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Acossado: o filme pós-moderno de Jean-Luc Godard

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Em 1973, os cineastas mais representativos da Nouvelle Vague francesa, Jean-
Luc Godard e François Truffaut romperam relações de amizade e profissionais. Godard havia escrito uma carta criticando a apatia do filme de Truffaut “A Noite Americana” (La nuit americaine, França, 1973), um filme que trata do cotidiano do set de filmagens de forma romanesca e, segundo Godard, alienante. Era o fim de uma amizade surgida nas cadeiras da cinemateca francesa, no final da década de 40; consolidada nas fileiras da revista de critica cinematográfica Cahiers du cinéma, na década de 50; e elevada ao ápice na parceria de realização do revolucionário filme “Acossado” (À bout de souffle, França, 1960). Um filme inovador, cheio de diálogos com toda uma linha evolutiva da história do cinema, com intertextualidades e, acima de tudo, com a desconstrução do discurso cinematográfico.

Para efeito de marco cronológico, a Nouvelle Vague surge em 1959 no Festival de Cannes com a premiação da Palma de Ouro para o filme “Os Incompreendidos”, de François Truffaut. Mas é em 1960 que ela se consolida e se configura com uma estética revolucionária com a realização de “Acossado”, de Jean-Luc Godard. A própria trajetória de Godard e Truffaut resume o que foi a estética cinematográfica da Nouvelle Vague francesa. A “nova onda” surgiu a partir de jovens cineastas franceses que tinham uma formação cinéfila e crítica adquiridas na cinemateca francesa e nas páginas da Cahiers du Cinéma. Eles passaram de uma atividade crítica para uma práxis cinematográfica a partir de uma nova forma de produzir filmes e de conceber a linguagem cinematográfica.

Muito tem-se discutido se a Nouvelle Vague é uma estética cinematográfica ou não, em stricto senso. Uma estética surge no momento em que ela ganha significação social a partir de um conjunto de normas e conceitos sobre a relação da Arte cinematográfica com a sociedade em um contexto histórico definido. Neste caso a Nouvelle Vague seria sim uma estética cinematográfica no sentido latto senso. Pois ela surge em um contexto histórico definido, tendo um conjunto de adeptos com a mesma formação cinéfila e crítica. A discussão do ser ou não ser surge porquê há uma desconsonância de estilo, não de qualidade, entre os cineastas da Nouvelle Vague, de modo que os filmes de Truffaut em nada se parecem com os de Godard, que destoam dos de Alain Resnais e de Eric Rohmer. Os únicos pontos em comum entre estes cineastas são a formação cinéfila e crítica, além dos elementos de negação do modelo de produção de filmes vigente até o final da década de 50, como também uma nova postura frente à Arte cinematográfica, feita de forma autoral.

O filme de Godard “Acossado” foi realizado em parceria com Truffaut, que escreveu o roteiro. A história do filme é simples: um homem, chamado Michel Poiccard (Jean-Paul Belmondo), rouba um carro em Marseille. Na fuga em direção à Paris, Michel mata um policial. Chegando na cidade luz, tenta encontrar um amigo que lhe deve algum dinheiro. Neste meio tempo, tenta convencer a jovem estudante estadunidense Patrícia (Jean Seberg) a irem juntos para a Itália. Em meio às divagações em um quarto, a jovem entrega Michel a polícia, que o mata em uma rua de Paris. O interessante que “Acossado” exige uma postura diferente do espectador, visto que a história é simples, no entanto, o modo como é estruturada a narrativa é extremamente complexa: não há uma progressão dramática; a narrativa é fragmentária, com diálogos, aparentemente, desconexos-, mas cheios de elementos significantes.

Godard realiza um filme no qual os elementos significantes estão na forma, ou seja estão no modo de organização do discurso e na utilização dos elementos da linguagem cinematográfica. Há uma mudança, portanto, no eixo de significação: da história para o do discurso cinematográfico. Ele desconstrói o discurso cinematográfico ao quebrar convenções tais como: filmar contra a luz; utilizar uma montagem a partir de jump-cuts (corte abruto), de modo que há a quebra da linearidade da ação devido à montagem não naturalista; filma os diálogos dos atores estando de costas para a câmera; Godard opta ainda por uma constante movimentação de câmera, o que dá mais dinamismo às ações e mais efeito às imagens.

Outro aspecto interessante do filme é o seu diálogo com toda uma tradição cinematográfica feita através de forma direta ou indireta, ou até mesmo de paródia. Lembremos que Godard é, antes de tudo, um cinéfilo-, portanto, um grande conhecedor da história do cinema. Ele faz referências direta a diretores e a filmes, trazendo para “Acossado” elementos destes filmes, o que enriquece a obra e a torna uma obra típica da pós-modernidade, que, ao dialogar com outras obras, traz para o seu plano sincrônico elementos diacrônicos-, enriquecendo-a. Em um aspecto geral, pode-se dizer que “Acossado” é ainda uma paródia de filmes “policiais” da década de 40, com elementos dos filmes B ou também chamados de filmes noir.

Godard não se limita à desconstrução do discurso cinematográfico e ao diálogo com toda uma tradição, ele vai além-, insere elementos intertextuais ao longo do filme, principalmente com a literatura e a pintura. A narrativa é repleta de citações de obras literárias. Em uma cena, Patrícia pergunta o que Michel prefere: “A dor ou o nada?”, o rapaz diz escolher o nada. Godard faz nesta cena referência ao escritor estudunidense Willian Faukner. Um elemento marcante é a intertextualidade com a pintura, com o pintor Pierre-Auguste Renoir-, pai do diretor Jean Renoir, amado pelos cineastas da nouvelle vague. Uma cena curiosa ocorre quando Patrícia para ao lado de um quadro de Renoir e pergunta à Michel quem ele acha ser a mais bonita, ela ou a moça do quadro. Godard coloca lado-a-lado as duas imagens amplamente estudadas por André Bazin: a imagem feita pela pintura e a imagem cinematográfica.

Godard é mais singular de todos os cineastas da Nouvelle Vague. Enquanto Truffaut buscava um filme coeso, que possuísse elementos clássicos, mas, ao mesmo tempo, também modernos, inovadores-, Godard almejava uma experimentação constante da linguagem cinematográfica. Ele possuía extremo conhecimento da linha evolutiva do cinema e excepcional domínio dos elementos do discurso cinematográfico. Godard transformou o cinema em um meio de expressão artística, na qual a linguagem cinematográfica estaria consoante com a sociedade contemporânea e com o homem da segunda metade do século XX. A forma, para ele, defini uma visão de mundo, de modo que ela está de acordo com as ações das personagens. Godard exige um papel ativo do espectador ao desconstruir o discurso cinematográfico e ao utilizar-se da intertextualidade com a literatura e a pintura. Ao fazer isso, o cineasta cria uma obra que poderia ser classificada como pós-moderna, já que todos estes elementos e recursos enriquecem o filme, tornando-o uma obra mais complexa e, ao mesmo tempo, atemporal-, universal.


Ficha Técnica
Título Original: À Bout de Souffle
Direção: Jean-Luc Godard
Roteiro: Jean-Luc Godard, baseado em estória de François Truffaut
Gênero: Policial
Tempo de Duração: 86 minutos
Ano de Lançamento (França): 1959
Estúdio: Impéria / Société Nouvelle de Cinématographie / Les Films Georges de Beauregard
Distribuição: Impéria
Produção: Georges de Beauregard
Música: Martial Solal
Fotografia: Raoul Coutard
Desenho de Produção: Claude Chabrol
Edição: Cécile Decugis e Lila Herman

Elenco
Jean-Paul Belmondo (Michael Poiccard)
Jean Seberg (Patricia Franchisi)
Daniel Boulanger (Inspetor de polícia)
Jean-Pierre Melville (Parvulesco)
Henri-Jacques Huet (Antonio Berrutti)
Van Doude (Jornalista)
Claude Mansard (Claudius Mansard)
Jean-Luc Godard (Informante)
Richard Balducci (Tolmatchoff)
Roger Hanin (Cal Zombach)


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Os Incompreendidos: o filme marco da Nouevelle Vague de François Truffaut.

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François Truffaut é, ao lado de Jean-Luc Godard, o cineasta mais expressivo da Nouvelle Vague Francesa. O seu filme “Os Incompreendidos” (Les 400 Coups, França, 1959) é considerado o marco da estética cinematográfica francesa mais importante da segunda metade do século XX. O filme foi lançado no Festival de Cannes de 1959, tendo recebido o prêmio máximo: a Palma de Ouro. Este prêmio, representou o estabelecimento da Nouvelle Vague como uma corrente estética, abrindo as portas para uma grande quantidade de jovens cineastas e também críticos ligados à famosa revista de crítica cinematográfica Cahiers du Cinéma, tais como Jean-Luc Godard, Alain Resnais, Eric Rohmer, Claude Chabrol.

A Nouvelle Vague francesa representou uma nova forma revolucionária de fazer e de conceber o cinema, seja nos aspectos formais quanto conteudísticos. Seus adeptos eram todos cinéfilos e críticos, cineastas com um excelente conhecimento da história do cinema-, bem como dos elementos da sua linguagem. Conheciam o ponto de ostracismo e inércia em que se encontrava o cinema representado pela indústria cinematográfica hollywoodiana e, principalmente, o cinema francês da década de 50-, cheio de clichês e grandes produções. Como cinéfilos, queriam o desenvolvimento da linguagem cinematográfica-, como críticos, vislumbravam uma nova forma de produzir filmes, mais simples e autoral.

Os cineastas da nouvelle vague acreditavam numa linha evolutiva do cinema e tinham total consciência dos elementos da linguagem cinematográfica. Salientavam que seus precursores eram cineastas como Jean Renoir (1894 - 1979), Orson Welles (1915 - 1985), Agnés Varda (1928), Roberto Rossellini (1906 - 1977), Alfred Hitchcook (1899 - 1980), Fritz Lang (1890 - 1976)-, todos cineastas que possuíam e desenvolveram um estilo próprio, que os caracterizavam e os diferenciavam dos demais-, através de uma maneira própria de utilizar o discurso cinematográfico. Estudando estes cineastas, François Truffaut publicou, em 1954, um importante artigo sobre a “política dos autores” (La politique des auteurs). A tese central do artigo afirmava que, mesmo sendo uma Arte coletiva, a obra cinematográfica poderia possuir um autor-, assim como a figura do escritor na obra literária. O autor da obra cinematográfica seria o diretor, pois ele que seleciona e condiciona todos os elementos da linguagem cinematográfica.

No que tange a formação cinéfila e a critica dos cineastas da nouvelle vague, a cinemateca francesa fundada por Henri Langlois, em 1936, e a revista de crítica cinematográfica Cahiers du Cinéma fundada por André Bazin, em 1951, são de extrema importância. Na cinemateca, os jovens cineastas puderam ter contato com os filmes mais representativos e com os cineastas mais importantes da história do cinema. Nela, tiveram e consolidaram toda a sua formação cinéfila. A cinemateca francesa foi ainda um dos pivôs que desencadearam as manifestações de Maio de 68, pois o seu fundador e curador Henri Langlois havia sido demitido-, o que originou manifestações públicas e de rua por parte dos freqüentadores e dos cineastas da nouvelle vague.

A revista Cahiers du cinéma foi o veículo de formação crítica dos cineastas. Ela foi fundada pelo crítico e estudioso André Bazin (1918 - 1958), que é considerado o “pai” da crítica cinematográfica. Ele desenvolveu um conjunto de conceitos e uma linguagem que caracterizava e formatava a então crítica nascente. Bazin é considerado o mentor teórico da nouvelle vague, todos os cineastas mais representativos, de François Truffaut a Jean-Luc Godard, passando por Eric Rohmer foram seus discípulos e colaboradores da revista, com artigos resenhas e estudos críticos. A revista foi o embrião dos conceitos e das idéias colocadas em prática nos filmes. Bazin morreu no primeiro dia de filmagem de “Os Incompreendidos”-, o filme é dedicado a ele.

No filme “Os Incompreendidos”, François Truffaut passou de uma atividade cinéfila e crítica para uma prática de realização cinematográfica. O filme narra a história de Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud), um jovem de treze anos que mora com a mãe e o padrasto num pequeno apartamento em Paris. Acompanhamos o dia-a-dia de Antoine no meio escolar e no meio familiar-, bem como o descompasso de ambos os meios em lidar com os anseios do garoto. Na escola, as relações com os professores e a didática de ensino ultrapassada não possibilitam o desenvolvimento pedagógico de Antoine que “mata aulas” com freqüência. Ele é um garoto inteligente, apreciador de Balzac-, o grande romancista francês. No ambiente familiar, Antoine não se encaixa na “moderna estrutura familiar”-, os pais trabalham o dia inteiro, não possuem tempo para educar o filho. Antoine foge de casa e é mandado para um internato de jovens infratores.

“Os Incompreendidos” é um filme que trata da adolescência, um período de latência e descompasso entre o adolescente e o seu meio, seja escolar quanto familiar. O filme é, em grande parte, autobiográfico. A figura e a história de Antoine se confundem com as da infância de Truffaut. Tanto que Jean-Pierre Léaud é o alterego de François Truffaut, que realizou ainda mais um curta-metragem “Antoine e Colette” (L`amour à vingt ans, França, 1962) e três longas-metragens “Beijos proibidos” (Baisers volés, França, 1968), “Domicílio conjugal” (Domicile conjugal, França, 1970) e “Amor em fuga” (L'amour en fuite, França, 1978), todos tendo Antoine Doinel como protagonista. Nestes filmes, podemos acompanhar o desenvolvimento de Doinel até os trinta anos. Tais filmes mostram a influência de Balzac, já que os personagens aparecem em mais de um romance.

Nos aspectos do conteúdo da narrativa cinematográfica, o filme possui inovações, pois não segue os ditames clássicos estruturados em exposição, intriga, clímax e desenlace. O filme é expositivo, expõe a existência de um jovem (Doinel)-, de forma que não há o protagonista clássico, categorizado em herói ou anti-herói. É deixado de lado a questão hermética de bem e de mal. Há apenas a exposição do comportamento juvenil e a exposição de caso-, expondo um momento da vida humana. O que impera é a ambigüidade das ações das personagens, o que não leva o espectador a criar um juízo de valor sobre tais ações. A dramatização e o efeito dramático está nas ações e, principalmente, no estado das personagens-, o que gera o sobressalto dos aspectos psicológicos delas.

No tangente a forma e a utilização do discurso cinematográfico, os preceitos da Nouvelle Vague são altamente revolucionários. Em “Os Incompreendidos”, alguns aspectos formais como o movimento de câmera e o plano-sequência são a base do discurso cinematográfico. Na teoria clássica e na escola formativa russa havia uma grande importância atribuída ao corte e à combinação atribuída entre os planos através da montagem. Na Nouvelle Vague, por seu turno, a montagem perde o papel de elemento significante central. Não há a fragmentação da ação em diferentes planos, toda ação possui uma duração e se desenvolve de forma seqüencial. Na nouvelle vague há a predileção pelo plano-sequência, o que gera, conseqüentemente, uma necessidade maior de utilização do movimento de câmera-, já que a objetiva deve acompanhar o movimento e as ações das personagens. Outra conseqüência é a ampliação do campo, o que gera o efeito de profundidade de campo, desenvolvido, inicialmente, por Orson Welles no seu filme “Cidadão Kane” (Citizen Kane, EUA, 1942), amplamente utilizado por Alfred Hitchcook e por todos os adeptos da nouvelle vague.

François Truffaut foi um assíduo freqüentador da cinemateca francesa e um dos principais membros da Cahiers du cinéma. Com este percurso e com esta formação, o grande cinéfilo e excelente crítico-, lançou-se à realização de filmes. Seu primeiro longa-metragem “Os Incompreendidos” é considerado o marco de inauguração da nouvelle vague como estética cinematográfica. Com o laureamento em Cannes, o filme abriu caminho para toda uma geração de jovens cineastas oriundos das cadeiras da cinemateca e das fileiras da Cahiers du cinéma.


Ficha Técnica
Título Original: Les Quatre Cents Coups
Direção: François Truffaut
Roteiro: François Truffaut e Marcel Moussy, baseado em estória de François Truffaut
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 99 minutos
Ano de Lançamento (França): 1959
Estúdio: Sédif Productions / Les Films du Carrosse
Distribuição: Cocinor
Produção: François Truffaut
Música: Jean Constantin
Fotografia: Henri Decaë
Direção de Arte: Bernard Evein
Edição: Marie-Josèphe Yoyotte

Elenco
Jean-Pierre Léaud (Antoine Doinel)
Claire Maurier (Gilberte Doinel)
Albert Rémy (Julien Doinel)
Guy Decomble (Petite Feuille)
Georges Flamant (Sr. Bigey)
Patrick Auffay (Rene)
Richard Kanayan (Abbou)
Yvonne Claudie (Madame Bigey)
Robert Beauvais (Diretor da escola)
Jacques Monod (Comissário)
Pierre Repp (Professor de inglês)
Henri Virlojeux (Vigilante noturno)
François Truffaut


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