As Dialéticas do Clube da Esquina

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Minas são os estados gerais da alma, um campo geral onde o escritor Guimarães Rosa vislumbrou o seu “sertão-mundo”, local no qual o poeta Carlos Drummond de Andrade percebeu as condições da vida gauche nas casas, na vida interiorana de Itabira com a sua grande quantidade de ferro nas calçadas e nas almas. Das Geraes, um grupo de músicos, conhecidos pela alcunha de Clube da Esquina, surgiu das confluências, cruzamentos e da criatividade artística para se consolidar como uma das mais significativas expressões da música brasileira. 

O Clube é o grupo, uma agremiação, uma reunião de músicos inicialmente nas esquinas de Belo Horizonte, principalmente no cruzamento da rua Divinópolis com a Paraisópolis no bairro de Santa Teresa, com afinidades musicais, “mineirísticas”, que compuseram letras, criaram melodias, gravaram músicas e lançaram discos. A colaboração entre os músicos é a marca dos trabalhos, na qual o individual e o coletivo se mesclam. O termo fechado designado pela palavra “clube” se contrasta com o espaço coletivo, aberto, plural do adjunto “esquina”. 

O Clube da Esquina não é um grupo homogêneo, com uma proposta predeterminada de uma estética musical, pelo contrário, é um movimento de músicos que se reuniram por afinidades no catalisador convívio mineiro. Milton Nascimento, o Bituca, é o expoente, a figura mais conhecida do clube que foi assimilando músicos ao longo do final da década de 1960 e durante a década seguinte com nomes como Flávio Venturini, Tavinho Moura, Toninho Horta, Lô Borges, Márcio Borges, Fernando Brant, Beto Gudes e Wagner Tiso

O clube no entorno de Milton Nascimento é a gênese do movimento, pois criaram o disco “Travessia” (1967), viram que era bom; no ano seguinte gravaram nos Estados Unidos o álbum “Courage” (1968), contendo uma versão da música “Travessia” com trechos em inglês; mas décadas depois a artista islandesa Björk a cantaria em português declarando o seu fascínio pela música mineira. Em 1969, surgiu o disco “Milton Nascimento” e no ano seguinte é lançado “Milton” (1970) no qual aparece as composições “Clube da esquina”, junto com “Para Lennon e McCartney” e a poética “Alunar”. 

O Clube da Esquina se consolida em 1972 com o lançamento do disco duplo homônimo com as suas vinte e uma canções, sedimentado, dando forma para uma produção coletiva. Lô Borges se destaca como compositor, Milton como interprete, com destaque para as canções “Tudo Que Você Podia Ser”, “Trem Azul”, “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo” e “Nada Será como Antes”. Em 1978, lançariam ainda com uma identidade coletiva o disco “Clube da Esquina 2” com a participação de Elis Regina, Gonzaguinha, Chico Buarque, ampliando, assim, o som para outras esquinas. 

O Clube no entorno de Lô Borges ocorre após o lançamento do “Clube da Esquina” (1972), o artista então com dezenove anos lança o famoso disco do “tênis’ na capa com composições como “Canção Postal”, “O Caçador” e “Faça Seu Jogo”, em parceria com o seu irmão Márcio Borges. Já Milton Nascimento, entre o “Clube da Esquina” (1972) e “Clube da Esquina 2” (1978), lança duas odes a Minas Gerais com os discos “Minas” (1975) e “Geraes” (1976). As ‘mineirices” são o mote para as canções influenciadas por ladainhas, fazendas, horizontes, pessoas simples, morros e veredas. 

Minas é isso, uma vereda no norte do Jequitinhonha, a Zona da Mata, as chapadas, as veredas, o quadrilátero. A vista é bela; a travessia, filosófica; a vida, artística. A música do movimento Clube da Esquina é mineira na base, na essência, na poética, na melodia fundida com ritmos, estilos como Bossa Nova, Jazz (fussion, smooth e rock), com o Rock e o seu Art-Rock, o Progressivo, o Folk. O mineiro tem o “causo” no narrativo, a poética na vida, a música como cotidiano sagrado. A esquina é a apenas o símbolo da confluência da existência, da troca de possibilidades. 

As letras das composições mineiras dos músicos expoentes do Clube da Esquina são o particular-universal expressando de maneira poética a existência humana na sua travessia de campos gerais da vida. O amor não precisa de lágrimas, pois é só poesia e os cabelos são da cor de girassóis; o alunar é catacrese, é preciso ter os pés na terra, aterrar a vida na calmaria do sagrado cotidiano. A identidade mineira é cantada para Lennon e McCartney, assim como amor que vale a pena de Paula e Bebeto. 

Minas Gerais não é apenas uma terra fértil para a literatura com os seus escritores locais de sensibilidade universal ou mesmo poetas de um mundo ora com um Eu maior do que o mundo, ora menor na sua condição de gauches, deslocados. Nada foi como antes dentro da música brasileira, a influência das esquinas, da música mineira do clube de Milton Nascimento, Flávio Venturini, Tavinho Moura, Toninho Horta, Lô Borges, Márcio Borges, Fernando Brant, Beto Gudes e Wagner Tiso mostrou tudo o que a música pode ser, seja partindo do particular para o universal, ou mesmo caminhando entre uma produção individual e coletiva. Para os músicos do Clube da Esquina, Minas é a vida condensada em um horizonte geral de possibilidades artísticas, musicais.

Discos

Milton Nascimento - "Milton" (1970)

"Clube da Esquina" (1972)

Lô Borges - "Lô Borges" (1972)


Milton Nascimento - "Minas" (1975)



Músicas

Bjork - "Travessia"


Milton Nascimento - "Alunar"

Clube da Esquina - "Um girassol da cor do seu cabelo"

1 comentários:

Unknown disse...

Parabéns, Breno! Ótimo!!!