here Comes The Sun”.

Occupy Love: Um Documentário Sobre Ocupações

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O distanciamento para a análise do processo histórico é fundamental para a maior compreensão dos fatos, movimentos e contradições sociais. As manifestações sociais, que eclodiram nos últimos três anos no Oriente Médio, Egito, Turquia, na Espanha; e o Occupy Wall Street, além das que ocorreram no Brasil em junho de 2013, foram uma reação contra as contradições da sociedade capitalista e o vazio da vida pós-moderna. O documentário Occupy Love (EUA, 2012), do diretor canadense Velcrow Ripper (1963-), mostra as motivações de grandes movimentos sociais e suas manifestações em diversos países, tentando compreender o que as estimulou, destacando que pequenas revoltas geraram grandes manifestações e diversas ocupações, tentando achar “histórias de amor”. 

O documentário mostra as revoltas no Oriente Médio que ficaram conhecidas como “Primavera árabe”, em 2010, focando nas que ocorreram no Egito com a tentativa de depor o ditador Hosni Mubarak. A gênese das manifestações na região ocorreu quando o tunisiano, Mohamed Bouazizi, ateou fogo ao próprio corpo como forma de manifestação contra as suas condições sociais. A faísca foi centelha de revolta que se espalhou e chegou à Praça Tahrir na capital do Egito, Cairo. A praça foi ocupada pela população como uma forma de manifestação contra o regime autoritário. Logo, a praça virou um símbolo da luta e resistência. Em pouco tempo, as manifestações se espalharam para outros países como Líbia, Sudão, Iêmen, Argélia, Jordânia. 

Em seguida, as manifestações chegaram à Europa, principalmente em países que mais sofreram devido à crise do sistema capitalista, tais como Grécia e Espanha. As manifestações na Europa ficaram conhecidas como “Verão europeu”, ganhando destaque nas duas principais cidades espanholas: a capital Madrid e Barcelona. O movimento espanhol foi denominado de “15 de maio” e ocupou a principal praça de Madrid conhecida como “Porta do Sol” e, assim como a Praça Tarir, foi o centro das manifestações, protestos e das principais discussões acerca da situação social dos espanhóis. O documentário mostra manifestantes e as suas táticas, como as do Teatro do oprimido, as assembleias populares e a ocupação da praça. As imagens da ocupação se mesclam com depoimentos dos manifestantes. 

No outono, as manifestações chegaram aos Estados Unidos e ganhou força com o movimento Occupy Wall Street, com a ocupação do Zuccotti Park no distrito financeiro de Manhattan, na cidade de Nova York. Os manifestantes ocuparam a praça como uma forma de protestar contra as contradições econômicas do sistema capitalista e os imperativos da ideologia neoliberal de controle das políticas do estado, que beneficia apenas as grandes corporações, por isso o famoso slogan “We are the 99%” ("Nós somos os 99%") que alude ao fato de apenas 1% da população controlar 40% das riquezas, destacando, assim, a grande desigualdade social. O documentário mostra os dias de ocupação que se inciaram no outono e a sua duração durante o rigoroso inverno, tentando compreender as motivações, não só sociais, mas também afetivas que fizeram com que indivíduos ocupassem uma praça e criassem uma zona autônoma temporária (TAZ). 

Além das imagens e depoimentos de manifestantes que participaram dos principais movimentos e ocupações ao redor do mundo, Occupy Love destaca ainda outras manifestações periféricas sobre mudança climática, como as que ocorreram no Canadá contra a exploração e a degradação das areias betuminosas, no qual a devastação de um enorme área causa um imenso impacto ambiental. Há a imagem de manifestante, principalmente indígenas, lutando contra a devastação. O discurso contra a destruição da natureza e as mudanças climáticas ganha ainda destaque com imagens sobre uma convenção de ambientalistas ocorrida na cidade de La Paz, Bolívia. 

O documentário Occupy Love foi lançado no final de 2012 e, portanto, não trata das manifestações que ocorreram no Brasil em junho de 2013. No entanto, ele mostra como elas ocorreram em outros países, o que se pode aproximar com o contexto brasileiro. O cenário de insatisfação, apatia, subitamente foi substituído por grandes manifestações sociais, expondo as revoltas contra as contradições sociais. Assim como na Tunísia, as manifestações no Brasil ocorreram por uma pequena fagulha de revolta, com o aumento dos R$0,20 na tarifa de ônibus na cidade de São Paulo até transformarem em grandes manifestações em todo território nacional. 

Em Occupy Love, Velcrow Ripper tenta mostrar as motivações de grandes movimentos no Cairo, Tunísia, Nova Iorque, Canadá, tentando achar histórias de amor em meio às manifestações. Mas, a resposta vem com a tatuagem de um manifestante canadense indígena: “O amor é o movimento”. No caso a motivação e o combustível dos manifestantes. Pois, como diz o criador da somaterapia Roberto Freire: “sem tesão e amor não há solução, tesudos de todo o mundo uni-vos”. Para Ripper, pequenas revoltas geram grandes manifestações, destacando termos como ação direta, assembleias populares, horizontalismo, compartilhamento e colaborativo. Nota-se que as ocupações vem depois das manifestações, sendo uma forma de manifestação que cria uma TAZ (Zona Autônoma Temporária), com novos modelos de organização e que afronta, mesmo que simbolicamente e temporariamente, os modelos de relações da sociedade capitalista.

Trailer


Legenda do filme Occupy Love: http://www.4shared.com/file/aZVKy2GDce/Occupy_love.html


Sessão Zoom exibe "Um Evento Feliz"

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Occupy Love

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Trailer do documentário:


Legenda do filme Occupy Love: http://www.4shared.com/file/aZVKy2GDce/Occupy_love.html


Sessão Zoom: Exibição do filme Elena

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‘Memórias da EFA’: sob memórias e sobre a linha do trem

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Na década de 1920, o cineasta soviético Dziga Vertov (1896-1954) lançou o documentário “Um Homem com uma Câmera” (Tchelovek s kinoapparatom, 1929, U.R.S.S), no qual a câmera é uma forma de olhar (ou mesmo o próprio olho) para a sociedade com as suas constantes e rápidas evoluções. Em umas da sequências mais marcantes há a câmera-olho filmando a passagem de um trem, simbolizando a rapidez dos tempos modernos e a própria modernidade. Por seu turno, o documentário “Memórias da EFA” (2013), dirigido pelo araraquarense Marcelo Machado (1958-), trabalha com a temática da memória relacionada à Estrada de Ferro de Araraquara (EFA) e o seu impacto sobre prédios e pessoas.

Memórias da EFA” é um documentário que se propõe a trabalhar com o tema do espólio, das heranças e das memórias das estradas de ferro no interior do estado de São Paulo, em específico, a linha que pertencia à companhia ferroviária Estrada de Ferro de Araraquara. Para construir uma narrativa, que auxilie na construção do tema, o documentário mostra uma família percorrendo de carro o trecho da estrada de ferro de Araraquara até a cidade de Santa Fé do Sul, nas barrancas do rio Paraná. Assim, Eleonora Ducerisier (34 anos, mãe e grávida) e seus dois filhos: a carismática Nix Montenegro (10 anos) e Pã Montenegro (15 anos), além de Dan Baldassari (24 anos) compõem e fazem a intermediação entre narrativa e documentário; presente e passado, ou seja, entre a memória e a constatação.

Durante o percurso, encontram estações, prédios, linhas, pessoas. A linha não é homogênea, em alguns pontos, as estações cumprem novas funções, em outros são apenas ruínas. Em cada parada, há uma tentativa de interação e resgate da memória por parte de Eleonora e de sua família, buscando compreender o passado, seja com as ruínas do presente e/ou o perene da memória das pessoas encontradas pelo caminho. Em Matão, a estação está abandonada; em outras cidades, ela virou antiquário, secretária de cultura, órgãos burocráticos do governo municipal, bar, ou mesmo, moradia de pessoas. 

A ideia do documentário ‘Memórias da EFA’, segundo o próprio diretor, surgiu após a conclusão do seu documentário ‘Apito do trem’ (2009), que tem como eixo temático a pretensa retirada dos trilhos do trem da região central de Araraquara. As obras de retirada fariam parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), um programa lançado pelo então presidente Lula, em 2008. As obras em Araraquara cumpririam uma função histórica e reorganizariam a dinâmica urbana da cidade, separada urbanisticamente entre dois grandes bolsões representados pela região da Vila Xavier e pela região central, deixando, assim, uma área gigantesca no centro da cidade. O espaço deixado pela retirada dos trilhos pode ser, o mais provável, ainda refém da especulação imobiliária, ou de um novo projeto urbanístico para a cidade, que atenderia as demandas da população. 

A estrutura do documentário ‘Memórias da EFA’ é simples, linear e de fácil assimilação. O grande destaque é a viagem de Eleonora e de sua família, juntamente com as paisagens, as ruínas, os lugares e as pessoas. O aspecto pedagógico do tema relacionando à importância histórica e à atual das estradas de ferro, que poderia ser mais explorado, acaba ficando em segundo plano. O filme é feito com duas unidades de câmera, distintas na operação e no estilo entre si: uma é pretensamente narrativa, a outra é poética, buscando planos, ângulos e jogos de luzes mais expressivos, operada por Guilherme Bonini. Outro aspecto interessante é a sonoplastia que contextualiza e dá ritmo ao roteiro e à montagem. 

O tema da memória está presente ao longo de todo o documentário. Há a memória histórica e a memória afetiva. A primeira está presente na memória física expressa pela estrada de ferro com os seus trilhos, com as construções, ora em ruínas e/ou abandonadas e nos poucos resquícios que sobraram da reutilização das estações, seja em azulejos ou pisos, ou ainda no logo da EFA em alguma estação. Já a segunda, é a memória narrada e revivida por pessoas que fizeram parte indiretamente ou diretamente da EFA: um antigo trabalhador, um passageiro assíduo, que expõem as suas saudosas lembranças de labor, de amor, etc. Em ambos os casos, como escreve a poeta mineira Adélia Prado, “aquilo o que a memória amou fica eterno”, nas memórias. 

Uma das primeiras exibições públicas de um filme ocorreu em 1895, em Paris, com a exibição de “Chegada de um Trem à Estação da Ciotat” (L'Arrivée d'un train en gare de la Ciotat) dos Irmãos Lumière, no qual há a chegada de um trem à estação. Em “Memórias da EFA”, ao fim da viagem, depois de histórias e memórias contadas por escombros, por construções, pela estrada de ferro e por pessoas; tudo o que Nix quer é banhar-se no rio, estaria ela buscando a terceira margem, ou simplesmente banhando-se. No documentário há a memória física e afetiva, há novas funções para trilhos, que transportam cargas e não mais pessoas; estações reaproveitadas ou mesmo abandonadas. Complementando Adélia Prado, o que a Arte representou fica, sim, eterno.