Invasão Caipira

0
Araraquara é uma cidade média do interior de São Paulo com cerca de duzentos mil habitantes, está a 280 km da capital. É rodeada por plantações de cana de açúcar e pés de laranja. Seus habitantes respiram o ar cítrico sem sentir o cheiro em suas narinas tão fatigadas. O cinturão da cana é um espaço demarcado, linguisticamente reconhecido seja pelo “r” retroflexo, ou mesmo pela interjeição “acha”, ou ainda com a preposição “de” na expressão “passo de lá”, como também pelas ruas com nomes, mas indicadas por números. 

A cidade é ainda um estado central da música, capaz de criar festivais, grupos, cantores, músicos de extrema qualidade, movimentar excursões para shows na capital criando uma invasão caipira. Os grandes concertos de rock, espetáculos, festivais fazem com que um contingente de fãs da cidade se desloque para São Paulo percorrendo 280 km para ver, ouvir, sentir a música em uma viagem de um dia. 

Ônibus fretados saem rumo à capital a partir do Bar do Zinho que fica em frente a uma praça na rua mais bonita da cidade. O bar é um local de formação, educação, comunhão musical, onde músicos independentes do interior, da cidade tocam, bebem, conversam, dialogam há mais de meio século. A saída é perto da hora do almoço, quando começa a chegar uma leva de adoradores da música com roupas pretas, camisas de bandas, carregando coolers, sacolinhas com os mantimentos, acessórios para a viagem. 

A música cria uma peregrinação de araraquarenses até São Paulo, criando uma invasão caipira da capital. Uma viagem (“excursão”) como chamada no interior, de um dia, um “bate-volta” fazendo o percurso ser interessante, de modo que alguns preferem se embriagar levemente ou apenas dormir na esperança da viagem ser encurtada. Há os que são enciclopédias, repletos de história no ramo, que estiveram em concertos históricos. 

O concerto, o espetáculo musical é o fim, o objetivo final, mas a travessia do interior à capital é interessante: há o casal (Zé e Glaucia) que voltou de São Paulo apenas para ir no ônibus com os amigos, ou ainda a tímida, a bonita moça (Andréia) de Taquaritinga que viaja um pouco mais. No corredor do ônibus cenas inusitadas: alguns como Paulo Afonso, Igor e Plex conversam sobre física, filosofia, cinema e fotografia; outros, como o Matheus, preferem contar histórias; um estudante tenta fazer o trabalho da faculdade para a manhã seguinte. 

Araraquara é reconhecida não somente pela visita do filósofo francês que quis responder a uma questão, mas pela adoração à música. Não somos reconhecidos apenas pela cana, pela laranja ou pelo “r” “puxado” ou mesmo “arrastado”, a cidade é música, frequências altas, baixas, locais de batidas, ritmos, a música é a nossa melhor amiga. Se não temos boas narinas, compensamos com ouvidos apurados, exigentes, que buscam sons e sentidos na música sendo capaz de criar peregrinações até São Paulo.

0 comentários: