Elas São As Melhores

0
Do cinema sueco originou-se um dos maiores cineastas de todos os tempos: Ingmar Bergman (1918-2007), o grande documentarista Peter Cohen (1946-) e Lukas Moodysson (1969-), um dos cineastas mais interessantes do recente século XXI. Moodysson é um dos maiores expoentes do cinema nórdico da atualidade com uma cinematografia independente que dialoga com um vasto campo de referência culturais, da música à literatura underground, à questões políticas e sociais com narrativas que remontam às décadas de 1970, 80 e 90, com filmes como “Bem-vindos” (2000), “Para Sempre Lilya” (2002), “Corações em Conflito” (2009) e “Nós Somos as Melhores!” (2014), fazendo um panorama da cultura sueca em todos os seus aspectos. 

Com o filme “Bem-vindosLukas Moodysson ganhou projeção internacional ao mostrar uma comunidade hippie na Suécia em 1975. Em uma casa, diversos indivíduos com ideais socialistas libertários tentam colocar em prática relações socialistas nos planos de convivência cotidiana, amorosa e interpessoal. Questões como a liberdade dos padrões burgueses é discutida de forma simples. Há a tentativa frustrada do poliamor, no qual os indivíduos, independente do sexo e da orientação sexual, podem ter múltiplos parceiros, o que se mostra como algo complicado. A casa é uma representação micro do universo macro da sociedade da época, polarizada entre o desejo interno de novos padrões de relações sociais contra os valores da sociedade burguesa. 

Na produção “Para Sempre Lilya” (Lilja 4-ever, 2002), Moodysson trabalha com temas mais profundos relacionados à prostituição infantil e ao suicídio. O filme narra a história de Lilya, uma jovem de 16 anos que se muda da periferia da antiga União Soviética para a Suécia, sendo obrigada a se prostituir, passa a presenciar e sentir o que de pior a essência humana possui, sendo transportado para o espectador com a recorrência da câmera subjetiva, mostrando o ponto de vista de Lilya. O objetivo do diretor é mostrar o que de podre há por trás da aparência de perfeição da moral da sociedade nórdica e, principalmente, sueca. Lilya é uma garota meiga, pura, que apenas quer ser feliz, seja brincando com as suas asas ou com o seu amigo Volodya. 

Com o filme “Corações em Conflito” (Mammoth, 2009) Moodysson faz a sua primeira produção com filmagens fora da Suécia, contando com atores de projeção internacional como o mexicano Gael García Bernal (1979-) e a atriz estadunidense Michelle Williams (1980-). No filme, eles são um casal com profissões bem sucedidas tendo como prioridade as suas respectivas carreiras. A família é uma representação micro da macro organização social, sendo ela o reflexo da sociedade. No entanto, a família não recebe atenção, os indivíduos trabalham para mantê-la, mas não desfrutam da companhia uns dos outros, o que acaba sendo contraditório. Mostrando, assim, a vida em família como ela, privada. 

No filme “Nós Somos as Melhores!” (Vi är bäst!, 2014) tem-se a história de três amigas: Bobo, Klara e Hedvig que querem montar uma banda punk. A história se passa em Estocolmo (capital da Suécia) em 1982, ano em que se propagava o fim do movimento punk com a frase “O punk está morto”. Para Klara e Bobo, de apenas doze anos, o punk não está morto. Para montar a banda, convidam Hedvig, apenas um ano mais velha e a única que possui formação musical. A trilha sonora é repleta de músicas de bandas punks suecas como a KSMB, Ebba Grön e Incest Brothers. Bandas que cantam em sueco, mas que se baseiam em bandas punks famosas como The Clash, Sex Pistols e Misfits

Bobo, Klara e Hedvig não se encaixam no padrão de comportamento escolar e, muito menos, social. Possuem atitude contestadora, tendo a difícil tarefa de construir as suas respectivas personalidades pela alteridade em relação ao outro, seja a partir da rejeição ou, no caso das três, da identificação mútua. O elemento de identificação e construção das personagens passa pela música, pelo estilo de se vestir e de comportamento. Klara possui moicano, Bobo cabelos curtos, estilo Johnny Rotten; e Hedvig acaba tendo os longos cabelos loiros cortados a um “estilo punk”. O cabelo, portanto, acaba sendo um elemento de identidade e diferenciador social.  

 Em “Nós Somos as Melhores!” Moodysson retoma temas comuns da sua cinematografia, tais como a infância, retratada a partir de uma perspectiva pessimista em “Para sempre Lilya”, mas colocada em uma perspectiva otimista; como também a própria cultura sueca, destacada pela música punk, que acaba sendo um dos principais pontos positivos do filme. Por fim, “Punk's Not Dead”, seja em 1982 quando se ouvia a música “Sex Noll Två” do KSMB, ou mesmo em 2014 com a banda Gogol Bordello com o seu estilo “Gipsy Punk”, que mescla música cigana do leste europeu, influências folclóricas eslavas e punk rock com performances teatrais envolvendo dança e arte de rua.

Trailer do filme "Nós Somos as Melhores"

Programação da Sessão Zoom de Dezembro

0

www.facebook.com/sessaozom

Outro Tijolo no Muro

0
Era 09 de novembro de 1989, às 23h29, quando na Rua Bornholmer, na região norte da cidade, cai o primeiro bloqueio de uma série de pontos de controle ao longo do Muro de 156 quilômetros que dividia Berlim fisicamente desde 1961. Outros tijolos começaram a cair, seja no principal ponto de controle das duas "Alemanhas", como o Checkpoint Charlie, na rua Friedrichstraße, ou mesmo sobre a Praça Potsdamer Platz, ou ainda defronte ao Portão de Brandemburgo. Por toda a cidade, um símbolo começava a ruir. No cinema e na música, a cidade, o seu muro, a vida de seus habitantes, o seu céu foram elementos que inspiraram artistas como os músicos Lou Reed e David Bowie, os cineastas R.W. Fassbinder, Wim Wenders e Wolfgang Becker

Um muro separa dois extremos, todavia dois espaços intimamente próximos, de modo que o maior símbolo do antagonismo não está na extensão ou na largura do muro, mas, sim, na sua altura. Na era dos extremos, que caracterizou “o breve século XX”, o final da II Guerra Mundial (1939-1945) trouxe consequências políticas para a então derrotada Alemanha, que teve o seu território dividido entre zonas de ocupação e influência pelos países aliados (EUA, França e Grã-Bretanha) e pela União Soviética (URSS). Não apenas o território alemão foi dividido, como também a própria capital Berlim, que ficava na zona soviética, foi dividida, sendo o símbolo máximo da divisão o “Muro de Berlim”, construído no dia 13 de agosto de 1961. 

Cidades são aglomerações recentes, datadas há cerca de doze mil anos. Logo com o seu surgimento, houve a necessidade de murá-las, fortificá-las contra o ataque de outras cidades inimigas. A própria Berlim já era murada nos séculos XVII e XVIII, tendo o local do Portão de Brandemburgo como entrada e saída da fortificação desde o período do sacro império germânico e dos reis prussianos. A cidade se expande, seus muros caem. No entanto, com o fim da II Segunda Guerra Mundial, e o início da Guerra Fria (1945-1991), outros tijolos erguem outro muro sobre Berlim, separando-a não apenas fisicamente, mas politicamente, socialmente e culturalmente, sendo polarizada entre a visão capitalista de uma lado (RFA) e a visão soviética de outro (DDR). 

Berlim é uma bela cidade, capital de vários reinos, reduto de outros tantos artistas. O músico inglês David Bowie (1947-) morou na cidade entre os anos de 1977 e 1979, onde ele compôs três discos, que ficaram conhecidos como a “Trilogia de Berlim”: “Low”, “Heroes” e “Lodger”, com destaque para a música instrumental “Neuköln”, que faz alusão a uma região da cidade. Já o músico estadunidense Lou Reed (1942-2013) fez uma exaltação à capital alemã na música “Berlin”, que abre o disco homônimo de 1973, no qual o primeiro verso cita o muro, mas destaca a cidade com os seus encantos: “Eins, zwei, drei/In Berlin, by the wall/You were five foot ten inches tall/It was very nice/Candlelight and Dubonnet on ice”. 

Berlim foi tema de diversos filmes e uma série especial para o formato televisivo feita por Rainer Werner Fassbinder (1945-1982), chamada “Berlin Alexanderplatz” (1980), baseada no romance homônimo de 1929 do escritor expressionista Alfred Döblin (1878-1957), tendo a sua primeira adaptação cinematográfica datada de 1931, feita por Phil Jutzi (1896-1946). A obra de Fassbinder possui quatorze episódios que se centram na vida de Franz, um pobre trabalhador tendo que sobreviver na Alemanha da República de Weimar (1919-1933) em um contexto de crise econômica e social, onde as ideias no nacional-socialismo nazista surgiram e se propagaram, quando o país começa a erguer um “muro ideológico”. 

O cineasta Wim Wnders faz uma ode à Berlim no filme “Asas do desejo” (1987), que possui como um dos títulos “O Céu Sobre Berlim” (Der Himmel über Berlin). No filme, anjos observam a humanidade, ora vagando sobre monumentos, ruas e prédios, ora entre os homens. A cidade é dividida, o muro separa a parte capitalista (RFA) da parte soviética (DDR). No entanto, os anjos pairam sobre o céu, escutam as angústias e os anseios humanos. Alguns anjos observam, outro se apaixona pela humanidade, preferindo a queda à imortalidade, almejando as sensações humanas efêmeras, mas intensas. O muro é apenas uma construção física, deixado em segundo plano para discussões metafísicas humanas. 

O muro de Berlim cai no dia 09 de novembro de 1989. O muro físico caiu, no entanto, houve um muro simbólico, ideológico, que ainda separa a capital alemã, seja na arquitetura, no saudosismo do regime soviético e na não adaptação ao sistema capitalista, como mostrado no filme “Adeus, Lênin!” (2003) do diretor Wolfgang Becker, no qual a personagem Christiane Kerner seria um símbolo do regime soviético alemão (DDR), de modo que sua vida (prática e duração) é o mesmo da República Democrática Alemã. Hoje, Berlim é uma cidade singular, vanguarda, beleza, cultura, seus muros caíram. Mas, outros tijolos são colocados em muros na Palestina, no México, nas favelas do Rio de Janeiro, em fronteiras ao redor do mundo.

Lou Reed "Berlin"

David Bowie "Neuköln"