‘Acabou a paz’: a luta dos estudantes secundaristas

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No final de 2015, estudantes secundaristas se mobilizaram contra a proposta do governo paulista de reformulação da rede estadual de ensino de São Paulo. Não concordavam com a imposição vertical do projeto, considerando-o arbitrário, além de não benéfico para a classe estudantil. Em resposta, iniciaram manifestações de rua, culminando com a ocupação de escolas estaduais como uma forma de luta, estratégia influenciada pelos estudantes secundaristas chilenos que fizeram o mesmo em 2006. O documentário ‘Acabou a paz: isto aqui vai virar o Chile’, dirigido pelo experiente diretor Carlos Pronzato, mostra o processo da luta estudantil paulista em paralelo com a luta dos estudantes chilenos, destacada no seu documentário ‘A revolução dos pinguins’.

Em outubro de 2015, o secretário estadual da educação Herman Voorwald divulgou a proposta do governo do estado de São Paulo em relação à reformulação da rede pública de ensino, baseando-se em uma “reorganização” a partir do fechamento de noventa e quatro unidades escolares, distribuídas em todo o estado. As escolas seriam divididas em ciclos, de modo que cada unidade ficaria apenas com um ciclo de ensino. Os alunos afetados, cerca de 311 mil, seriam obrigados a ser transferidos para outras unidades escolares, muitas vezes, já superlotadas e distantes do domicílio. A “reorganização” partiu do corte de verba de dois bilhões de reais da educação feito pelo governo estadual. 

O documentário ‘Acabou a paz: isto aqui vai virar o Chile’ mostra o processo de luta dos estudantes secundaristas contra a “reorganização” da rede de ensino proposta pelo governo estadual. As manifestações começaram no dia 06 de outubro de 2015 com passeatas nos principais pontos da cidade de São Paulo, estendendo-se por um mês. A mudança de estratégia dos alunos ocorreu em novembro a partir da influência das práticas de luta dos estudantes chilenos ocorridas em 2006, baseada em ocupações de escolas. Deste modo, no dia 09 de novembro um grupo de alunos ocupou a Escola Estadual Diadema e, na manhã seguinte, outro grupo ocupou a Escola Estadual Fernão Dias, iniciando, assim, um processo de mobilização que ocuparia mais de duzentas escolas em todo o estado em um curto período de tempo. 

Nas primeiras imagens do documentário ‘Acabou a paz’, há uma assembleia de alunos, estão lendo uma carta, um manifesto, usam a estratégia do “jogral”: um aluno lê um documento em voz alta, outros repetem até a informação circular por todos. Em seguida, imagens das manifestações de rua se alternam com depoimentos de alunos, professores, pais e jornalistas que acompanharam e se solidarizam com a luta dos estudantes. O objetivo do diretor Carlos Pronzato é compreender e demonstrar a dinâmica do movimento, como ele surgiu e, principalmente, como ele se configura na sua organização e estratégias de luta. 

A estratégia de luta dos alunos paulistas se mostrou interessante do ponto de vista não apenas organizacional, mas também político, pois conseguiram mobilizar uma grande quantidade de estudantes secundaristas e ter o apoio de parcela significativa da sociedade em um curto período de tempo. O embate contra o aparato repressor e controlador do estado ocorreu com a utilização de uma dinâmica com práticas organizacionais que as “autoridades políticas” não estavam preparadas para lidar. Não havia líderes do movimento, sendo construído de forma autônoma e horizontal. Utilizavam as ferramentas das mídias sociais para se comunicarem, organizarem e produzirem conteúdos próprios de divulgação.

O maior mérito do documentário de Carlos Pronzato é destacar e manter o protagonismo dos alunos no processo de ocupação das escolas. Os estudantes se organizaram de forma eficiente e autônoma, sem a influência direta de outros setores da sociedade. Obviamente, que acabaram recebendo apoio de diversos segmentos e organizações sociais. O interessante é que as ocupações das escolas criaram espaços de convívio similares a um “T.A.Z.” (Zonas Autônomas Temporárias), onde grupos de indivíduos se reúnem para um objetivo em comum a partir de relações diretas não hierarquizadas, com total liberdade, com novas relações e práticas sociais sendo intensificadas. 

Parafraseando alguns versos do poeta Carlos Drummond de Andrade, os estudantes secundaristas paulistas que participaram do processo de luta contra a “reorganização” da rede estadual de ensino proposta pelo governo estadual possuíam “diversas mãos” e o “sentimento do mundo”. Obtiveram a vitória contra as imposições arbitrárias e não consultivas de um estado controlado por interesse particulares e econômicos. Para eles, a sala de aula se transformará em algo pequeno, pois transformando o ambiente escolar, muda-se o mundo. Por fim, os versos de uma música entoada pelos estudantes no documentário ‘Acabou a paz’ ainda ecoam: “Todas as escolas/escolas de luta/fica preparado/se fechar alguma a gente ocupa”.

Documentário "Acabou a paz: isto aqui vai virar o Chile"



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