A Televisão Pode Ser Melhor Do Que o Cinema

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O título do texto pode parecer estranho, soberbo e, até mesmo, infundado se ele não for contextualizado. Os programas televisivos não são considerados uma forma de expressão artística (sem entrar no mérito da questão da linguagem, da estética, etc.), como também o cinema comercial produzido pela grande indústria hollywoodiana ainda não o pode ser, já que também é um produto de entretenimento. O cinema hollywoodiano está estagnado, sem criatividade, refém, atualmente, de dois tipos de produções: filmes pertencentes ao gênero romance-drama para adolescentes-adultos; e/ou às produções de super-heróis, principalmente do Universo da Marvel Comics. Por seu turno, a produção televisiva, representada por seriados, está no seu ápice criativo. 

Um dos objetivos de um produto é ser vendido, ser consumido por uma grande quantidade de pessoas. Dentro da cultura de massas, algumas linguagens artísticas são apropriadas pela indústria cultural, tornando-se meros produtos de consumo, momentâneos, rápidos, ou seja, passageiros. O cinema é um produto no contexto da cultura de massas. Dentro da indústria hollywoodiana, por exemplo, o objetivo do produto é ser vendido, conseguir a maior bilheteria possível para que o retorno financeiro dos produtores executivos, ou das grandes produtoras, seja um fato concreto representado pela a arrecadação da bilheteria. Assim, o sucesso de uma produção é medido pelo retorno financeiro conseguido ao longo do período em cartaz nos cinemas. 

Vale ressaltar que as produções da indústria cinematográfica passam predominantemente em salas de exibição em shoppings centers, templos da sociedade de consumo, onde o indivíduo pode consumir outros produtos manufaturados e produzidos em massa como combos de pipocas com refrigerantes, balas e doces, para que todos, deste modo, possam pertencer à sociedade de consumo. Mas, para que isso ocorra, é preciso também “consumir” cultura. O shopping com as suas escadas ascendentes e descendentes, com lojas de diversos produtos, os manequins são a imagem e semelhança do observador. Neste lugar, o cinema é uma ilusão, uma alienação, uma propaganda ideológica, um mero produto. 

A televisão é também um elemento da cultura de massas, os seus produtos são, na sua grande maioria, ruins, sem qualidade técnica, sem conteúdo. No entanto, a televisão está mudando. Na era digital, ela não é mais uma caixa quadrada que recebe sinais analógicos VHF (onda de alta frequência) e/ou UHV (ondas de ultra alta frequência) com conteúdos repetitivos, engessados de emissoras que são reféns de anúncios publicitários. Agora, além de ser digital, é ainda a cabo, com fibra ótica. As televisões são retangulares com polegadas que podem ocupar paredes de salas residenciais inteiras. Possuem conexão com a internet, as chamadas Smart TVs, com acessórios de sistema de som de alta qualidade 

A revolução da televisão se iniciou na Era da TV a Cabo e se expandiu na Era Digital com conteúdos segmentados, mas de alta qualidade. O programas televisivos são produzidos a partir de segmentações de conteúdos desde faixa etárias, à gêneros e temas, tais como comida, viagem, desenhos animados, documentários, filmes e seriados televisivos. A televisão está melhor do que o cinema hollywoodiano se comparada com a produção de seriados televisivos no qual, diferentemente da grande indústria, impera o novo, a criatividade, o produto com qualidade. Atualmente, os melhores profissionais da indústria cultural do audiovisual estão escrevendo, produzindo, filmando, atuando em seriados televisivos. 

As maiores mentes criadoras, que são responsáveis por criar produtos de qualidade, são nomes como J. J. Abrams (1966-) com séries como “Lost” (2004-2010) e “Fringe” (2008-2013); Vince Gilligan (1967-) com as produções “Breaking bad” (2008-2013) e “Better Call Saul” (2015-), que teve os seus primeiros episódios exibidos no tradicional Festival de Cinema de Berlim em fevereiro de 2015; Beau Willimon (1977-) com a sua criação “House of cards” (2013-); e Matthew Weiner (1965-) que se destacou como roteirista da série “Família Soprano” (1999-2007) e criou uma das obras máximas da televisão “Mad Men” (2007-2015). Inclusive a comissão de frente do cinema hollywoodiano, os atores, está migrando para a televisão. 

Assim, é preciso atar as duas pontas, mas não sendo louco ou casmurro; a Televisão é melhor do que o cinema hollywoodiano. Seriados televisivos possuem mais qualidade do que grandes produções para adolescente-adultos que misturam romance com drama ou em relação à produções baseadas em super-heróis, principalmente, os da Editora Marvel. Até mesmo os personagens do universo Marvel utilizados em seriados são melhores, como é o caso da produção “Demolidor” do canal Netflix. Por fim, a indústria cultural é um grande hipermercado, com produtos separados por setores, áreas, corredores. Todavia, mesmo os produtos enlatados possuem qualidades diferentes, pois podem usar ingredientes, técnicas, embalagens, de pior ou melhor qualidade.

O Fio de Ariane

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O Cinema é uma Arte que caminha entre a transparência e a opacidade. Mesmo sendo uma expressão artística com bases realistas, que cria um efeito de real na sua representação da realidade devido à imagem em movimento, ele também pode representá-la de forma opaca, por vezes questionando-a em maior ou menor grau. No filme francês “O fio de Ariane” (Au Fil d’Ariane, 2014), o diretor Robert Guédiguian (1953-) realiza uma obra que caminha, pela primeira vez em sua filmografia, em direção a uma narrativa fantástica com elementos que destoam dos seus filmes com tom realistas e políticos como “A cidade está tranquila” (La ville est tranquille, 2000) ou mesmo “As neves do Kilimanjaro” (Les Neiges du Kilimandjaro, 2011). 

Ariane decidiu que ela própria iria fazer o bolo do seu aniversário. Era uma data especial, completar anos não é apenas somar os dias, mas também celebrá-los, mesmo que seja em uma única data. Com o bolo pronto, a decoração posta, Ariane espera os seus entes queridos: marido, filha, amigos, etc. Um a um ligam alegando que não poderão comparecer à celebração, pois podem estar viajando, “presos no trabalho”, ou mesmo com outras tarefas. Desolada, Ariane desenrola o seu o fio, sai da sua casa suburbana rumo à cidade francesa de Marselha. Parada em uma ponte, esperando a travessia do barco, ela encontra o seu guia: Raphael, um jovem motoqueiro que a leva para o pequeno restaurante “Café l’Olympique”, onde encontra diversos personagens exóticos. 

O “Café l’Olympique” parece ser um local humilde e ao mesmo tempo idílico, onde personagens se relacionam de forma simples e direta, tendo a resolução dos seus conflitos como algo possível. Marcial é de origem africana e trabalhou por trinta anos como segurança do museu de história natural, deseja “libertar” os animais empalhados; Raphael é o jovem guia que ama Lola, uma bela ruiva que se prostitui, por prazer, e se assemelha à figura de Vênus, pintada por Botticelli; o solitário dono do café Denis admira o escritor Jacques, que passa os dias no estabelecimento escrevendo e observando os clientes para ter inspiração. Há ainda uma tartaruga que dialoga e dá conselhos para Ariane. 

No filme “O fio de Ariane”, o título remete à narrativa mítica grega do labirinto do Minotauro. Astérion era filho de Pasífa, esposa do rei Minos, com o Touro de Creta. Possuía como forma um corpo humano e cabeça de touro, ficando conhecido como Minotauro. O rei Minos manda que o arquiteto Dádalo, pai de Ícaro, construa um labirinto para poder abrigar Astérion. Após um conflito com a cidade de Atenas, o rei de Creta ordena que, anualmente, sete rapazes e sete moças atenienses sejam devorados no labirinto. O herói ateniense Teseu se voluntaria para ser sacrificado com o intuito de combater o Minotauro. A filha de Minos, Ariadne, se apaixona por Teseu e lhe concede um novelo de linha que lhe indicará o caminho da saída do labirinto. 

O nome da personagem principal de “O fio de Ariane” é também o da atriz Ariane Ascaride que é casada com o diretor Guédiguian. O cineasta possui como característica o hábito de realizar os seus filmes com a mesma equipe e com atores recorrentes, de modo que Ariane é protagonista de diversos outros filmes do diretor, assim como a cidade de Marselha. Se Nova Iorque é a paisagem de Woody Allen; Roma é a de Fellini; Bruxelas é a dos Irmãos Dardenne; Berlim é a de Wim Wenders, Marselha é o espaço principal de conflitos, contradições, lutas, amores e aventuras nos filmes de Robert. Ela é a mais antiga cidade francesa com ocupação ininterrupta, sendo fundada pelos gregos no século VII a.C, estando situado na região da Provença no mar Mediterrâneo. 

O cinema de Robert Guédiguian se associava a uma proposta realista e de um cinema engajado politicamente e socialmente. No filme “A cidade está tranquila” é trabalhado como as políticas neoliberais da década de 1990 provocou em Marselha o desemprego, a miséria econômica e social, assim como no filme espanhol “Segunda-feira ao sol” de Fernando León de Aranoa. Com o filme “As neves do Kilimanjaro”, o diretor ressalta como a crise econômica pode levar os indivíduos a cometerem ações criminosas. Novamente, a causa dos problemas sociais é material, é econômica. Nos seus filmes anteriores, as personagens representam e/ou agem segundo uma coletividade, o que não ocorre em o “O fio de Ariane”, no qual o desejo individual se sobressai sobre o coletivo. 
No filme de Guédiguian, Ariane “desenrola o novelo”, seu fio se estende por Marselha, nas relações com personagens diversas. Mas, assim como no mito, ela volta para casa. Sua viagem onírica foi circular, termina onde começou: na sua casa, com a chegada dos familiares e amigos. O tempo é de comemoração, o bolo está pronto e a decoração posta. As velas, que acendera no bolo, ainda estão incandescentes. O seu fio teceu acontecimentos entre o real e o fantástico, seja no diálogo com a tartaruga ou mesmo com a fuga da realidade, devido a breve solidão. Em “O fio de Ariane”, o fio é a ligação, o elo, a busca pelo contato humano, pois no tempo em que se festejam o dia dos anos, a alegria de todos estava certa com uma religião qualquer.

Trailer do filme